Heaven esperava pelo marido e pelo filho voltarem para casa naquele dia. Ela se certificou de que os pratos que havia preparado estivessem quentes quando chegassem. Passou o tempo caminhando pela casa. Enquanto fazia isso, podia ouvir como os empregados sussurravam e murmuravam. Ela não se surpreendeu com as reações deles, Heaven nunca tivera interesse em explorar a casa.
Era inacreditável.
Como alguém poderia viver num lugar sem conhecer todos os seus cantos?
Por outro lado, ela estava falando da Heaven original. A mulher cuja vida parou quando engravidou.
A mansão era enorme, mas não tão grande como a que ela tivera antes. Como a mulher dentro deste corpo tinha uma organização, havia mais do que empregados morando em seu lugar. Havia guardas — incontáveis guardas, para que ela pudesse dormir tranquilamente todas as noites. Essa era a razão para a mansão incrivelmente enorme — ou melhor, o palácio que ela tinha.
Este lugar era cem vezes melhor em outros aspectos além do tamanho, entretanto.
Depois de explorar a casa, Heaven esperou por eles no saguão para matar algum tempo. Ela ficou entediada depois de duas horas e foi para a sala de entretenimento. Heaven assistiu a todos os filmes que pôde, desfrutando das horas preguiçosas sem fazer nada e sem se preocupar com nada.
O tempo passou rapidamente e, sem perceber, já era noite.
"Eles ainda não chegaram?" ela perguntou com uma voz sonolenta. Heaven bocejou enquanto checava o relógio de pulso. "Já passou das oito. Onde foi que esses dois foram?"
Heaven bocejou novamente, aconchegando-se na sala de entretenimento enquanto escolhia qual filme assistir em seguida. "Miriam disse que vai me avisar quando chegarem em casa. Não me lembro de ter tido tanta paz — este é um bom filme?"
Para Heaven era fácil desviar a atenção para o próximo filme, porque essa experiência era nova para ela. Não que ela nunca tivesse visto um filme antes; ela costumava assistir alguns enquanto crescia. Mas então, parou de vez com aqueles hobbies triviais quando sua mãe faleceu. Agora, tendo recebido uma nova vida, ela aproveitava seu tempo enquanto esperava pelo marido e pelo filho voltarem para casa.
O tempo voava enquanto Heaven se encontrava rindo ou gritando, reagindo a qualquer que fosse a reação esperada de uma cena pelo seu público. Ela nunca tinha conseguido aproveitar tais coisas simples enquanto estava à frente da organização. Logo depois, Heaven sentiu os olhos pesados até que uma lágrima surgiu nos cantos deles.
Devagar, Heaven adormeceu num sono profundo, onde sonhou com uma memória. Uma memória de seu passado distante que ela havia deixado para trás muito tempo atrás.
*
*
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"Bear," chamou Hera suavemente.
"Sim, Chefe?"
"Por que você voltou?" A voz de Hera estava fraca, seu rosto pálido, a cor vibrante de antes desaparecida. Sentado ao lado da cama onde ela estava deitada estava seu ajudante mais leal, Bear. "Você não deveria estar em lua de mel?" Ela perguntou com um pequeno sorriso no rosto.
Bear nunca havia mudado, ainda usava a expressão séria a que ela estava acostumada a ver e disse, "Eu ouvi que você teve uma parada cardíaca outro dia." Seu rosto pode continuar o mesmo, mas havia um profundo vestígio de preocupação por ela.
"Você não deveria estar em lua de mel?" ela repetiu enquanto o homem franzia a testa. "Eu tive um infarto, mas estou viva, você vê?"
"Chefe, minha esposa entende que tenho deveres a cumprir. Concordamos em passar nossa lua de mel quando tivermos mais tempo livre."
"Mais tempo livre… como quando eu morrer?"
Bear abaixou os olhos, mas não disse nada.
