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Capítulo 0: Prólogo

Em um quarto escuro, iluminado somente por uma pequena fresta de luz vinda da velha janela voltada para a rua, estou olhando o meu corpo nu refletido no espelho. Um corpo esquelético com 1,68 metros de altura, cabelos pretos lisos e olhos da mesma cor, sem o brilho da vida ou esperança, acompanhados por profundas olheiras, uma pele cheia de hematomas e cicatrizes que acumulei ao longo dos anos de ensino fundamental e médio.

— Pelo menos desta vez não acertaram o meu rosto — falei de maneira apática, posicionando os meus dedos sobre as minhas bochechas pálidas e magras.

Meu nome é Jonnathan Gray, um jovem adolescente que está cursando o 3º ano do ensino médio e um órfão que mora com os seus avós.

— Gray, desça! Já é hora do seu café da manhã! — gritou uma voz vinda do andar de baixo da casa.

— Já vou, vovó! — exclamei em alta voz.

Moro com os meus avós desde que tinha 8 anos, quando os meus pais morreram em um acidente de trânsito e eu fiquei órfão.

Realmente gosto de viver com eles, mas eles já são idosos e por isso o fardo de criar um adolescente pode ser demais para os seus velhos corpos. Tento não causar problemas ou estresse a eles.

— Hum… Acho que desta vez a maquiagem não vai servir para esconder os hematomas — falei, encarando os meus braços inchados com marcas de dedos e cicatrizes.

''Tudo bem… é só mais um dia sorrindo.''

Colocando as minhas calças e vestindo um suéter com o brasão da minha escola, abro a porta do meu quarto escuro e desço as escadas, seguindo em direção à cozinha, onde lá encontro um casal de idosos sentados à mesa tomando café e comendo torradas, os meus avós.

— Bom dia, querido! — falou a minha avó, removendo o seu avental e vindo me abraçar.

— Bom dia, vovó — respondi a ela, com um sorriso caloroso no rosto e abraçando de volta.

— Bom dia, Gray — falou o meu avô com uma voz grossa e rígida, enquanto tomava um gole de café e virava a página do jornal.

—Bom dia, vô — eu respondi.

Moro com eles há 8 anos e graças ao apoio deles consigo acordar todos os dias e continuar sorrindo, sendo com sinceridade ou não, para a vida.

O meu sonho é um dia devolver tudo que recebi deles, mas para isso acontecer preciso continuar indo à escola.

— Por que está de suéter? É verão — questionou o meu avô, ainda encarando o jornal.

— …Acordei sentindo frio hoje — respondi levemente hesitante.

— Hum… De novo?.

Sei que pode parecer imaturo da minha parte esconder os meus machucados, contudo é muito difícil falar para os seus responsáveis que você está sofrendo bullying na escola, mais ainda quando eles são idosos na casa dos 80 anos com sérios problemas cardíacos.

— Pare com isso, querido. Você sabe que ele sofre de síndrome de Raynaud — falou a minha avó, irritada com o meu avô.

Por ficar muito tempo dentro do meu quarto e sempre usar roupas que escondem a maior parte do meu corpo, acabei ficando com uma aparência pálida, quase a de um doente, e fama de sentir frio com facilidade.

Minha avó vendo isso pensou que eu tinha uma doença chamada Raynaud, que é caracterizada por causar frio e palidez nas suas vítimas, mas ela está muito longe da verdade.

— Deixe disso, velhota. Está claro que ele tem essa pele pálida porque é muito caseiro e fica a maior parte do tempo no quarto, além do fato que ele usa essas roupas largas para esconder alguma coisa em seu corpo; talvez uma tatuagem ou quem sabe uma cicatriz — exclamou o meu avô, convencido da sua própria verdade enquanto lia o seu jornal.

''Acertou na mosca; como esperado de um ex-policial'' pensei, extremamente impressionado.

— Besteira; deixe de ser paranoico. Você acha mesmo que o Grayzinho mentiria para mim ?! — respondeu minha avó, inconformada com o comentário.

— Hunf… É exatamente por causa dessa sua atitude fraca e melosa que ele não tem coragem de se abrir com a gente — disse o meu avô, dobrando o jornal e o colocando de lado, finalmente encarando minha avó nos olhos.

— Haa… Que velho cansativo; até quando você vai continuar tratando as pessoas como se elas fossem traficantes de armas em um interrogatório !?.

— Depende; até quando você vai deixar de ser feita de besta por nosso neto ?.

''Eles começaram a discutir de novo.''

Todas as manhãs são iguais, escondo as cicatrizes, desço as escadas e eles começam uma discussão sobre qual é a melhor maneira de me educar, mas por alguma razão eu gosto disso, mostra como eles se importam e se preocupam comigo ao mesmo tempo que confiam em minhas palavras.

