Sentou-se na carteira da frente sentindo-se animada com o primeiro dia de aula, mas não porque gostava da escola e sim por finalmente estar no último ano. Já não aguentava mais aquela vida de estudante de ensino médio.
— Só mais um ano… — pensou antes de sentir seu celular vibrar dentro da mochila.
"Boa sorte aí no inferno :p", uma mensagem de Eduardo, seu namorado. Ele provavelmente só apareceria na escola na semana que vem, como fazia todos os anos e ela também se não tivesse decidido ser uma aluna um pouco melhor naquele último ano. Seu cabelo loiro-escuro estava preso num rabo de cavalo alto e usava uma maquiagem básica.
— Olha só quem apareceu no primeiro dia — disse Larissa entrando na sala e sentando-se logo atrás dela. — Você não costumava vir pra escola só depois do carnaval? — perguntou zoando.
— Se eu pudesse escolher não viria pra escola nunca mais — respondeu virando-se para ela.
— Você já viu o novo professor de física? ��� perguntou, aproximando-se dela. Era mais baixa e mais gorda que Isadora e seu cabelo ondulado era tingido de rosa.
— Novo professor de física? — perguntou sem entender. — O que aconteceu com a professora Paula?
— Ela se demitiu — deu de ombros. — Chegou no dono da escola e falou que queria um aumento, fez o maior barraco — sussurrou. — Como é que você não ficou sabendo disso?
— E como é que eu ia ficar sabendo disso, Larissa?
— Enfim... O negócio é que parece que ele é novinho — disse com um sorriso malicioso fazendo-a balançar a cabeça em negativa.
— Novinho quanto? — perguntou.
— Menos de 30 — disse piscando pra ela.
— Isso não é novo.
— Claro que é!
— Não se você comparar com a nossa idade — rebateu.
— Mas é porque a gente que é nova demais — respondeu. — E se eu não me engano a primeira aula vai ser dele — disse voltando com seu sorriso malicioso logo depois de escutar o sino tocar.
Passaram-se uns 10 minutos até ele entrar, era alto, tinha um cabelo castanho-claro, cacheado e num corte médio. Seus olhos eram azuis e estavam atrás de um óculos quadrado com uma armação fina apenas na parte de cima. Usava uma camisa preta, slim fit e uma calça jeans, carregando apenas um livro de Física e um estojo preto.
— Meu Deus, o cara é um gato — sussurrou Larissa no ouvido de Isadora.
— Bom dia, meu nome é Henrique Andrade e eu vou ser o novo professor de física de vocês — disse enquanto colocava o livro e o estojo em cima de sua mesa.
— Muito gato — sussurrou Larissa novamente.
— Você quer parar? — sussurrou Isadora de volta, mas no fundo não podia discordar dela.
— Eu não sei como a antiga professora trabalhava, então já vou deixar claro o modo como trabalho — disse rapidamente enquanto pegava um pincel de dentro de seu estojo. — Eu escrevo bastante no quadro, mas vocês não são obrigados a copiar, porém eu aconselho que copiem — estava com o pincel na mão, mudando o olhar de um aluno para o outro. — E que não só copiem como também aprendam, porque senão aprenderem eu irei saber e eu não passo aluno que não sabe de nada — fez uma pausa encarando as feições assustadas que se formaram e prosseguiu. — Eu uso o livro de vocês apenas para passar exercícios que serão corrigidos, mas não valerão nota e nem visto, então, novamente, vocês não são obrigados a fazer os exercícios, mas eu aconselho que os façam — pausa novamente. — Vocês serão avaliados por meio de provas tanto orais quanto escritas, trabalhos em grupos ou individuais, debates, testes surpresa e mais o que eu achar relevante... Alguém tem alguma dúvida? — ninguém respondeu. — Então, nós vamos começar com uma introdução à eletricidade.
— É sério que ele já vai entrar no conteúdo no primeiro dia? — sussurrou Isadora desanimada. — Ele já não parece tão bonito assim.
— Fale por você — sussurrou de volta.