"Bear." Hera piscou várias vezes e deu uma risada fraca. "Até quando você vai me colocar na frente de si mesmo?" ela suspirou cansada e continuou, "Você sabe que, não importa o que façamos, mesmo com a pesquisa avançada financiada por essa organização, nada mudará. Ainda morrerei quando chegar minha hora."
"Eu sei disso." Bear olhou para baixo, apertando o punho no colo.
"Você casou com o amor da sua vida. Trate-a da maneira que ela merece ser tratada." Hera desviou o olhar dele e olhou pela janela do outro lado de sua cama. "Não se preocupe comigo. Prefiro dar meu último suspiro sozinha, já que não tenho últimas palavras para dizer. Minha última missão está quase completa e esta organização em breve será dissolvida."
"Estou em paz agora," ela adicionou com uma voz calma e fraca. "Embora eu possa levar uma boa repreensão do meu avô que fundou esta organização, o que mais ele pode fazer? Ambos estaremos mortos. Não tenho ressentimentos e já aceitei esse destino."
"Chefe, não diga coisas assim —"
"Você sabe que eu não sou de me entregar à negação das coisas. Mesmo sem esta doença, eu acabaria morrendo eventualmente. Aconteceu de ser um pouco cedo demais. O que quero dizer é, não vou deixar este mundo sem segurança para aquelas poucas pessoas pelas quais me preocupei." As olheiras dela estavam escuras, mas seus olhos irradiavam apenas paz. "Desta vez, viva esta vida corretamente, Bear. Estou feliz por ter te conhecido, mas, se pudesse, preferiria conhecê-lo numa situação diferente. Afinal, você é bondoso. É só que a vida não foi boa e você está num mundo a que não pertence."
"Chefe." Uma fina camada de lágrimas cobriu seus olhos enquanto ele ouvia a declaração de despedida dela.
"Você nunca gostou, eu sei. Nem todo mundo gostava da vida que tínhamos — e eu também não negarei isso," disse Hera sinceramente. Ela não iria parar de expressar os sentimentos que manteve para si por tantos anos. "Se eu tivesse escolha, não teria vivido a vida que vivi. Talvez não mude minha vida até o fim, mas pelo menos você e o resto podem."
As lágrimas que se formavam em seus olhos finalmente caíram. Ele tentou segurá-las, mas uma gota escapou e caiu em seu punho cerrado. Ele estava prestes a dizer para parar à sua chefe, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Ele nunca tinha visto sua chefe com um rosto tão tranquilo.
Sua chefe, que normalmente exibia um olhar perigoso e astuto, agora mostrava uma face sincera e pacífica. Bear tinha se acostumado a vê-la confiante e fria, como se tivesse tudo sob controle. Agora, porém, ele via um lado diferente dela. Embora ela parecesse confiante, como se tivesse tudo sob controle, esta foi a primeira vez que ela parecia estar em paz.
Hera já havia aceitado sua morte.
Essa realização partiu o coração do homem em dois. Ele cerrava os dentes, tentando se expressar. Com uma voz cheia de tristeza, disse, "Não quero ver outro chefe meu partir deste mundo." Lágrimas transbordavam de seus olhos, mas seu rosto permanecia sério. "No entanto, se são esses os seus verdadeiros desejos, então farei o meu melhor para realizá-los."
Quando Bear levantou a cabeça, uma determinação brilhou nos seus olhos. "Chefe, farei desta organização uma lenda do passado. Até então… até concluir essa última tarefa, adiarei minha lua de mel."
Hera olhou para ele e riu. Se Bear não podia mudar a opinião dela, ela tinha certeza de que também não mudaria a dele.
*****
[ TEMPO PRESENTE ]
"Bear…" Heaven sussurrou suavemente antes de todos os seus sentidos formigarem ao perceber algo invadindo seu espaço pessoal.
De olhos fechados, Heaven capturou rapidamente o braço da pessoa, antes que suas pálpebras se agitassem abertas. Mas assim que seus olhos se abriram, ela viu um par de olhos castanho-escuros olhando de volta para ela.
'Mar…ido?'