— Por favor, podem parar com essa discussão tão cedo pela manhã, fica difícil para mim tomar café desse jeito — interrompi a discussão, antes que ela se tornasse algo maior.

— Desculpe, querido. Depois de tomar o seu café pode ir para a escola e vê se chega cedo hoje e deixa aquele seu clube de astronomia de lado por hoje, tá! — falou a minha avó, dando um beijo na minha testa, vestindo o seu avental e saindo da cozinha.

— Vou tentar, vovó — exclamei, antes de morder a minha torrada.

Depois da minha avó sair da cozinha o meu avô ficou me encarando com um olhar mortal por alguns minutos em silêncio, pegou um charuto no bolso do seu paletó e se levantou da cadeira, dizendo:

— Não ligue muito para a atitude dela, não somos tão fracos quanto parecemos. Se alguma coisa estiver acontecendo na escola, pode me avisar, eu garanto que faço esses moleques catarrentos cagarem nas calças só com minha presença.

''Que velho astuto e assustador.''

— Vo– … Não sei do que você está falando, vovô.

— … Certo, já que você quer continuar com esse teatrinho tudo bem, mas lembre-se disso; amigo de verdade não é aquele que te consola na derrota, mas sim aquele que te ajuda a se reerguer — ele afirmou, acendendo o seu charuto.

''Isso era para ser algo importante? Para início de conversa, o senhor sabe que eu nem tenho amigos!''

— Por que isso do nada, vô?

— Só queria que você soubesse com que tipo de pessoa você tem que se relacionar quando eu e sua avó partimos deste mundo.

— …Ce-Certo — respondi melancolicamente.

O tempo médio de vida humana está por volta dos 77 anos; meus avós já têm quase 90 anos em média e ainda parecem cheios de vitalidade, mas isso é só teatro da parte deles, sei que enquanto estou na escola eles estão em consultórios médicos fazendo exames em segredo.

—Não faça essa cara patética, ainda vou viver muito para ver os meus bisnetos. Então apresse-se, termine de comer e vá à escola — ele terminou, retirando o charuto da boca e indo em direção à varanda para fumar.

Ficando sozinho na mesa, terminei de comer e me preparei para ir à escola, mas durante todo esse tempo eu fiquei meditando sobre o porquê de continuar a suportar aquele inferno chamado ensino médio e o quão importantes eles são na minha vida.

'Aguentem só mais um pouco, em 6 meses vou terminar o ensino médio e conseguir um emprego; então, por favor, continuem vivos!'

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Ensino médio, o paraíso da socialização adolescente, onde os jovens aproveitam para curtir a vida de maneira despreocupada e formar novas relações sociais, de amizade a amor, um verdadeiro ambiente cor de rosa para as pessoas da minha idade, mas sempre há uma exceção à regra e nesse caso a exceção sou eu.

"POU" "POU"

— REPETE SEU VERME!!! — gritou um adolescente alto, com cabelos pintados de castanho e um piercing no nariz, depois de me dar dois socos na cara.

— E-Eu não vou fazer o s-seu trabalho! — respondi com uma voz trêmula, enquanto o encarava com os meus olhos inchados.

— Hahahaha! Ouviram isso, rapazes, o Zumbi acha que pode questionar as nossas ordens! — ele gritou.

Com esse comentário um grupo de outros adolescentes começou a rir como se tivessem ouvido a piada mais engraçada do mundo.

— Não sabia que o Zumbi tinha bom humor! Hahahaha…!!! — falou uma menina, enquanto digitava algo no celular.

— Ei, Ulisses, acho que você bateu forte demais na cara dele, já que agora ele está delirando — disse um balofo, que estava apreciando os seus salgadinhos.

— Kekeke… Ao menos ele tem coragem! — exclamou outro garoto.

Todos eles usavam roupas iguais, calças ou dias azuis e camisas brancas com um brasão elegante de uma escola elitista, mais especificamente a melhor escola do país.

— Escuta aqui, Gray, pessoas como você só servem para ser pisadas por pessoas como nós; então se quiser continuar estudando aqui no futuro, tenha a certeza de andar na linha, entendeu? — falou mais uma vez o garoto que me deu um soco, Ulisses, enquanto puxava o meu cabelo para cima e me encarava com desprezo e ódio nos olhos.

—…

"POU"

—EU PERGUNTEI SE VOCÊ ENTENDEU!.

—Cof… Cof… En-Entendi— respondi, depois de levar outro soco no estômago.

Queria poder negar, queria poder questioná-lo, queria poder lutar, mas nada disso posso fazer.

