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Capítulo 2 - Desperdício

O vasto campo de milhos se estendia até onde os olhos podiam enxergar, seus pés balançavam suavemente sob a sombra das nuvens que percorriam o céu claro. No meio daquele matagal, havia um grupo de crianças que se reuniam, suas expressões eram uma mistura de diversão e conspiração. Algo suspeito estava sendo arquitetado ali.

Alguns se escoravam aos milhos e até pescavam uns e dirigiam á boca, já outros franziam as sobrancelhas, pensando em algo de forma bem séria. Foi nesse momento que Gabriel apareceu. Seus cabelos e olhos amarronzados brilhavam sob a luz do sol, que ardia intensamente sobre o campo. Ele não parecia nem um pouco feliz por estar ali. Não só o calor sufocante que o incomodava, mas também pelo fato de estar cercado pelo alimento que ele mais detestava: milho.

— Então, o que vocês acham do meu plano? — indagou a criança mais alta que aparentava também ser o mais velho.

Estava logo ao meio e atentava seus olhos para todos procurando respostas. No entanto, alguns pareciam mais quererem comer os milhos do que qualquer coisa. Porém, depois de alguns segundos de silêncio, outros vieram expressar suas opiniões sobre. Mas diferente da pergunta, algo chamou a atenção de Gabriel, foi a presença de uma pequena garota escorada aos milhos, por algum motivo seu rosto parecia está prestes a chorar. Mediante a isso, ele perguntou:

— Ei, quem é ela? E porque parece que... — antes que pudesse terminar sua frase, outro garoto pulava por cima e o interrompia.

— Bora logo é maneiro o suficiente para a trupe brazuka. Vam bora! — Pulando em frenesi, ele gritava para todos com sua presença forte.

O menino tinha um chamativo cabelo vermelho, mas com olhos esmeraldas ainda mais charmosos. Por um bom motivo, Gabriel já odiava ele desde que o conheceu.

— Me perdoem, mas isso é trabalho demais para mim. Não sei se vou poder ajudar muito... — respondia a garota, com seus volumosos cabelos alaranjados.

Ela tampava o rosto com as palmas das mãos, deixando as lágrimas escorrerem por elas.

— Não se preocupe, nós faremos tudo por nossa conta. Você só precisa trazer os materiais, pode ser? Assim você ajuda a gente de alguma forma! — retrucava o garoto mais alto, dando um joinha e um sorriso acolhedor. Tentava deixar a garota mais à vontade com a situação, mesmo que ela não pudesse fazer muito.

Ela concordava, balançando a cabeça. Seu sorriso alegre fazia todos se sentirem felizes.

No dia seguinte, eles trabalharam duro para garantir o sucesso do que haviam planejado. Não demorou muito; talvez porque não tivessem muita ideia do que estavam fazendo. Mas, no fim, conseguiram. E então, em meio ao mar, longe da costa, navegava uma pequena jangada feita às pressas. Talvez não, na verdade, aquela embarcação foi feita com todo o amor; mesmo que parecesse algo destinado a naufragar. Algumas caretas joviais sorriam por cima daquele veleiro, estendendo os cantos da boca para que seus dentes sentissem a brisa.

— Nada pode impedir nosso barco, o nosso Tom! — gritou uma das crianças aos céus. Ele havia errado seu palavreado por descuidado, mas foi o bastante para criar um nome peculiar.

— Esse vai ser o nome dele? Típico de uma criança — comentou Gabriel, de forma desanimada, sendo interrompido por uma voz doce.

— Eu gostei desse nome, é perfeito para ele! — afirmava a garota, declarando assim o nome do navio deles.

Estavam muito orgulhosos de sua criação. Eles acreditavam que poderiam conquistar o oceano com aquela embarcação, mas o destino não os acompanhou no mar. Uma onda grande o suficiente para molhar os dedos dos pés foi o suficiente para partir o barco ao meio.

— Mas que droga! Onde erramos? — gritou uma das crianças naufragadas.

Todos estavam na costa do mar, sentados, deixando o mar refrescar suas pernas.

— Não seja assim, Fê. Nosso navio estava meio... estranho quando o levamos ao mar — disse o garoto ao lado, novamente Gabriel, com um semblante triste e decepcionado.

— Estranho? Gabriel... Aquilo era nosso precioso navio. Por que deixamos ele ter esse fim? — disse uma garota mais ao lado, com o rosto enterrado em suas pernas, chorando.

