Despertada pelo som do trovão e da chuva, Penny tentou fazer o melhor para enxergar além de suas pesadas pálpebras até que mal podia distinguir a forma de barras de metal à sua frente. Ela piscou uma vez, depois duas, antes de levantar o tronco do chão molhado. A pequena janela na parede permitia que a chuva passasse e formasse uma poça no quarto.
Confusa sobre onde estava, ela se levantou e olhou ao redor. Ela estava em um quarto fechado com três paredes de pedra, barras de metal para a quarta parede e uma única janela com barras de metal que impediam qualquer um de entrar ou sair. O quarto era muito menor do que o quarto dela na casa da tia.
Não havia fonte de luz no quarto, mas à frente dela, ela notou luz derramando pelas barras de uma lanterna que devia ter sido colocada no chão.
Indo até a grade, ela procurou por uma saída. Quando encontrou uma porta, ela puxou e empurrou com toda a força que pôde, mas o portão de ferro estava trancado.
Ela tentou se lembrar de como havia chegado ali, mas a última coisa que conseguia recordar era voltando para casa apressadamente apenas para esbarrar no Senhor Joseph no caminho antes de ser nocauteada.
"Alguém está aí? Olá!"; Penny gritou, sem saber se preferia ouvir uma resposta ou não. Ela queria saber onde estava e por que a trouxeram para cá, mas sabia que nenhuma das respostas acalmaria sua mente. "Olá! Algué-"
"Pare de gritar," veio uma voz irritada detrás dela, quase fazendo Penny pular de surpresa. Ela não esperava que outra pessoa também estivesse aqui. "Está tentando me colocar em apuros?"
A cabeça de Penny virou-se para um canto do quarto onde o vulto de uma mulher emergiu das sombras.
A mulher tinha cabelos vermelho, ardentes, que tinham sido amarrados em uma trança similar à dela. Apenas o cabelo de Penny estava bem cuidado e seu vestido molhado, ainda assim, arrumado. Em contraste, a aparência completa desta mulher podia ser apenas descrita como esfarrapada, a cor de suas roupas um branco sujo e desbotado. Tirando seu cabelo, a estranha mulher era mediana em todos os aspectos.
Penny olhou ao redor do quarto para garantir que não havia mais ninguém antes de virar-se de volta para a mulher em busca de respostas.
"Senhorita, onde estou? Deve haver algum equívo—" A súbita e descontrolada risada da mulher a interrompeu.
"Senhorita? Senhorita!"
Ela suspirou.
"Quanto tempo faz desde que alguém me chamou desta forma...?"
A mulher avaliou a jovem garota que estava presa com ela. Fazia muito tempo desde que a mulher teve companhia. O último tinha sido um garoto que não parava de falar até ser transferido para outro nível.
"Qual o seu nome, garota?"
"É Penelope... mas a maioria me chama de Penny."
A mulher gesticulou para o quarto que as prendia.
"Eu sou Caitlin, e este lindo lugar que você está vendo pertence ao estabelecimento de escravos. Você está em uma das muitas celas que são destinadas a nós escravos."
Penny franziu a testa ao ouvir isso.
Isso era impossível. Ela não era uma escrava, então como poderia estar no estabelecimento dos escravos? Será que seu sequestrador a vendeu imediatamente após capturá-la?
"Senhorita Caitlin, isto é tudo um mal-entendido. Veja, eu não deveria estar aqui." Pelo que ela sabia, escravos geralmente eram vendidos por dinheiro como um negócio. Era um dos meios mais fáceis e rápidos de ganhar dinheiro. Ainda que não fosse enriquecer alguém, isso ajudava o estabelecimento dos escravos a continuar funcionando como um intermediário e ainda recebia uma comissão considerável dos compradores.
A mulher foi caminhar de volta para o canto escurecido, e agora que os olhos de Penny se acostumaram com a escuridão, ela viu a mulher deitada no chão.
"Nenhuma de nós deveria estar aqui. Pelo menos, a maioria de nós não, mas as pessoas não podem ser confiáveis. Pelo que percebo de sua reação, você não sabe quem a vendeu, sabe?"
"Eu sei!"
Como Penny poderia esquecer a cara e o nome daquele homem desprezível?
Ela estava indignada.
Caitlin a olhou com aprovação. Para uma garotinha que foi jogada no estabelecimento dos escravos sem aviso, ela estava de melhor ânimo do que o restante que entrava neste lugar. Ou a garota era uma criança protegida que era verdadeiramente ignorante sobre o que acontecia aqui, ou estava tentando manter o próprio ânimo.
