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O Felino Diáfano

Ao descerem as escadas que os levavam ao pátio daquele lugar com diversos subandares nas paredes, era espaçoso e rústico, diferente da alta tecnologia da entrada da Jaula. Os amontoados de corpos os atrapalhavam no andar, fazendo com que os agentes pisassem neles para irem até o portão. Hill, olhando as celas que ficavam mais acima, viu que havia mais corpos ali, vendo alguns braços entre o corrimão e o chão dos subandares, quase caindo. A fetidez daquele pátio impregnava as mesas e as cadeiras jogadas entre os corpos, tudo misturado no negror daquele lugar.

As lanternas dos agentes afastava a negridão do ambiente, desbravando aos poucos o pátio. O portão que estavam indo ficava ao lado da cantina, a qual quatro corpos de merendeiras estavam jogados atrás do balcão. O portão era simples, abrindo-se horizontalmente à esquerda, assemelhando-se a um portão de garagem. Após Hill abri-lo, Ashe arregalou seus olhos e perguntou a si própria, num tom baixo:

— O que é isso??...

Diversos túneis ligados por um extenso corredor enorme confundiu a mente dos agentes. Parecia um labirinto, com várias salas de teste menores, escadas e elevadores que subiam e desciam pela Jaula, mais celas de contenção além das que viram e mais corpos jogados no chão. Era um cemitério de pessoas. Havia marcas de garras pelas paredes, sangue pelo chão e lâmpadas estouradas no teto. À medida que andavam por um dos túneis, acabavam retornando ao corredor central donde vieram. Não importava o caminho que faziam, ou acabariam numa cela vazia ou retornariam ao mesmo lugar dos túneis emaranhados. As celas tinham o número do Espécime inscrito em placas que, dependendo da classe da Anomalia, estaria pintada de azul, amarelo ou vermelho. Ashe se lembrou de sua cela na Sede de Washington.

— Vamos nos separar, nunca terminaremos de explorar se ficarmos juntos. Faremos três grupos de exploração. Marquem com um "xis" ao lado das salas que entrarem, economizaremos tempo. — ordenou o agente Hill.

Assim, o Alpha Hill ficou com um agente tático e dois agentes comuns; Ashe também ficou com um tático e dois comuns de apoio; restando ao terceiro grupo ser formado por dois agentes táticos e dois agentes convencionais. Cada um explorou uma parte, e de tão confuso que o lugar era, encontraram-se algumas vezes enquanto exploravam, um verdadeiro dédalo de escadas e corredores menores.

Enquanto buscavam alguma novidade, o grupo do agente Hill encontrou uma sala com alguns quadros negros rabiscados e vários armários de escritório abertos com papéis jogados no chão, como se revirassem o lugar atrás dalguma informação. Claramente alguém estava por trás da Jaula ter causado o mau funcionamento. Mandando seus agentes olharem as demais salas que estavam ao lado daquela que chamou sua atenção, Hill continuou olhando e lendo os papéis para saber o que seria.

Enquanto isso, o grupo formado apenas por agentes Lambda se deparou com uma voz masculina gritando "socorro" pelos corredores. Não havia corpo onde estavam; mas a voz os guiava pelas salas, levando-os a uma cela com a porta semiaberta. "Socorro, socorro", gritava, e, ao entrarem, um dos agentes táticos foi atacado por uma criatura branca com asas longas, um corpo extremamente comprido e com detalhes avermelhados nas asas e nas costas.

Ao lado da cela, estava o código do Espécime 4-4-7-4-4, de classe Leliel e de ordem Deformis. Suas pernas eram curtas, com pequenas garras; seu corpo era achatado e nitidamente leve para sua altura de um metro e noventa. Suas asas eram como as duma ave, com penas largas e enormes; mas seu tamanho impedia o Espécime de voar. A cabeça do 4-4-7-4-4, com uma boca que se assemelhava a um bico de pássaro, apresentava cerca de cinco línguas absurdamente longas. Além dos detalhes carmesins nas asas, sua retriz e o contorno dos olhos eram da mesma cor.

— Atirem! — gritou o agente tático.

— Atirem! — repetiu o Espécime.