— Não chore, Beth. Vamos fazer um barco muito melhor na próxima! O que acham, amigos? Acham que podemos fazer um melhor? Eu não tenho dúvidas. — Como o mais velho, ele falava com maturidade, tentando manter a moral do grupo.

— Para de ser assim, "Alfred". Você só nos dá sonhos que nunca são realizados! — respondeu Fê, com raiva, surgindo uma rixa entre os dois.

— Por favor, derramamento de sangue é desnecessário — implicou Gabriel, ainda muito abatido.

— Sonhos? Mas não são apenas sonhos. Nós os tornamos realidade, não é? Mesmo que por pouco, pudermos sentir o sonho — respondeu Alfred, com uma expressão preocupada no rosto.

— Eu não quero sentir, eu quero viver o sonho — revidou Fê, pegando Alfred pelo colarinho.

— Parem! Acabamos de perder o Tom... Por favor, parem — exclamou Isa para Fê, com a voz rouca de tanto chorar.

Todos ficaram em silêncio quando Beth levantou a voz. Fê deixou seu ressentimento escapar com um suspiro, enquanto colocava as mãos nos bolsos e dizia:

— Tá, eu estava querendo nadar mesmo. Então estou nem aí. — Disse Fê, deixando todos na costa e indo em direção à floresta.

— Desperdício de força. Deveríamos parar logo de — dizia Gabriel, mas foi interrompido por Fê.

— O que foi? Não vão vir? Temos uma nova aventura a seguir! — continuou Fê, apontando para o alto.

Todos olharam para ele surpresos. O garoto já havia esquecido sua rixa muito rapidamente e colocou todos em "check" com sua proposta.

— Nós somos o bando mais desequilibrado de todos, mas isso não tira a diversão que temos diariamente — disse Alfred, olhando para o céu azul com um sorriso estampado.

— É... Eu acho que... — enquanto Gabriel começava a falar, uma voz doce o interrompeu.

— Mas acho incrível que um grupo como esse ainda possa continuar unido. Queria que isso durasse para sempre! — afirmava Beth, com um sorriso contagiante.

Seus cabelos alaranjados balançavam com o vento.

— Vocês são muito lentos... Vão deixar o... esperando — disse Fê.

— Ele?! — Todos falaram juntos, encarando Gabriel que estava mais atrás.

— O-O que foi, pessoal? Eu estou com um ranho no nariz? — indagou Gabriel, notando os olhares fixos sobre nele.

Gabriel começou a suar frio, sua expressão transpirava agonia. Ser julgado por aqueles o deixava mentalmente agitado. Ele não conseguia deixar a ideia de fugir escapar da sua mente. Precisava fazer algo, mas o que fazer? Por que estavam encarando-o? Quando tudo ficou escuro, uma luz ainda o iluminava, e o chão branco e translúcido refletia como uma miragem infinita de Gabriel. Agora ele percebeu que estava naquele pesadelo mais uma vez. O chão translúcido agitava-se como água fervida, emergindo em tons avermelhados, consumindo todo o ambiente, incluindo o garoto. O que ele poderia fazer? Suspirou e esperou que o sonho tivesse seu fim. Seus olhos se abriram ainda muito sonolentos. O agitado ônibus não deveria deixar ninguém dormir. Mas Gabriel estava com muito sono, como de costume. Bem, não era só ele; sua mãe ainda adormecia ao seu lado. Com certeza, era de família.

— Será que estamos chegando? — indagou Gabriel, com uma voz franca e sem muita sonoridade.

Logo atrás do seu banco no ônibus, um homem desconhecido surpreendeu Gabriel. Ele tinha a pele marrom-clara, barba por fazer e olhos castanhos escuros finos. Seu cabelo castanho-escuro estava estilizado em "locs" que se destacavam como grandes pontas e pareciam dobrados para trás.

— Olha, se você quiser descobrir para onde está indo, é só falar comigo que eu te faço uma... — dizia o homem com muita energia, como se estivesse agarrando uma oportunidade.

Batia contra o peito, imitando o som de um tambor por todo o ônibus.

— Previsão! — exclamou o homem estranho.

Todos no vagão não conseguiam desviar os olhares do homem inusitado, e Gabriel, embora não tivesse relação com ele, também estava curioso. Isso deixava o garoto muito ansioso.

— Aí meu Deus... Por que logo comigo? — pensava Gabriel para si mesmo.

