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Capítulo - 03

Era domingo, o que significava que eu não precisava trabalhar. Por isso resolvi ficar quieta o dia todo, se possível fosse. Depois do café da manhã voltei para o quarto para terminar de arrumar a bagunça das malas, enquanto isso eu falava com a minha mãe por vídeo chamada ao celular.

— Você parece mais magra, tem se alimentado direito? — Ela percebeu.

— Eu estou sim, é só a correria, mãe.

— E por que você está abatida? Sua voz está diferente, Camila — insistiu ela.

Acabei rindo da percepção de sintomas que ela observava.

— Deixe a médica de lado, pode fazer as perguntas que eu sei que a minha mãe quer fazer — brinquei pendurando mais uma roupa.

Minha mãe relaxou um pouco e se animou chegando mais perto da tela.

— Como são as lojas aí? Já comprou alguma roupa italiana? Pode mandar para mim um cardigã igual àquele que eu vi no...

As perguntas eram tantas que eu me perdia no meio das respostas, minha mãe queria saber de simplesmente tudo, incluindo a pensão. Senti que minha mãe estava realmente comigo ali no quarto, e não apenas através da tela.

Pela tarde a senhora Martina foi até o meu quarto me convidar para assistir novelas mexicanas com ela. Eu concordei achando que eu as acharia péssimas, entretanto foi bem diferente.

Assistimos "Laços do Amor" durante horas e nem percebemos que já estava de noite. Eu estava adorando a história do triângulo amoroso entre Fernando Miguel Martínez, Emilio Arturo Martínez e Regina Teresa Esparza. A trama dos irmãos competindo entre si pela moça bonita que não sabia qual deles escolher. Mas eu desconfiava de que ela era a vilã da novela.

Estávamos na metade do episódio quando Lorenzo entra na pensão com algumas compras nas mãos.

— Boa noite — disse sem parar para nos olhar e seguindo para a cozinha.

Tampouco me importei. A senhora Martina e eu continuamos assistindo a nossa novela, ela fazia comentários e falava com a televisão, na maioria das vezes brigando com algum dos personagens. O que me fazia rir.

Não notei quando Lorenzo subiu para seu quarto, só percebi quando Martina deu pausa e se virou no sofá para ficar de frente para mim.

— Peço desculpas pelo que ele disse ontem — começou ela.

— Não. A culpa não é de modo algum sua — respondi. — Lorenzo sabia o que estava dizendo e ainda assim disse. Então a senhora não tem que se desculpar.

Ela balançou a cabeça.

— Sem "senhora" querida, apenas Martina — corrigiu gentilmente e assenti. — De toda forma eu quero dizer que sinto muito por você ter passado por isso ontem à noite.

Dei um sorriso caloroso para ela.

— Está tudo bem.

Martina balançou a cabeça como se entendesse. Então assumiu uma expressão cansada.

— Não que justifique, jamais, mas ele enfrenta uma doença que afeta seu coração. Foram várias cirurgias, nenhuma que pudesse curá-lo, apenas se fizer um transplante. O que quero dizer é que viver assim o deixou assim, porém eu não concordo com as atitudes dele. Não há motivos para ele agir como agiu. — Suas palavras foram ditas baixas, talvez para que ele não ouvisse.

Eu sabia como era viver em uma corda bamba, nem por isso eu saía por aí destratando as pessoas e as acusando.

Na manhã seguinte me arrumei apressada para o trabalho. Enquanto eu descia as escadas senti um cheiro maravilhoso pela pensão, descobri o que era quando cheguei na sala de jantar.

Haviam panquecas na mesa, estavam quentinhas e com a aparência perfeita. Também tinha mel e frutas para acompanhar. E no lugar que eu havia ocupado na primeira noite tinha um prato já pronto.

Eu estava parada encarando o café da manhã quando Lorenzo trouxe uma jarra de suco. Ele estava com um avental de amarrar, os cabelos um pouco bagunçados e seu olhar não era da costumeira raiva quando me viu.

Lorenzo endireitou a postura e tomou fôlego para falar algo, mas eu avancei em direção a cozinha passando direto por ele, peguei uma fruta qualquer e fui embora.

- Lorenzo -

Eu tinha feito uma burrada, tinha consciência disso.

Não havia medido minhas palavras antes de dizê-las. Além disso, eu estava descontado em alguém o dia estressante que eu tive. Ou a vida estressante.

Quando Camila me olhou ela tinha fogo nos olhos, assim como seu cabelo alaranjado. Ela, de um modo impressionante, recuperou a postura para falar com a minha avó, depois se retirou.

Encarei o lugar vazio a minha frente. Ouvimos o ranger da porta do quarto dela, a uma porta de distância do meu.

— Você não deveria ter dito nada disso — repreendeu minha avó.

— Eu sei disso. Eu só... Foi um dia cheio, a consulta mexeu comigo — Passei as mãos pelo rosto tentando, e falhando, aliviar a dor que martelava na minha cabeça.

— O que eles disseram? — Apesar de estar decepcionada comigo ela ficou preocupada.

Balancei a cabeça sem conseguir encará-la. Como eu diria que não sabia quanto tempo eu ainda tinha? Como dizer que eu não tinha chances de viver se não fizesse um transplante urgentemente? Como dizer que meu coração desistia a cada dia que passava?

Não dizia.

— O mesmo de sempre, transplante — falei por fim.

Minha avó se recostou na cadeira, rugas surgiram em sua testa. Eu sabia no que ela estava pensando, em como conseguiríamos um coração para trocar com o meu.

— Precisamos ter esperança, vai dar tudo certo, Bambino*. — Minha avó se levantou e passou por trás da minha cadeira, não sem antes repousar as mãos nos meus ombros para dizer: — Em relação a Camila, você sabe o que fazer. Boa noite.

Fiquei sozinho na sala de jantar pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada. Apenas deixei que minha mente vagasse sem rumo.

Acordei cedo na segunda, eu havia saído no domingo à noite para comprar os ingredientes do café da manhã que eu estava planejando para hoje. Optei por fazer panquecas recheadas de chocolate e frutas. Um dos pratos favoritos de todo mundo. Assim que comecei a fazê-las o aroma se espalhou pela casa causando roncos no meu estômago.

Pus a mesa e preparei um dos pratos dispostos nela. Não demorou muito para que passos saltitantes ressoassem na escada vindo para a sala de jantar. Estava levando o suco para a mesa quando dei de cara com Camila, estática no lugar. Seus olhos brilhantes inspecionavam o café da manhã que eu acabara de fazer.

Aquele era o meu pedido de desculpas por ter sido tão rude na primeira noite dela aqui. E eu estava prestes a dizer isso, porém no mesmo momento em que abri a boca para falar ela andou a passos largos até a cozinha atrás de mim, pegou uma pêra na cesta cheia de frutas e saiu sem dizer nada ou sem querer ouvir nada.

Soltei uma respiração frustrada. Eu tinha mesmo magoado ela.

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Tradução das palavras com asterisco*

Bambino - Criança ou menino; designação genérica para referir-se à alguém jovem.

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