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Capítulo 7 - Passado assombrado

Lucy então só cruza os braços e suspira, como se estivesse diante de duas crianças. Ela vai até a parede, encosta-se e espera que os dois resolvam as intrigas, pois, conhecendo seu namorado, sabia que era difícil fazê-lo esquecer o passado. Ethan se aproxima e fica ao lado dela, mas um pouco afastado, segurando a katana de Mary, que, junto da bainha tecnológica, chegava quase no peito do garoto, então estava pesada.

A ruiva olha para ele, um olhar tímido e curioso, até esperançoso, o que de certa forma era uma surpresa. Não imaginava que alguém como a Mary, uma verdadeira assassina retalhadora, poderia fazer uma pessoa ficar apegada a ela, como se fosse alguém da família. O garoto olha para Lucy, gaguejando um pouco, mas enfim conseguindo perguntar o que queria.

- É... A Mary já esteve aqui, né? – O menino ainda continuava um pouco medroso de conversar com outras pessoas. Lucy pensa se deveria responder, mas, visto que o garoto também não sabia muito sobre o passado de sua mestra, decide falar. Ela se aproxima um pouco mais dele e se agacha para ele escutar melhor.

Enquanto isso, Mary e David terminam de se alongar e se posicionam para combate, pareciam que iriam treinar sem seus poderes, somente no físico mesmo. Eles se encaram com olhares não muito amigáveis e o singular gélido parte para cima primeiro, tentando dar um soco na direção do rosto de Mary, que só inclina o rosto para o lado, coloca a mão aberta no rosto de David e empurra, fazendo-o inclinar para trás até cair.

Enquanto os dois treinavam, Lucy e Ethan conversavam.

- A Mary já viveu um tempo conosco, ela... Apesar de ter só dezoito anos na época, tinha o olhar mais sanguinário que já vi e, mesmo que ela não demonstrasse muito interesse em nada, ela até ajudava aqui na cidade bastante, o pessoal gostava das ações caridosas dela, e na hora da batalha ela surpreendia a todos. A habilidade dela é bem difícil de aplicar ofensivamente, mas ela aprendeu, e não havia ninguém igual a ela na cidade.

- Sério? – Os olhos de Ethan brilhavam por saber como sua mestra era. Porém, para interromper seu momento de glorificação, Lucy continua.

- Porém, também... Muitos questionavam algumas decisões e ações dela, entre as reclamações do povo era que o jeito brutal e sem remorso de Mary enfrentar seus inimigos, principalmente se fossem dos Heróis, iria acabar influenciando mais pessoas a se tornarem como ela, o que traria muitos problemas para a cidade.

- Sem remorso? Mas... – Ethan fica um pouco decepcionado, pois apesar de Mary ser exigente, ela cuidava bem do garoto, e não parecia nada com essa estripadora que Lucy estava falando.

- Talvez ela tenha mudado... – A ruiva olha para Ethan, como se ele fosse o motivo de a assassina ter amolecido seu coração, mas não tinha certeza se era por questão emocional ou se a singular albina era uma legítima manipuladora.

Mary se inclina para trás e desvia de um chute giratório de David. Naquele ponto, a moça já havia percebido que o rapaz não estava mais treinando apenas, estava tentando realmente acertar para machucá-la, tanto que em alguns golpes ele nem tentava de fato socar, mas sim segurar Mary para congelá-la. A cada golpe errado que ele dava, era possível ver o rapaz ficando com mais e mais raiva.

A albina percebia isso e evitava atacar, somente desviando, o que deixa David mais irritado, tanto que ele começa a utilizar seus poderes para criar lâminas de gelo na tentativa de cortar Mary. Assim que viram isso, Lucy e Ethan saem da parede que estavam encostados e vão correndo parar o singular.

- Por que... Por que?! – David gritava com raiva enquanto preparava um soco revestido de gelo, indo na direção do rosto de Mary.

Porém, antes de acertá-lo, sua camada gélida é desfeita e a albina segura sua mão em questão de apenas um segundo. Ethan tocou no peito do rapaz para ele não conseguir usar sua habilidade, aproveitando isso, Lucy vai e afasta seu namorado da situação, puxando-o por trás. O singular de gelo ficava se debatendo tentando ir para cima de Mary, que estava com o menino em sua frente, já preparando-se para pegar sua arma nas costas.

- David, o que foi?!

- Por que?! Por que você deixou o meu irmão morrer?! – Ele gritava para a albina, quase lacrimejando. Mary fica sem responder nada, pois sabia do que ele estava falando. Ethan fica confuso e olha para trás, para sua mestra, como se quisesse questionar se aquilo era verdade.

- David! – Lucy chamava a atenção dele, segurando o mais forte que ela conseguia. – Já conversamos sobre isso várias vezes!

- É só ela me dar uma resposta! E dependendo eu penso se acabo com ela aqui mesmo! – Os dez segundos já haviam acabado, e o rapaz começava a revestir suas mãos de gelo novamente.