Ele imitou identicamente a voz do agente, em tom, aspecto, duração e volume. Uma cópia perfeita de sua ordem, pois esse era o efeito passivo da criatura. Sua habilidade consistia em ouvir sons e reproduzi-los com precisão exata, imitando-os e falando outros sons que ouvira ao longo de sua vida. O pedido de socorro que os agentes ouviram foram feitos pelo 4-4-7-4-4, enganando-os e atacando-os. O agente que foi pego pela Anomalia tentava acertá-lo; mas sendo arrastado no chão pela criatura, errava os tiros e acertava-os no teto da cela.

Os agentes que estavam do lado de fora descarregavam as armas na Anomalia branca, acertando diversos tiros de raspão em seu corpo, principalmente nas costas. Com algumas fumaças saindo da pele ferida, o Espécime largou o agente que pegara e correu para cima dos outros agentes, mudando sua rota com a impulsão das grandes asas. Assim que chegou perto da porta, como não havia mais chances de acertar o agente capturado pela Anomalia, atiraram dezenas de vezes no peito e no rosto da criatura, com esta imitando o som dos disparos com seu efeito passivo.

As balas atravessavam as asas da Anomalia e também se alojavam no peito dela, forçando seu fator de cura ao limite. Vendo que não sobreviveria se os enfrentasse, passou pela porta e derrubou dois dos agentes, fugindo para não ser morto por eles.

— Equipe três para os demais, precisamos de ajuda! Encontramos um Espécime aqui e ele está fugindo, fiquem atentos! — falou a agente tática que estava na porta, a qual entrou para ajudar o agente levado pela Anomalia para dentro da cela.

Tanto Ashe quanto Hill não ouviram o recado de alerta, pois mesmo que estivessem com os rádios, algo bloqueava o sinal, impedindo o contato à distância dos comunicadores. A equipe de Ashe prosseguia com cautela, encontrando uma cela com a porta estourada e diversos buracos largos em volta. Dentro da cela, estava um cheiro de queimado e algumas cinzas no chão, como se alguma Anomalia com efeito passivo ardente ficasse mantida ali. Ao virarem-se, Ashe e seus agentes ouviram uma voz, a qual dizia:

— Fiquem atentos... Encontramos um Espécime aqui e... precisamos de ajuda!

— É a voz de uma das agentes, ela é da minha divisão — disse o agente tático que os acompanhava.

Correndo até a voz que ecoava pelos diversos corredores, seguindo-a, o silêncio era cortado com os passos constantes. A voz pedindo ajuda não foi ouvida mais e estavam de frente a um elevador, o qual não funcionava pela falta de energia. Olhando em volta, procuravam a agente tática.

— Onde está? — perguntou um dos agentes.

Abrindo-se abruptamente, o elevador com o Espécime 4-4-7-4-4 assustou todos ali presentes, pegando Ashe pela perna com suas línguas enormes. Arrastando-a para dentro do elevador, fechando a porta automaticamente, instintivamente, Ashe apontou seu dedo para cima em forma de arma e ativou seu efeito. Os demais agentes que estavam na cidade, sobre a Jaula do Colorado, viram um clarão partindo das nuvens e acertando o lugar exato onde Ashe estava; mas a dezenas de metros acima dela. O calor do raio de luz queimava as casas feitas de madeira e derretia os pneus dos veículos próximos ao raio.

— Saiam daqui!! — gritou Ashe aos agentes.

Seu disparo solar rompia o chão e tremia a base subterrânea, despedaçando os túneis como se fossem meros pedaços de papel. O raio aumentava a concentração e abria um buraco cada vez mais fundo, chegando próximo aos cabos do elevador que foi pega. Colocou sua perna na cara do Espécime, o qual tentava bicá-la. Além disso, arranhava-a com as garras das patas, ferindo-a e fazendo a fumaça de cura de ambos nublar dentro do elevador, dificultando a respiração.

Os agentes tentavam abrir à força o elevador que a prendeu com o Espécime; mas após alguns instantes, o raio chegou aos fios suspensos do elevador e Ashe desativou sua habilidade quando sentiu que o elevador cairia. O calor rompeu os cabos de aço e o elevador despencou drasticamente. Com o movimento brusco, a 7-2-8-4 e o 4-4-7-4-4 caíram cerca de dez metros numa velocidade altíssima, atingindo o chão bruscamente e ferindo-se com o impacto. Com a cabeça ensanguentada e com um braço quebrado, Ashe levantou-se com dificuldade e saiu do elevador, mancando enquanto andava e cambaleando apoiada nas paredes.