— A eletricidade se comporta de maneira constante e previsível em muitas situações — falava enquanto começava a escrever no quadro branco. — Cientistas como Faraday, Ohm, Lenz e Kirchhof observaram e descreveram as características previsíveis da eletricidade e estabeleceram regras — virou-se para classe. — Você aí no fundo — chamou.
— Eu? — perguntou Lucas, tímido.
— Sim, fora da minha sala — disse calmamente virando-se de volta para o quadro. — Eu não falei antes, pois achei que era óbvio demais, já que está no regulamento da escola, mas pelo visto... É proibido o uso de celular durante as minhas aulas a não ser que eu autorize — virou o rosto para observar Lucas saindo apressado da sala.
* * * * * *
Estava deitada em sua cama há mais de uma hora, não havia nem tirado o uniforme, estava exausta. Depois de expulsar Lucas, seu professor expulsou mais três alunos, encheu o quadro duas vezes e passou um trabalho em dupla para ser entregue e apresentado na próxima aula.
— Ele é doente... — pensou sentindo seu celular vibrar e pegando-o em seguida.
Era uma mensagem de Larissa avisando que estava na porta de sua casa.
— Já? — olhou para as horas no celular e viu que já eram 2h da tarde, então levantou-se e foi abrir o portão pra ela.
— Eu fui ao shopping, voltei pra casa, almocei, tomei banho, vim pra cá e você ainda está de uniforme? — perguntou Larissa em tom de crítica enquanto subiam as escadas em direção ao quarto de Isadora.
— Dá um tempo, eu tô cansada — respondeu desanimada. — Aquele professor maluco faltou matar a gente com tanto conteúdo, eu cheguei aqui com a cabeça doendo.
— Você reclama demais, Isa — disse rindo.
— Vai dizer que ele não é maluco? — perguntou entrando no quarto. — O cara passa um trabalho no primeiro dia de aula!
— Ah, e falando nisso... — pegou o celular que estava no bolso detrás de sua calça jeans. — Eu achei o perfil dele no Facebook!
— Tem as respostas deste trabalho gigantesco que ele passou lá? — perguntou, sentando-se na cama.
— Não, mas tem umas fotos dele sem camisa — sentou-se ao seu lado mostrando as fotos pra ela.
— Ok, ok, o cara é gostoso, mas e daí? — encarou Larissa. — Ele ainda continua sendo um filho da puta como professor, aposto que deve ser corno e fica descontando na gente...
— No Facebook fala que ele é solteiro e que é formado em astronomia — respondeu olhando para a tela do celular.
— Astronomia? Essa é nova...
— E ele tá fazendo até doutorado, o cara é bonito e inteligente, meu Deus do céu, hein! — começou a se abanar fazendo Isadora revirar os olhos.
— Dá pra se controlar?
— E eu consegui o número dele também — disse maliciosa.
— Você é o que? O Sherlock Holmes contemporâneo? Como é que você conseguiu isso? — disse surpresa.
— Você esqueceu que meu pai é professor de lá também? — ainda olhava o perfil dele no celular.
�� Você pediu o número pra ele? — arregalou os olhos sem acreditar.
— Não, idiota — encarou-a impaciente. — Você não sabe que os professores da escola têm um grupo no WhatsApp?
— E como é que ia saber disso? — rebateu irritada.
— Aonde você acha que eles se juntam pra falar mal da gente?
— Tá bom, mas e aí? O que você pretende fazer com o número dele? Mandar trote de madrugada?
— Melhor que isso — colocou o celular na cama. — E se a gente criasse uma conta fake?
— Como assim uma conta fake?
— No WhatsApp! — respondeu como se aquilo não fosse nada demais. — A gente finge ser uma mulher mais ou menos da idade dele, começa a puxar papo...
— Você ficou maluca? — levantou-se. — E se ele descobrir? Não dá pra ter duas contas de WhatsApp no mesmo celular, você pretende fazer o que? Mudar a sua foto de perfil para a de uma mulher mais velha?
— Claro que dá pra ter duas contas de WhatsApp no mesmo celular! — respondeu levantando-se também. — É só baixar um aplicativo que faz isso... Mas o celular tem que ter dois chips — encarou-a com um sorriso.