"Era um homem com uma cicatriz no rosto. Seu nome era Senhor Jose—não, Joseph. Ele era suposto comprar um saco de vegetais da minha família mas porque ele estava atrasado para buscá-los e estava chovendo, meu tio e tia foram procurá-lo."
"Deixe-me terminar sua história para você. Esse tio e tia seus não retornaram mesmo após um bom tempo ter passado, mas o homem cujo nome você acha que é Joseph chegou."
Mesmo na escuridão, Penny discerniu a expressão descaradamente entediada no rosto de Caitlin.
Com um suspiro, ela continuou, "O que aconteceu com você não é incomum. Parabéns! Você foi vendida pelos seus parentes." Seu tom satírico era desanimado e desapegado.
"Eles nunca fariam isso!" Penny estava profundamente ofendida que a mulher acusasse os parentes que a acolheram depois que sua mãe faleceu. "Foi aquele homem Joseph ou seja lá qual for o nome dele que deveria ser capturado e enforcado por me trazer aqui!"
Quantas garotas e garotos haviam gritado palavras semelhantes, esperando que suas palavras pudessem salvá-los daquele lugar? Eram sempre os mais jovens que choravam e gritavam. Gritando pelas mesmas pessoas que os venderam, implorando para ser salvos, prometendo mudar seus comportamentos, às vezes mesclando suas palavras com maldições.
Este lugar ainda não havia afetado Penny, mas seu espírito eventualmente seria quebrado, disso, Caitlin tinha certeza. Ela não gastaria seu fôlego explicando mais. A realidade a atingiria eventualmente mesmo se ela não ajudasse a acelerar o processo.
"Senhorita Caitlin," Penny rastejou até ela e se sentou ao seu lado, "Há alguma forma de escapar daqui?"
Quando Penny fez essa simples pergunta, Caitlin começou a tossir incontrolavelmente antes de passar para uma risada. Com uma mão segurando o estômago e a outra cobrindo os olhos, bons dez segundos se passaram antes que ela pudesse recuperar o controle de si mesma. Ela se sentou ereta, encostada na parede, e limpou a garganta, fazendo com que Penny se inclinasse em antecipação.
"Você acha que estou aqui para apreciar a paisagem? Se eu soubesse como sair, não estaria mais aqui, apodrecendo neste buraco fedido e nojento."
Penny refletiu por um momento, não se abalando com a resposta. Comprimiu os lábios em uma linha fina e deu a Caitlin um olhar resoluto. "Existe alguma saída daqui?"
A mulher mais velha olhou fixamente para a pequena garota antes de retornar com um único aceno de cabeça.
"Se você está perguntando sobre uma saída, então sim. Todo prédio não tem uma entrada? Este tem uma porta única por onde eles trazem os escravos para dentro e para fora, geralmente com dois guardas posicionados na entrada."
Os ombros de Penny caíram. Era o mesmo que dizer que não havia escapatória.
Aquela noite, Penelope não conseguiu dormir. Ela ponderou sobre sua situação e o nome deste lugar: o estabelecimento dos escravos — um lugar de escravos. Escravos! A própria palavra a preenchia de terror, forçando seus olhos a se fecharem.
Ela não desejava estar aqui e acabar como esta mulher, que dormia no chão frio e duro sem se preocupar, tendo aceitado este destino. Ninguém queria ser um escravo!
Penny vagamente sabia que o estabelecimento dos escravos ficava longe de seu tio e tia. Seus parentes não tinham filhos próprios, então sua tia a tinha acolhido para preencher esse vazio em suas vidas, e era por isso que Penny se recusava a entreter o pensamento de que eles a tinham vendido como escrava. Pelo menos, ela tentava nas primeiras horas, mas, com o passar do tempo, as palavras de Caitlin ecoavam repetidamente em sua cabeça.
Penny não era uma garotinha ingênua.
Ela tinha habilidade para pechinchar com vendedores ambulantes e, quando necessário, também sabia como furtar deles sem que suspeitassem. Mais importante, ela geralmente era muito boa em ler as pessoas. Devido às suas limitadas opções de entretenimento, ela passava o tempo escrutinando qualquer transeunte que passasse pela frente da pequena casa que seu tio e tia possuíam.
Por causa desta habilidade, ela já estava desconfiada de Joseph antes mesmo de ele agarrar seu pulso. Mas o seu Tio e a Tia…
Ela tinha ouvido histórias de como a própria família vendia seus filhos para o estabelecimento de escravos para que pudessem obter uma boa quantidade de moedas de prata, mas nunca esperava que sua própria família fizesse tal coisa.