Ao sair, a Anomalia que a atacara tentou-se levantar; mas, com suas asas destroçadas, não se movia com força. Levantando seu braço que não estava quebrado e fazendo o gesto que ativava seu efeito, o raio novamente foi acionado, e, com a abertura já feita pela primeira vez, cruzou o chão rapidamente e atingiu o Espécime 4-4-7-4-4 em cheio, reduzindo-o a pó e cinzas. Entretanto, a pressão do vapor naquele túnel pequeno empurrou Ashe com força e machucou-a, queimando suas roupas e sua pele por um instante.

Os agentes procuravam Ashe para tirá-la dali, pois as instalações estavam desabando com o segundo choque solar que usara. Encontrando-a, dois deles a pegaram, colocando cada braço da Alpha no ombro de cada um, enquanto o agente tático abria o caminho rapidamente. Os outros grupos sentiram todo o tremor com o segundo impacto, largando o que estavam fazendo e voltando à recepção para fugirem pelo buraco central por onde entraram.

O primeiro grupo a sair foi o de Hill, o qual o Alpha estava com um pedaço de papel no bolso da camisa. Logo atrás, o grupo feito somente por agentes Lambda os alcançou, carregando o agente tático que mancava após a Anomalia imitadora pegá-lo. O grupo de Ashe passava pelo pátio cheio de prisioneiros enquanto alguns pedaços do teto caíam e esmagavam os corpos já mortos dos penitenciários. Mesmo dando trabalho, todos os dez agentes saíram com vida, apenas tendo um agente tático e a Alpha com danos ao corpo.

No entanto, a preocupação não seria em Ashe, já que, do tempo que a pegaram e levaram-na à saída, seu fator de cura já havia transformado as cascas de queimaduras em pele nova, restando apenas alguns lugares de seu corpo que ainda apareciam as queimaduras. Claramente se curava mais rápido do que Reid demonstrara a si em seu apartamento. Deixando-a encostada na parede duma casa ali perto, Ashe começou a mover os dedos da mão do braço que estava quebrado, o qual se curava aos poucos.

— O que achou, Hill? Me diga que teve algo antes de desabar...

— Sim; mas preciso que seja a sós, Ashley... — Olhando para os agentes em volta, todos entenderam que era um assunto apenas dos Alpha, deixando-os. — Estavam fazendo testes com... com o Espécime 9...

Levantando-se rapidamente, Ashe, com o rosto saindo fumaças, berrou com o agente ex-militar:

— Como assim!?

— Fale baixo, Ashley — falou-lhe, sentando-se a seu lado.

— Achei que tinham perdido o 9 naquele naufrágio em 2016...

Bufando, agente Hill lhe respondeu:

— Eu também, naquela época todos tivemos uma dor de cabeça quando ninguém achou aquela embarcação...

— Mas como você soube disso? Você viu o 9?

— Não; mas estavam fazendo testes com células tendo contato. E não tem como ter criado pernas e fugido, você sabe como é, ele é um Utensilia.

— E agora?

Erguendo-se e colocando seus óculos escuros, virou para a garota recém-curada e disse:

— Vou mandar uma mensagem à Instalação e ver o que vão falar, não cabe mais a nós dois, Ashley... Fique por perto, se eu souber de algo, te avisarei logo.

Não havia mais como investigarem tão cedo a Jaula de Colorado após Ashe destruir dezenas de túneis. Para tirarem os destroços, semanas ou até meses levariam, isso se ainda houvesse alguma prova em bom estado depois do efeito passivo da Alpha.

Enquanto isso, no decorrer do tempo, após cruzarem a cidade e irem ao último lugar onde os jovens viram seu amigo desaparecido, o grupo 731 chegou a um acampamento improvisado pelos acampantes que trilhavam ali. Reid, acordando quando estacionaram o caminhão militar, percebeu que cada vez mais estava ficando cansado. Saindo do caminhão, Lisbon destrancou a carga do veículo e abriu a porta para eles.

— Até que enfim... Natureza! — disse agente Osmundson. — Enfim, é possível que o jovem esteja vivo, então vamos procurar a partir daqui!

