Viajando sozinhos, Aleph e Letícia descobriam, a cada dia, afinidades e gostos em comum. A amizade entre eles se aprofundava, e um sentimento novo, diferente de tudo que já haviam experimentado, começava a florescer no coração de Letícia.
— "Por que ele me protege com tanta dedicação, mas se recusa a ser oficialmente meu cavaleiro? Gostaria de demonstrar minha gratidão por tudo que tem feito por mim, mas qual seria a maneira correta? Ele vem de outro reino, os costumes devem ser diferentes…" — pensava ela, confusa.
Chegaram a um vilarejo singular, com uma arquitetura e vegetação distintas de tudo que Letícia já havia visto. Aproximando-se de uma pousada acolhedora, Aleph a interpelou, a voz baixa e séria:
— Não podemos chamar atenção – disse ele. – Precisamos ocultar sua identidade. Para evitar suspeitas, o melhor seria fingirmos ser um casal em viagem.
Letícia assentiu, compreendendo a necessidade da precaução. Aleph, visivelmente envergonhado, mas disfarçando o constrangimento, prosseguiu:
— O ideal, por segurança, seria dividirmos o mesmo quarto. Mas imagino que se sinta desconfortável com isso, princesa.
— Por mim não tem problema. – respondeu Letícia, mais constrangida do que deixava transparecer. – Afinal... Você é meu cavaleiro. Seria a medida ideal nessa situação.
Apesar da aparente tranquilidade, Letícia sentia o rubor subir-lhe às faces. Seria a primeira vez que dividiria um quarto com um homem.
— "Concentre-se, Letícia. Aja naturalmente." — ordenou a si mesma. — "Não posso demonstrar timidez." — repreendeu-se mentalmente, buscando refúgio nas lembranças da infância, quando dividia o quarto com Laurenn e ouvia as histórias e canções de ninar de sua mãe.
Na recepção da pousada, Aleph solicitou um quarto com duas camas de solteiro.
— Não quero perturbar o sono da minha noiva – explicou à recepcionista, que os admirava com um sorriso. – Costumo me mexer bastante durante a noite.
A recepcionista se encantou com a delicadeza de Aleph. Letícia, por sua vez, soltou um suspiro de alívio.
Ao adentrar o quarto, Letícia notou a decoração peculiar, uma mistura intrigante de elementos familiares do Reino do Inverno com toques exóticos e desconhecidos. Já pronta para dormir, notou Aleph sentado na poltrona ao lado da cama.
— Não vai dormir na cama, Sir Aleph? – perguntou, preocupada. – Deve ser desconfortável passar a noite sentado.
— Preciso me manter vigilante – respondeu ele, simplesmente.
A resposta de Aleph causou um leve desconforto em Letícia. A ideia de ser observada enquanto dormia a constrangia. Tentou manter-se acordada, mas o cansaço venceu, e ela adormeceu.
Aleph observava Letícia dormindo tranquilamente. Seus longos cabelos negros estavam soltos, espalhados pelo travesseiro, e ele imaginou como deviam ser macios ao toque.
"Gostaria de tocá-los" pensou, enquanto seu olhar deslizava para seus lábios, delicados, que pareciam pedir um beijo. "Queria senti-los."
Mas então, como se tivesse sido desperto de um sonho, ele se retraiu. "O que estou pensando? Por que tais pensamentos cruzaram minha mente?"
E, sem perceber, a exaustão tomou conta dele, e Aleph acabou adormecendo.
Letícia acordou e encontrou Aleph adormecido na poltrona. Cuidadosamente, o cobriu com uma manta. Desceu até a recepção, onde a recepcionista a cumprimentou com um sorriso.
— De onde vêm, vocês dois? – perguntou a recepcionista, curiosa.
Letícia mencionou o nome da última cidade em que estiveram.
— Faz tempo que estão viajando, então! – comentou a recepcionista.
— Apenas um dia desde a última cidade – respondeu Letícia.
— Impossível! De lá até aqui, leva pelo menos dez dias de viagem – replicou a recepcionista, incrédula.
— Devo ter me enganado quanto ao nome da cidade… – murmurou Letícia, confusa. — "Mas, eu tenho certeza de que o nome da cidade era esse… As cidades deveriam estar mais distantes umas das outras. Como chegamos tão rápido?" — pensou.
A pergunta ecoava em seus pensamentos, um mistério inquietante.
...
Enquanto isso, no reino do Inverno, Laurenn apresentava um relatório administrativo, repleto de propostas inovadoras para a próxima reunião do conselho. Inspirado pelo conselho de Aleph, decidira se envolver mais ativamente na política do reino. Hayden, porém, mal olhou para o documento. Com um gesto brusco, bateu na pilha de papéis.
— Mais relatórios inúteis?! — explodiu, furioso. — Você é um incompetente! Nem para isso serve!
Arremessou os papéis na direção de Laurenn, as folhas se espalhando pelo chão. Laurenn, humilhado, baixou a cabeça. Havia se dedicado tanto àquele projeto… Hayden se levantou e, com desprezo, pisou nos papéis espalhados.
— Saia da minha frente! — ordenou, com a voz gélida. — Antes que sua estupidez seja contagiosa!
Laurenn se retirou, a frustração e a tristeza o consumindo. Era a terceira vez que seu trabalho era rejeitado. Ansiava por colocar em prática os conhecimentos adquiridos com o Mestre Yoshi, mas Hayden o impedia a todo custo. Sua reputação de príncipe inútil, cultivada cuidadosamente pelo próprio rei, o isolava politicamente, deixando-o sem aliados e sem voz. Hayden, agarrado ao poder, sabia que um Laurenn confiante e competente representava uma ameaça ao seu reinado. Por isso, o mantinha sob seu jugo, esmagando sua autoestima e destruindo suas esperanças. A cada humilhação, Laurenn se tornava mais fraco, mais inseguro, mais distante do líder que poderia ser.