Mary levanta seu olhar e continua com sua expressão neutra, ela se aproxima de David e começa a dizer para ele.

- Eu não me arrependo, por uma única razão. É o que Ryan gostaria que eu tivesse feito, alguém que se dedicou a proteger a facção dos Cicatrizes e a segurança do irmão, o que acha que ele priorizaria? Apenas a própria vida, ou a vida de dez cidadãos, entre eles uma pessoa importante para ele?

- E por acaso você tem moral para falar de priorizar vidas? Assassina de Heróis. – David já ficava mais calmo, mas ainda não estava satisfeito. O olhar de Mary se torna mais vazio ao escutar "Assassina de Heróis", ela se lembra de quando começou sua vingança contra esses singulares.

Logo em seu início, Mary já foi colocada em situações de vida e morte que não apenas garantiram que ela se tornasse mais fria, como também fizeram dela uma guerreira sanguinária em busca de um objetivo, mesmo tendo um poder relativamente fraco. Sua última lembrança era um ano após seu início de "carreira", ela estava num campo aberto e tempestuoso e em volta estava cheio de corpos ensanguentados.

Os olhos da albina estavam arregalados e seu corpo tremendo, fora que ela estava cheia de ferimentos como buracos em seus braços, vários cortes pelo corpo, as roupas muito rasgadas e vermelhas por causa do sangue, e um corte que se desatacava era em seu rosto, que passava pelo olho e bochecha esquerdos. Mary larga sua katana e cai ajoelhada, só conseguindo pensar no que ela havia feito e o que levou a tudo isso. Ela fica por um bom tempo nesse cenário chuvoso de morte.

Mary termina de lembrar e então olha para David com uma expressão um pouco mais viva, em vez de totalmente vazia.

- Sim, eu sou uma assassina, e o que eu quero é me vingar dos Heróis... Porém, eu já sou diferente há muito mais tempo do que pensam. Antes mesmo de me conhecerem, eu já havia mudado.

- E vai querer que eu acredite nisso?! – David ainda dizia indignado.

- Ethan e aquelas dez pessoas sobreviventes da missão de resgate são a prova viva disso. – Mary dá as costas e diz enquanto olhava para trás. – Tente honrar Ryan, ao invés de jogar a culpa em mim, afinal, foi ele quem me pediu isso. Me julgue se quiser, mas eu ainda vou lhes ajudar a deter os Ghouls. – E em seguida ela sai andando do salão de treinamento.

David quase lacrimeja de tanta raiva, ele tenta ir atrás da albina, porém, Lucy o abraça forte por trás.

- David... Por favor, fica comigo, não vai atrás disso novamente. – Ela dizia quase lacrimejando no ombro dele enquanto o abraçava. O singular gélido vai aos poucos abaixando seu braço e segurando na mão de Lucy, também tentando conter as lágrimas. – Nós sabemos... Esse mundo é cruel e imprevisível, por isso não dá para voltar atrás, só podemos seguir em frente, David...

O casal chorava junto. Ethan ficava um pouco perdido por ali, então sem muita opção, ele decide ir atrás de Mary, saindo do salão de treinamento. Ele a encontra de pé em cima de um poste de luz, simplesmente parada e olhando para a cidade em que estavam. Mary pensa como aquela facção, que na verdade mais parecia apenas com um vilarejo, por ter tantas pessoas que não desejavam rivalizar com outros grupos, não desejava a guerra.

- Mary. – Ethan chama por ela, a albina se vira e olha para baixo, vendo o garoto e pensando mais ainda. A mestra fica um tempo observando aquela cidade e então desce, aterrissando ao lado do menino, que começa a observar junto dela, mesmo que não estivesse entendendo muito.

- É bonito... Não é? – Mary pergunta. Na frente deles, estava a praça com uma fonte e bancos em volta, pessoas sentadas, curtindo o momento relaxante, brincando com seus filhos ou tendo experiencias amorosas.

- É... Bastante. – Ele não sabia exatamente o que dizer, e, assim que olha para o rosto de Mary, Ethan consegue ver sua mestra com um olhar um pouco decepcionado.

- Eu não pertenço a esse lugar, minha mera presença já pode acarretar em tragédias, queria eu poder fazer parte. – Mary olha para sua mão, aquela luva toda gasta e usada, a palma dela que não podia ser vista, mas estava cheia de calos, o tanto de cicatrizes que ela tinha no braço e cobria com as ataduras e a braçadeira. – Só que eu também não tenho mais volta.

- Mary... C-como assim? – Ethan pergunta, ela olha para o garoto e entende que ele ainda era muito inocente.

- Nada, Ethan. – Ela volta a olhar para a cidade. – Você quer me perguntar algo, né? Diga.

- Ah, é verdade, bom... Eu só queria saber mesmo, o que aconteceu com o David? Você... Deixou o irmão dele morrer? – Ele pergunta e Mary leva um tempo para responder.

- É, é verdade. – Ela responde com uma certa calmaria.

- Você... Não parece tão incomodada em falar isso.