Deixando o 2-9-3 no caminhão com o agente Denley, procuraram por algum rastro perto do acampamento. As árvores não eram tão densas, com o sol passando pelas folhas afastadas dos longos álamos e dos choupos-americanos, predominantes de Nebraska. Brandon, olhando perto da fogueira já apagada pelo vento, viu que havia pegadas parecidas com as dum grande felino.

— Ele foi por ali, perto do rio, provavelmente. — Apontou para as marcas no chão que passavam ao lado duma barraca rasgada.

Seguindo, chegaram a um riacho onde um pedaço de roupa estava preso nos galhos duma árvore. Algumas marcas de garras lascaram o tronco das árvores e mais pegadas estavam perto da margem, levando ao outro lado do rio. O brilho da manhã era intenso e forte, fazendo com que colocassem a mão sobre a cabeça para fazer uma pequena sombra nos olhos;

— Pelo que falaram à polícia, eles não viram o que os atacou, então não temos uma descrição. Estejam atentos!

De acordo com Lisbon, nenhum dos jovens viu o Espécime que os atacara, deixando-os preocupados. Inesperadamente, passos rápidos cruzavam o riacho; mas ninguém via nada. As gotas d'água que respingavam pelo calmo e raso rio se aproximavam cada vez mais do grupo 731. Um rugido de leão foi ouvido indo em direção a eles. Assustados, o 1-4-9-2 se manifestou à frente de Solina e as unhas e os dentes de Brandon cresceram, ficando afiados. Aquela coisa invisível corria rapidamente, e no que parecia ser um salto, respingou grandes gotas, e assim que pousou na margem, as folhas secas e o pó daquela terra desidratada moveram-se à medida que aquilo se movia.

Não sabiam o que atacar, pois parecia apenas que um pequeno vento andava pelo chão; mas os rosnados da fera invisível denunciavam sua posição. O 1-4-9-2 socava o ar velocissimamente em torno de Solina, com seus enormes braços evitando, a todo custo, que algo acontecesse à garota, mesmo que estivesse longe dela. Brandon, acompanhando as pegadas que eram feitas, seguiu os rastros e saltou, agarrando as costas daquela Anomalia. Por não ser visível, parecia que flutuava enquanto o Espécime se debatia para tirá-lo. Vendo que o rapaz não seguraria por muito tempo, Solina correu para ajudá-lo, apontando para onde ele estava. Quando o 1-4-9-2 ameaçou dar um chute, o Espécime virou-se e colocou Brandon na mira de seu punho.

— Pare!! — gritou Solina.

Assim que percebeu que o golpe não foi concretizado, a criatura arranhou o braço da jovem, expondo quatro marcas de garra no braço esquerdo dela, deixando-o em carne viva. Berrando de dor e afastando-se, o 1-4-9-2 não alcançava mais o ser invisível quando ela correu para trás. Tentando fazer algo, Reid, com um pedaço de galho grande, partiu para cima enquanto Lisbon apontava seu revólver, sem saber onde atirar. Mesmo que soubesse que estava abaixo de Brandon, não sabia os limites de sua forma.

Ao tentar golpeá-lo, Reid acertou nada e foi contra-atacado, rasgando sua camisa verde-escura e arranhando sua barriga, caindo para trás. O 2-2-6-0-1 não aguentava mais e cedeu, largando-o. Logo depois que caiu no chão, sua garganta foi aberta com o que parecia ser uma mordida enquanto era arrastado pelo chão empoeirado. Lisbon não mexia um músculo por causa do pavor que o desconhecido emanava. Solina tentava conter sua hemorragia no braço, e Reid, ao olhá-la, viu que nenhuma fumaça saia dela, como se não se curasse.

Brandon enfiou suas unhas no que parecia ser a cabeça da Anomalia, fazendo com que sangrasse; mas isso não a parou. Com um puxão fortemente aplicado, rasgou a traqueia dele. A agente sabia que era um Leliel altamente mortífero; mas, mesmo assim, não conseguiu puxar o gatilho. Partindo para Reid, algo arranhava sua barriga. A dor das garras partindo o corpo em dois fazia-o gritar de dor. Solina, ao tentar salvá-lo, chamou o 1-4-9-2 para chutar a criatura, acertando-a e fazendo-a bater numa árvore.