Quando planejaram isso?! Por que ela não percebeu!?
Penny encarou a parede oposta com raiva.
A casa era pequena, consistindo em uma cozinha, um hall e um depósito para manter os vegetais colhidos. Ela estava sempre lá com pelo menos um deles. As paredes eram finas demais para esconder até mesmo seus sussurros, que dirá a conspiração deles de vendê-la.
Valia a pena um pouco de prata mais do que sua liberdade?
A raiva que havia atingido o pico lentamente diminuiu conforme a tristeza e a traição a envolviam.
Abraçando seus joelhos com força, ela olhou para a janela com grades tão alta que ela não conseguiria alcançá-la mesmo se ficasse nos ombros de Caitlin. Dava a ela um pequeno vislumbre do céu externo.
Ela pensou em sua mãe e sentiu muita falta dela. Sua mãe nunca a teria vendido!
Quando viu sua mãe morta sendo levada em um caixão para o cemitério da vila, Penny derramou incontáveis lágrimas, lamentando o tempo todo. Lembrar disso agora trazia lágrimas ao limite de seus olhos, mas nenhuma lágrima caía enquanto ela piscava para segurá-las.
Sua mãe a criou sozinha. Seu pai insensível as deixou um dia quando ela ainda era um bebê, nunca mais para retornar.
Perdida em suas memórias, Penny apoiou o queixo nos joelhos. Enquanto olhava para o vazio, ouviu um grito do lado de fora. Assustada e amedrontada, ela ergueu a cabeça, franzindo a testa.
Levantando-se, ela caminhou em direção às barras de ferro sem agarrá-las.
As barras eram velhas e enferrujadas a ponto de terem se tornado manchadas, laranja na cor. Filmes vermelhos das hastes de ferro pareciam descascadas dos muitos meses e anos que se passaram.
Dando um passo mais perto, seu coração tremeu quando outro grito foi ouvido. Era um choro agudo e doloroso que a deixava extremamente desconfortável. A mulher tinha gritado como se estivesse sendo torturada de maneira excruciante.
"Ela é uma escrava..."
Virando-se, ela viu que Caitlin tinha parado de dormir de lado e estava agora deitada de costas com as mãos descansando em cima de seu estômago. Ela franziu a testa diante da resposta antes de voltar a olhar para o corredor vazio à sua frente.
Penny não pôde deixar de perguntar em um sussurro, "O que estão fazendo com ela?"
Ela apertou os olhos para ver o fim do corredor, mas sua visão era incapaz de atravessar a escuridão. Com base na visibilidade do céu noturno e no fato de que ninguém havia passado para verificar, Penny supôs que a hora era bem passada da meia-noite. Por que alguém seria torturado a essa hora?
"Eles estão torturando aqueles que se comportam mal. Escravos aqui não são nada menos que animais criados por um fazendeiro com o propósito de venda por um bom preço. O que você ouviu sobre o estabelecimento de escravos do lado de fora nem chega perto de arranhar a superfície," a voz da mulher estava solene enquanto um suspiro desanimado saía de seus lábios. "Você não consegue imaginar as coisas que acontecem aqui... os traficantes de escravos aqui são muito piores do que aqueles que nos trouxeram. O que está ouvindo agora é uma coisa normal, diária. Há sempre um ou dois de nós que são desafiadores e inflexíveis..." a mulher fez uma pausa para contemplar se deveria dizer a próxima parte, "...sempre são os novos escravos que passam pelo tratamento especial. Então pense duas vezes antes de pensar em fugir, garota."
Penny estreitou os olhos desta vez, desanimada pelo que acabara de aprender. "O que acontecerá se eu for pega?" Ela prendeu a respiração esperando Caitlin responder. Os gritos que foram ouvidos do lado de fora tinham preenchido o silêncio na pequena cela em que estavam.
"Você vai desejar que o pensamento nunca tenha entrado em sua cabeça em primeiro lugar."
A escravidão nas quatro terras, especialmente aqui onde os vampiros de sangue puro estavam no controle, era um negócio legal e próspero. Toda a indústria acontecia na presença da lei que era mantida pelo Conselho.
Quando as pessoas desapareciam, a culpa geralmente recaía sobre as notórias bruxas negras, e com razão. Elas geralmente sequestravam homens, mulheres e crianças para sua bruxaria e outras necessidades pessoais.
Embora seus parentes a tenham trocado, Penny decidiu que não ficaria aqui por muito tempo.
Ela iria fugir, e faria isso em breve.