— Ah não, nem vem me meter nas suas roubadas — respondeu fazendo que não com a cabeça.
— Qual é, Isa! — insistiu.
— Você só tá querendo fazer isso pra ver se consegue algum nudes dele, sua tarada! — cruzou os braços encostando-se na sua mesa de estudo e ela riu.
— Vão ser só por alguns dias, só pra gente zoar um pouco — sorriu.
— Você tem certeza de que é seguro? — perguntou irritada por perceber que já estava indo na onda dela.
— Você só precisa baixar um aplicativo que vai usar o seu outro número para criar uma outra conta no WhatsApp sem interferir na conta que já existe, é fácil! — disse animada já sabendo que a tinha convencido.
* * * * * *
O quarto de Isadora tinha paredes em tons claros, uma cama box de casal com um jogo de cama floral, piso de madeira e haviam duas portas: uma que dava para o closet e a outra para seu banheiro pessoal. Uma mesa branca em formato L ocupava duas paredes do quarto, sendo a parte menor da mesa destinada às suas maquiagens, com um espelho retangular embutido na parede em frente e a parte maior destinada aos seus estudos, com um notebook em cima e vários papéis e canetas espalhadas ao lado do trabalho de física que havia demorado mais de 4 horas para ser feito.
— Anda logo, Isadora, meu pai vai chegar e você não vai ter mandado a mensagem ainda — disse Larissa irritada, sentada na cama ao lado dela.
Criar a conta fake se mostrou a parte mais fácil, o que veio depois nem tanto assim. Demoraram mais de 1h para escolher um nome e uma foto. No final concordaram em nomeá-la Ana Júlia, escolheram uma foto de uma mulher que aparentava ter uns 25 anos, com um cabelo escuro, comprido e ondulado.
— Calma, Larissa! — respondeu nervosa. — A gente tem que pensar bem no que vai digitar.
— Caralho, mas a gente já não decidiu? — perguntou impaciente. — Você manda uma mensagem como se tivesse sido engano, aí depois que ele responder você vai puxando papo.
— E se ele não quiser conversar?
— Olha pra foto do perfil, Isa — disse apontando para o celular. — Não tem como ele não querer conversar com uma mulher dessas.
— Nem todo cara é escravoceta, Larissa — respondeu. — Não sei não... Acho que... Pega lá o nosso trabalho de física! — pediu para Larissa que ficou a encarando sem entender por algum tempo até ir pegar.
— Pra que você quer isso? — perguntou depois que a entregou o trabalho.
— Se a gente quer que o Henrique converse com ela, então nós precisamos de um assunto do interesse dele — disse enquanto folheava o trabalho. — Você viu o jeito que ele explica o conteúdo, ele não usa livro, nem nada, tira tudo da cabeça. Pra alguém chegar naquele nível tem que gostar muito do que faz.
— Ok, então qual é o seu plano? Mandar uma mensagem sobre as Leis de Ohm pra ele? — perguntou.
— Quase isso... — respondeu com um meio sorriso. — Oi, Vinicius, você me perguntou sobre o físico Georg Simon Ohm, bem... — ditou para si mesma enquanto digitava no celular.
— Quem é Vinicius? — perguntou, aproximando-se de Isadora para poder ler o que ela estava digitando.
— O cara para quem Ana Júlia queria mandar a mensagem — disse já terminando de digitar. — E então o que você acha?
— Não é meio arriscado falar com ele sobre o tema do nosso trabalho? — perguntou enquanto lia a mensagem.
— Eu passei a tarde inteira estudando essas malditas Leis de Ohm, essa é a única coisa que eu sei sobre física no momento.
— Ok... então é isso — disse enviando a mensagem e logo depois bloqueando o celular e colocando em cima da cama. — A gente não vai entrar no WhatsApp até ele responder, a Ana Júlia não pode parecer desesperada.
— Ok — concordou. E ficaram as duas em silêncio, sentadas na cama com os olhos fixos no celular, até escutarem um som de notificação.
— É o meu — disse Larissa tirando o celular do bolso. — Droga, meu pai chegou.