Reid tentou levantar-se; mas não sentia suas pernas. Ao olhar para sua cintura, viu que um enorme rombo na barriga jorrava sangue no chão. Sua consciência foi-se perdendo com a dor insuportável que sentia, mesmo com Lewis ordenando um chute certeiro para tirar o Espécime de cima dele. O sangue, borbulhando, encharcava seu estômago, pois o rasgo em sua barriga expôs os órgãos internos do Espécime 8-4. Acordando, gritando dentro do caminhão assim que ele estacionou, todos acharam estranho, com Solina dizendo:

— Que susto, inferno. Teve algum pesadelo? — disse Solina, assustada com o grito do rapaz.

O jovem estava suando frio, colocando suas mãos no abdômen, tremendo-as. Assim que Lisbon abriu a porta, viu que Reid estava ofegante e com um olhar distante.

— Até que enfim... Natu... O que houve, Reid?

— A bela adormecida teve um sonho ruim, tadinho... — respondeu Brandon à agente Lambda.

Sabendo da habilidade de Reid, perguntou-lhe baixo, pondo sua mão no ombro do garoto:

— Respire e me fale como foi dessa vez, 'tá?

Gaguejando, Reid tentou contar-lhes tudo que lembrava.

— Nós... procuramos rastros perto do acampamento e fomos até... até um riacho... Daí uma Anomalia invisível nos atacou e... — Parou de falar quando lembrou das coisas que ocorreram. — E então eu e... e o Brandon morremos...

Por um instante, todos ficaram em silêncio, até que a risada de desprezo de Brandon cortou a seriedade do rapaz.

— Hahahaha!! Eu? Morrer?! Hahaha!!! Qual o efeito passivo desse moleque, Osmundson? Hahaha!!

— Pelo que sei, sempre que morre, volta no tempo — disse a agente.

— Só pode 'tá' de sacanagem, Osmundson!

— 'Pera, quê? — perguntou Solina.

Descendo do caminhão e indo ao acampamento, a garota canadense ficava perguntando a todo momento como aquilo era possível. Mesmo num mundo onde efeitos passivos predominavam a vida, viagem no tempo era obra de filmes, e não um poder tão natural assim. Apenas a ignorando, Reid seguiu em frente, guiando os outros. Assim que chegaram ao acampamento, tudo estava do jeito que lembrava: uma barraca azul-escura totalmente estraçalhada, uma fogueira já apagada feita com pedras em volta, alguns troncos de madeira pequenos que serviam como bancos e um cooler que foi deixado às pressas.

— Aqui tem algumas pegadas que o Brandon viu, e seguimos até o rio à frente. — Parado, apontou com o dedo a direção que foram.

Brandon, mesmo debochando e duvidando daquela veracidade, percebeu assim que chegaram, aquelas pegadas; mas ainda não havia dito nada. Assim que continuaram, ao passar perto dele, esticou seus dois braços, impedindo que passassem.

— Assim que formos p'ra lá, ele virá do outro lado do rio. É invisível; mas quando pisa, dá para ver suas patas, porque a água do riacho junto com a terra seca gruda no pelo. Se ele chegar até aqui, é quase impossível derrotarmos...

Aproximando-se lentamente, todos mantiveram cautela, exceto Brandon, que ainda duvidava dele. Assim que chegaram à margem do rio, as marcas nos troncos definhados das árvores e o pedaço da camisa do jovem estavam naquele lugar. Antes de entrarem na branda correnteza do rio, a qual mal chegava aos joelhos, Reid virou-se para Lisbon e perguntou:

— Da última vez, você paralisou, poderíamos estar vivos se atirasse. O que houve, Lisbon?

Surpresa com aquilo, respondeu-lhe:

— Eu... não gosto de matar Anomalias. Na verdade, de matar no geral... Sou alguém que testa, e não que executa, Reid...

— Eu estou tentando dar o meu melhor, e estou falando isso não porque te admiro; mas porque você me tratou bem desde que nos conhecemos... Por favor, seja forte.

— Sou uma mulher da ciência, Reid, não faço promessas que eu não consiga cumprir, por isso trouxe vocês. Desculpe se contava comigo para ficar vivo; mas eu não posso ir contra os meus princípios... — retrucou Lisbon, ficando na margem. — A arma é por garantia, e não é certeza que usarei. Desculpe.