''Merda! Merda! Merda!''

O local no qual me encontro agora é o terraço da melhor escola do país; um lugar onde somente os filhos das elites do mundo dos negócios, da política e das artes têm dinheiro para frequentar e que, com muito esforço, eu consegui uma bolsa de estudos.

As condições para manter a bolsa de estudos são claras; ter sempre um ótimo desempenho, nunca se meter em brigas e jamais faltar às aulas, o que não seria um problema se esta escola fosse um ambiente de respeito.

Sofro bullying do netinho querido do dono da escola e dos seus amigos desde que pisei na sala de aula há 5 anos atrás. Além disso, os professores sabem sobre o que eu estou sofrendo, assim como o diretor, mas preferem não se envolver; ou seja, tenho que aguentar tudo em silêncio.

— Jack, me dê o seu cigarro. Lee, segure os braços dele e levante as suas mangas! — proclamou Ulisses aos seus amigos, coisa que eles fazem obedientemente.

— Isso é para você lembrar quem manda aqui, mendigo criado por idosos — ele falou, apagando o cigarro abrazado em meu antebraço.

—Uorg… Pa-Pare!!!— berrei de dor, mas ele não ouviu, ou preferiu ignorar, mas certamente estava feliz com o meu sofrimento, já que havia começado a sorrir como um louco.

'Aaaarg…Um dia… um dia farei vocês pagarem por isso!' pensei enquanto gritava.

—Ei, Ulisses; acho que é o suficiente. Essa cicatriz vai ficar bem feia; se os avós dele descobrirem, vai sobrar pra gente — falou uma das garotas que o acompanhava.

—Se preocupa não boneca, se algo acontecer o meu avô dá um jeito — ele respondeu, jogando o cigarro fora e ficando de pé — de qualquer jeito, deixem o Zumbi aí e vamos entrar, ele precisa de concentração para terminar o meu trabalho até amanhã.

Todos saem do local, deixando para trás nada mais nada menos que o meu corpo arrebentado, que normalmente seria pálido o suficiente para ser confundido com um cadáver, agora estava colorido com as cores roxas dos hematomas do meu rosto e o sangue vermelho saindo da minha boca.

"POU" "POU" "POU"

— AAAAAA…— gritei.

Depois de socar o chão freneticamente em uma explosão de raiva, eu proclamei com o rosto cheio de lágrimas — um dia você vai me pagar por tudo o que fez comigo !!!.

Dia após dia, semana após semana, mês após mês, durante os últimos 5 anos, essa é a minha vida, mas isto já está perto de acabar.

''Só mais 6 meses! Tenho que aguentar só mais 6 e vou me formar !!!''

Enquanto estava absorto em meus pensamentos ouço um som familiar.

"TRIM!!!" "TRIM!!!"

Era o meu telefone tocando e o nome escrito na tela é extremamente acolhedor e aconchegante, ao ponto de me lembrar o porquê aguento isso todos os dias.

''Vovó. Não posso falar com ele com essa voz trêmula.''

Acalmando os meus pensamentos, controlo a minha respiração e falo — oi, vovó, algum problema?

[Ah, Gray; só gostaria de saber o que você vai querer para o jantar, já que vai chegar mais cedo hoje!]

Um profundo sentimento de culpa preenche a minha mente, talvez pelo fato de ter mais uma vez apanhado sem poder revidar ou pelo fato de continuar a mentir para os meus avós, ou simplesmente tudo isso junto.

''Me desculpe!''

— Eu ia ligar agora para falar sobre isso; na verdade um telescópio quebrou, vou ter que ficar até mais tarde para consertá-lo! — falei, forçando uma voz animada ao telefone.

Mas muito provavelmente esse sentimento vem pelo fato de decepcioná-los.

'Me desculpe!'

[De novo Gray, não pode deixar isso para amanhã!?]

''Me desculpe!''

— É só hoje, vovó. Prometo que chego antes da meia-noite!

"'Me desculpe!''

[Haa… Certo, mas trate de chegar antes das 21 horas; as estrelas não caem só porque você deixou elas de lado só por um dia! Tchau, querido!]

''Me desculpe!''

— Tchau, vovó!

Desligando o meu celular, vejo o meu reflexo patético em sua tela, mas diferente do que foi visto de manhã, agora o meu rosto está todo quebrado e adquiri mais uma cicatriz no braço, contudo nada disso é algo anormal na minha vida.

— Me desculpe por mentir para a senhora ! — falei para mim mesmo, segurando as minhas lágrimas.

''Acalme-se, Gray; faltam só mais 6 meses, só mais 6 meses.''

Em 6 meses darei o primeiro passo em direção à minha felicidade.

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