- E do que adiantaria eu ficar incomodada? É realmente o que aconteceu. – Mary retoma algumas memórias para poder explicar para Ethan. – Eu estava na equipe de Ryan, o objetivo era resgatar alguns reféns que vivem aqui, só que, quando estávamos para escapar, o local desmoronou e, para evitar um destroço de cair em cima de uma criança, Ryan se jogou e a empurrou. Eu tentei ajudar, mas ele já estava com metade do corpo esmagado, então... Ele só falou para o deixar ali, os reféns eram mais importantes. – Ela termina de falar com um certo pesar na fala, mas não exatamente incômodo.

- Mas... Por que David ficou tão bravo então, você não explicou antes? – Ethan questiona.

- Expliquei, mas pela minha má fama como Assassina de Heróis, era inútil... Eu ainda sou e sempre vou ser uma ameaça. – Mary dizia com um certo tom de aceitação na voz.

O garoto olha para sua mestra, aquele olhar de guerreira mudada por cicatrizes e que, apesar de ter seus olhos no objetivo ainda, não aparenta querer usar todo tipo de artificio para alcança-lo. Ele então segura a luva de Mary e diz:

- Eu... Não acho você uma ameaça. – Ela ouve isso e por um momento se sente mais aliviada e até um pouco mais feliz, mas não demonstra isso, apenas olha para Ethan e depois para frente novamente.

- Enfim, vamos ajudar eles, e quem sabe eles poderão nos ajudar também, entendido? – Ela diz num tom calmo.

- Sim senhora. – Ele diz e os dois ficam observando a cidade mais um pouco, até que duas pessoas, uma mulher e um rapaz aproximam-se deles.

A moça era baixa, tinha um cabelo liso e raspado em um dos lados apenas e do outro era jogado, de cor loira e com os olhos de cor castanha, usando uma camisa casual azul, jeans e tênis. O rapaz era maior que a mulher, de pele mais escura, cabelo castanho e dreadlocks, usava um gorro branco na cabeça, mesma cor de sua camiseta, junto de uma bermuda jeans e botas. Aparentavam serem amigáveis, e logo Mary reconhece um deles.

- Mike. – A albina diz para o rapaz.

- Mary, a quanto tempo. – Responde Mike.

- Tá de brincadeira, você a conhece? – Pergunta a moça para ele.

- É, já fomos em missões juntos. – Ele responde de maneira mais amigável que David ao encontrar Mary.

- Ai, tô nervosa, calma, eu tô bem? Como que tá minha roupa? – A moça ficava se avaliando, como se estivesse diante de uma celebridade, o que deixa Mary e Ethan confusos.

- Ei ei, calma. – Mike diz para ela de maneira gentil e em seguida apresenta ela para a dupla em sua frente. – Mary, essa é a Alex, ela faz parte dos Cicatrizes há pouco tempo.

- Ah, muito prazer, eu ouvi várias de suas histórias, você é incrível, a Assassina de Heróis? Mas você salvou várias vezes o nosso povo. – Alex dizia animada enquanto cumprimentava Mary sem ela nem mesmo ter estendido a mão ainda.

- E quem é o novo amigo aqui? – Mike dizia se abaixando para ficar mais na altura do garoto.

- E-Ethan... – Ele responde um pouco nervoso.

- Nome legal, a gente te guia para a escola, vem. – Mike oferece a mão para o garoto, que recua um pouco.

- E-eu vou ajudar a Mary a vencer os Heróis. – Ele responde nervoso ainda, mas com mais convicção. Essa frase deixa tanto Mike quanto Alex surpresos.

- O que? Ah... Mary? – Ele olha para a albina, que não esconde e acena positivamente. – Você tá doida? É uma criança ainda...

- É, mas foi eu quem treinou ele. Ethan tem um poder único. – Mike e Alex ouvem e se olham receosos, mas decidem ouvir a explicação.

Após esclarecido tudo, sobre Ethan, seu poder, seus métodos, os dois ficam pensativos mas acabam entendendo a situação.

- Ok, realmente é uma surpresa, mas, se está dizendo, então tudo bem. – O rapaz diz.

- Mas ele é tão fofinho... – A loira diz acariciando os cabelos de Ethan enquanto agachava para ficar na altura dele. O garoto fica meio apreensivo, mas acaba gostando da caricia e até fica envergonhado.

- Não bajule ele tanto. – A albina diz num tom calmo, mas ao mesmo tempo ameaçador.

- Bom, contamos com a sua ajuda novamente, Mary. – Mike estende a mão para cumprimenta-la, com um sorriso determinado no rosto. – Vamos derrotar os Ghouls.

- Igualmente. – Mary o cumprimenta, mas sem demonstrar expressão.

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Ao fundo, entre duas casas, uma pessoa observava a situação nas sombras, pelos trejeitos aparentava ser uma mulher. Ela coloca a mão em seu rosto, lambe seus lábios e dá uma risada sutil.

- Que piada boa. – Ela diz num tom sádico.

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