Pegando o mesmo galho grande que usara da primeira vez, mal entrando na água, os passos da criatura se intensificaram, gotejando alto enquanto corria.

— 'Tá, e agora, Reid? — perguntou Solina.

— E agora... o quê?

— Como derrotamos ele, ué?

— É a primeira vez que estamos na água, eu não faço ideia. Ele parece atacar mais com as patas, então cuidado, suas unhas são... — engolindo a saliva, continuou — afiadas...

— Então não sabe o que temos que fazer? Que bosta de efeito o seu, hem, moleque!?

Mesmo naquela situação, Brandon ainda humilhava o garoto, tentando sair por cima dele. Com a fera rugindo alto, fez com que Brandon ativasse seu efeito e melhorasse o tamanho de seus dentes e unhas e com que Solina invocasse o espírito purpúreo a seu lado. Estando próximo a eles, todos mantiveram distância da água que respingava com as patas da Anomalia.

Rosnando, partiu para cima de Reid, o qual foi julgado como o mais fraco dos três pela Anomalia. Como o 1-4-9-2 era alto, Solina o ordenava apenas chutes e joelhadas, golpes mais prováveis de acertá-lo. Desviando da bicuda que quase a atingiu, a Anomalia desviou; mas foi acertada pelo galho de Reid na cabeça. Distraída com os dois, Brandon tentou atacá-la com suas unhas salientes, acertando o que parecia ser a coxa.

Fazendo um leve corte, seu sangue também era invisível, não marcando a água ou escorrendo na perna traseira; mas a fumaça de cura denunciava um pequeno rastro donde estaria. Partindo para cima do 2-2-6-0-1 que a feriu, a Anomalia pulou rapidamente em seu peito, tentando mordê-lo na garganta; entretanto, com a fumaça mostrando seus movimentos, o 1-4-9-2 agarrou sua perna e segurou-a antes de conseguir abocanhar Brandon. Todavia, Solina estava perto do 1-4-9-2, fazendo com que, ao virar-se, fosse atacada no estômago com um arranhão certeiro.

Ao perceber que Solina se machucou, o 1-4-9-2 deu um gancho de direita na mandíbula da criatura, tremendo até a água que estava por perto e jogando-a para cima. O golpe, de tão potente, rachou sua boca e mais fumaça partiu dali. Caiu de costas na água rasa e , mesmo tentando levantar-se, ficou desnorteada, tendo parado por alguns instantes, tempo suficiente para Reid enforcá-la com o galho que pegara. Porém, ao olhar brevemente para Solina, viu que nenhuma fumaça saía de seu corpo, assim como em seu braço da primeira vez.

— Por que seu efeito passivo não te cura? — Reid tentava perguntar enquanto saltava sobre o Espécime invisível.

— Eu já disse... Eu... eu não sou uma Anomalia...

Caindo de costas na água, o 1-4-9-2 estava ficando cada vez mais translúcido e desaparecendo aos poucos. Lisbon correu para pegá-la para que não se afogasse; mas Reid sentiu medo de não conseguir retornar sem poder consertar a possível morte de Solina. Soltando o galho que enforcava a Anomalia, caindo na água e fazendo Brandon ficar furioso com ele.

— O que 'cê 'tá fazendo, droga? 'Tamo' quase nocauteando essa coisa!

Partindo rapidamente para cima de Reid, abocanhou seu pescoço e deixou-o com a cabeça debaixo d'água, afogando-o enquanto os dentes do Espécime penetravam cada vez mais fundo na garganta dele, o qual agonizava de dor, mesmo sabendo que precisava aguentar aquilo. Brandon saltou e mordeu o pescoço da Anomalia, fazendo-a largar Reid; mas durou pouco tempo a distração que fez. Rolando-se na água, a Anomalia afogava Brandon com seu corpo pesado no rio que, mesmo não sendo volumoso, era suficiente para cobrir a cabeça se alguém ficasse deitado.

— Venha... aqui, seu imbecil!... — gritava Reid enquanto tossia sangue, chamando a atenção da criatura.

Deixando Brandon de lado, partiu para cima do 8-4 com ferocidade, derrubando-o e terminando de morder o pescoço dele. A água que passava pelo corte era ardente, misturando-se e levando o sangue que escorria pelo restante do rio. Aquilo já era o suficiente para morrer outra vez, de forma brutal, pela Anomalia invisível. Acordando, gritando; mas desta vez com a mão no pescoço, estava com problemas para respirar.