— Olha só, pessoal, se todos quiserem uma previsão do futuro, vão precisar esperar a sua vez, e também, com um toque especial para a previsão ser 100% precisa! — exclamou o homem da previsão, ostentando sua mestria em previsões.

Os olhares de todos se tornaram depreciativos, e poucos conseguiam encará-lo novamente.

— Vejo que muitos não gostam de pagar para ver a sua previsão. Mas sabem, uma previsão é muito difícil de ser feita; é preciso o lugar certo e a hora certa. Não é à toa que este garoto aqui vai ganhar uma previsão, porque se ele não receber agora, nunca mais a terá em vida — disse o homem, encarando Gabriel com olhos profundos e cheios de desejos distorcidos.

— Ah... Mas eu não quero, cara. Só me deixa em paz — retrucou Gabriel, não querendo mais atenção do que já tinha.

— É isso que deseja? É realmente o que quer? Há certeza nesse seu desejo? Não quero assustá-lo, mas, em breve, não haverá mais descanso, nem mãos amigas. Apenas um fundo poço de traumas e aflições. Mas, enfim, te desejo sorte na sua caminhada, parceiro! — com um semblante quase como se estivesse olhando para outro lugar, dizia o homem sobre um futuro não promissor para Gabriel. E, no fim, deu de ombros e se dirigiu para a saída do ônibus.

Nos segundos finais antes que o homem desaparecesse de vez, um estalo rugiu na mente de Gabriel. Embora não acreditasse no sobrenatural, a curiosidade e a imaginação estavam assustando-o.

De frente a porta do ônibus ele estava. Encarando o homem da previsão, com uma cara raivosa e cansada.

— Espere aí agora mesmo... Eu quero... Saber... — Gabriel tentava falar sem fôlego. Nunca havia corrido tanto desde a infância, e correr 5 metros foi um esforço para ele.

O homem misterioso, já estava para fora do ônibus, mas ainda olhou para trás e deu um pequeno susto, mas logo transpirou aliviado.

— Agora você quer saber? Vejo que a minha previsão então realmente estava certa. Então venha comigo, e te mostrarei o que encontrará naquela cidade velha — revelou o homem, encarando Gabriel de forma séria. — Aliás, meu nome é Bruno, não que seja importante, meu papel é único aqui, mas não quero que minha presença seja tão leviana. — Continuou a dizer, parecia ele ser uma presença mais especial do que aparentava. Encarava o seus olhos como se estivesse vendo algo a mais.

— Mas...Não posso simplesmente acompanhá-lo! Meus pais estão aqui e nem sei quem é você, eh... Seu Bruno — relatou Gabriel, demonstrando uma desconfiança com o homem.

— Hum...Mesmo com seu destino dizendo com todas as forças para onde você deve ir, ainda assim insisti que trivialidades vão o impedir, há, talvez não fosse pra ser então? — Declarou Bruno. Seu rosto estava sério, colocava suas mãos nos bolsos esperando uma resposta.

Gabriel ficava relutante, por ter decidido ouvir o que este homem estava a declarar, se via obrigado a ir. Mas ainda assim, havia um perigo pregnado no ar, Bruno não parecia ser um cara tão legal quanto aparente; seu olhar de agora deixava claro isso.

Ainda assim, ele sentia aquele estralo novamente, um chamado, ele deve seguir esse homem. Um destino, ele estava destinado a seguir esse homem, isso ele achava.

— Certo, mas seja breve, não quero que meus pais acordem e fiquem preocupados comigo — citou Gabriel, ele estava muito preocupado de como seus pais achariam dele saindo com um desconhecido.

Neste momento ele se lembrou de todos que estavam no vagão e, raciocinou que isso nem deveria importar, por meio dos passageiros eles iriam saber de um jeito ou de outro. Sua cara ficava um tanto preocupado e triste.

— Eles todos viram, não tem como... — resmungava a si mesmo.

— Ah cara, nem se preocupa, ninguém nem vai saber que saímos, me segue aí, e deixa de cara feia. Eu não vou arrastar ninguém! — falou Bruno, evidenciando algo impossível. Como ninguém saberia de algo que aconteceu em frente a eles. Algo ele estava escondendo.

— AH! Me espera! — gritou Gabriel.

Acompanhando, eles saem do ônibus e apareciam no posto de gasolina; onde o motorista e os passageiros estavam descansando por enquanto. Então restava algum tempo para ir a qualquer lugar, contanto que fosse perto.