— Que susto, inferno. Teve algum pesadelo? — falou Solina.

— Até que enfim... Natu... O que houve, Reid?

— A bela adormecida teve um sonho ruim, tadinho...

— Respire e me fale como foi dessa vez, 'tá?

Olhando para o chão do caminhão, falou:

— Nós... não podemos enfrentar aquilo sem um plano... Não dá!

— Do que esse idiota 'tá falando?

Com um olhar distante, olhando para o chão do caminhão enquanto acalmava suas mãos, tirando-as do pescoço, Reid começou a falar o que mais incomodava o rapaz.

— Por que você não tem fator de cura, Solina? Estava tudo dando certo, o que houve?

— Não é possível que você seja surdo. Eu... não... sou... uma... Anomalia!!

Intrometendo-se, Lisbon respondeu a Reid do porquê dela não se curar:

— Na verdade, ela nasceu com uma Anomalia presa ao corpo dela, por isso não se cura.

— O espírito não pode se afastar de mim por mais de um metro, ele não consegue, então querendo ou não, ele tem que me seguir aonde for.

— E qual o efeito passivo dele? — perguntou Reid.

— Bem... Ele pode mudar seu corpo p'ra se materializar ou p'ra ficar intocável, além de ser muito, mas muito forte.

A habilidade de intangibilidade do Espécime 1-4-9-2 permitia que seu corpo se tornasse ora material, podendo ser rígido como uma rocha, ora abstrato, atravessando paredes, desde que se mantivesse a um metro de Solina. Uma espécie de força o impedia de afastar-se de Lewis, forçando-o a protegê-la.

— Qual o alcance dos radares de Anomalia, Lisbon?

— Acho que... cinquenta metros.

— Tem como... deixá-lo menor?

— Acho que tem — falou. — Por que precisa disso?

Antes de Reid lhe explicar o motivo, Brandon, nervoso, interrompeu-os e disse:

— Por que tão dando moral p'ra esse moleque? Do nada todo mundo 'tá querendo contar historinha?

— Na verdade, de acordo com ele, toda vez que morre, ele volta no tempo, por isso confio na preocupação dele.

— Só pode 'tá' de sacanagem, Osmundson!

— Isso é sério? Você volta no tempo??

Ignorando-os, Reid falou o plano para eles. Aparentemente, sua memória ficava mais aguçada minutos depois de retornar, tendo lembranças recorrentes das últimas vezes antes de morrer. Pegando o dispositivo de detectar Anomalias do bolso, falou:

— Nós vamos ao acampamento e acabaremos na margem do rio depois de seguir uma trilha de pegadas. Assim que nós pisarmos na água, uma Anomalia invisível vai nos atacar; mas ela deixa rastros na água e na terra.

— Uma invisível? — perguntou a agente Osmundson. — Só pode ser o Espécime 7-8-7-1-2! Se for mesmo ele, é muito agressivo, talvez precisemos de reforços.

Reid sabia que era aquele Espécime, pois sua hostilidade era nítida desde que o encontraram pela primeira vez. Um leão-do-congo feminino com duas mandíbulas, uma embaixo da outra, suportando mais dentes. Seu corpo mantinha a aparência duma leoa comum: pelos beges e rasos, uma altura de um metro e dez centímetros até o ombro e enormes patas com unhas afiadíssimas. Seu efeito passivo permitia refletir raios de luz com cores precisamente idênticas ao ambiente em volta, escondendo-se de suas presas. Uma caçadora terrivelmente mortal e imperceptível.

Não obstante, ainda emitia raios ômicos, e, se não poderiam confiar em seus olhos, então deveriam confiar no dispositivo. Regulando o aparelho de Solina para uma metragem pequena, contra-atacá-la-iam assim que fizesse seu ataque com as garras. Seguindo à borda do riacho, Reid pegou o mesmo galho que estava abaixo da camiseta rasgada presa na árvore, roupa que possivelmente era do jovem desaparecido.

Mal chegando, o 7-8-7-1-2 correu rapidamente em direção a eles, com um rugido grosso e aumentando sua velocidade, partindo instintivamente para cima. Enquanto corria pelo rio, Solina ficou no meio de Brandon e de Reid, segurando o dispositivo. A Agente Osmundson ficou afastada deles após Reid lhe dizer que não era uma boa ideia que chegasse perto, retirando sua arma do coldre de cintura, mesmo que não a usasse.

A garota olhava para o visor assim como Reid falou, pois ela sabia que quando não havia uma visão clara, o 1-4-9-2 era impreciso com seus golpes, por mais que fossem certeiros. A leoa se aproximava cada vez mais. Na tela do dispositivo, três pontos esverdeados estavam parados, sendo o próprio grupo 731, com um quarto ponto verde indo à frente e aproximando-se aos poucos. Assim como Reid a havia pedido, ficou olhando apenas para o visor. Ouviu o Espécime 7-8-7-1-2 pulando do rio para a margem; mas seus olhos não a deixaram enganar.

— Vê se acerta essa coisa, pirralha! — disse Brandon.

O som dos rosnados aumentava à proporção que chegava mais perto; os batimentos da garota ressaltavam seu medo; o barulho das pegadas invisíveis pela terra poeirenta levantava as folhas... A palma da mão suava frio enquanto Solina olhava o ponto verde ficando cada vez mais perto dela. Assim que achou a distância mais próxima que aguentaria, o braço do Espécime 1-4-9-2 surgiu do ombro da garota, dando um soco no rosto do felino diáfano.

O soco foi tão forte que, além de empurrar a própria Solina para trás, caindo, jogou a fera para longe, batendo numa árvore e rachando-a no meio, despencando pedaços de madeira sobre a leoa. Solina, perdendo o fôlego, tentou-se levantar; mas caiu de joelho depois de acertar a Anomalia não tão invisível, uma vez que seu fator de cura regenerava sua mandíbula recém-rachada.

— Vamos, é nossa chance!

— Pare de dar ordens, moleque, que saco!!

Mesmo não gostando de obedecer a Reid, Brandon partiu para cima da Anomalia caída. Antes de irem à margem do rio, o 2-2-6-0-1 havia passado um pouco de carvão da fogueira apagada em suas mãos e unhas, e, ao pular para atacar o grande felino, sujava-o simultaneamente, deixando suas costas marcadas com uma negritude seca. Podendo "vê-lo", Reid pegou Solina e colocou-a em suas costas, correndo com ela.

— Só mais um soco, você consegue!

— 'Tá me levando até esse bicho? Me solta, Reid! Já fiz o que pediu! — dizia a garota que se contorcia para sair das costas do rapaz, quase caindo no chão.

Com o Espécime sanguinário quase se levantando, ficou a um metro de Solina e Reid, os quais finalizaram aquela missão. Rugindo e rosnando de raiva, ao levantar-se, o 1-4-9-2 apareceu e, com um soco com seu braço esquerdo em direção ao chão, acertou novamente a cabeça da fera e desmaiou-a. Nocauteada, a Anomalia inconscientemente desativou seu efeito passivo, mostrando seu crânio levemente desfigurado pelos socos do espírito de Solina, a qual não havia morrido, mesmo que parecesse grave.

Lisbon gostou do trabalho em equipe que demonstraram, e mesmo não ajudando em absolutamente nada, a agente Lambda começaria seus testes para melhorar a habilidade deles. A cerca de duzentos metros daquele rio, encontraram o corpo desmembrado do rapaz desaparecido que infelizmente não sobrevivera. Solina, com seu espírito, levou a leoa desacordada até o caminhão que vieram, colocando-o na traseira e tirando o caixão do Espécime 2-9-3. Enquanto o agente Denley levaria o 7-8-7-1-2 até uma Jaula próxima, o grupo voltou a pé à cidade, indo comer algo.

O primeiro dia de recuperação das Anomalias do Colorado havia sido mais intenso do que Lisbon acharia, ficando atenciosa sobre Reid. Aquele garoto poderia sempre buscar a vitória se conseguisse esforçar-se após cada retorno da morte, sendo o triunfo ou a perdição da Fundação S.E.T.H. nas mãos corretas. Pensativa acerca do ponto de reinício de Reid, teria uma conversa a sós com ele para poder descobrir a fundo como funcionava o efeito passivo mais prestigioso já visto para poder noticiar Monviso.

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