A luz era ofuscante.
Kang Seungho abriu os olhos com dificuldade, seus sentidos ainda confusos. O som de água corrente preencheu o ar, mas era estranho, quase errado. Quando sua visão clareou, ele percebeu o motivo.
Uma cachoeira inversa se erguia à sua frente, a água subindo em direção ao céu como se desafiando a gravidade. Ao redor dela, árvores altas de troncos cristalinos lançavam sombras prismáticas, e o céu... o céu parecia um mosaico, com tons dourados e lilases que giravam lentamente, como um caleidoscópio. No centro de tudo, um sol brilhava intensamente, sua luz pulsando como o bater de um coração.
Seungho se ergueu, seu corpo ainda dolorido. Seus pés tocaram o chão macio de grama violeta, e ele olhou ao redor. Tudo era lindo, quase surreal, mas a opressão familiar estava lá—aquele peso invisível que apenas um portal trazia.
Ele estava dentro de uma fenda.
"O que diabos é isso agora?" murmurou, esfregando a têmpora. Sua espada, que ele havia perdido de vista, ainda estava em sua mão, embora desgastada como sempre.
Um rugido distante interrompeu seus pensamentos.
Seungho virou-se na direção do som. A floresta ao redor da cachoeira começou a se agitar, sombras movendo-se entre as árvores. Ele apertou o punho na espada, seu corpo respondendo automaticamente. O primeiro monstro emergiu—uma criatura de quatro patas, coberta de espinhos que brilhavam como vidro. Seus olhos, três no total, o fixaram com uma fome inquietante.
Antes que ele pudesse reagir, duas outras criaturas surgiram atrás da primeira. Suas formas eram diferentes, mas a intenção era clara.
Elas iam atacá-lo.
A luta começou com um salto.
A primeira criatura avançou, suas garras estendidas, mas Seungho já estava em movimento. Ele rolou para o lado, sua lâmina girando em um arco que cortou o flanco do monstro. Um grito agudo ecoou, mas o golpe não foi fatal.
Atrás dele, as outras duas avançaram. Seungho ergueu a espada, bloqueando o primeiro golpe, mas o impacto o fez cambalear. A segunda criatura aproveitou, tentando acertá-lo com suas mandíbulas. Ele girou o corpo no último instante, usando o impulso para cravar a espada no pescoço do monstro.
" Skill Ativada: Persistência Abissal.
Uma energia percorreu seu corpo, dissipando a dor e a fadiga momentaneamente. Seungho puxou a espada com força, o sangue da criatura jorrando em sua direção.
"Um de cada vez, seus malditos," ele rosnou, virando-se para os dois restantes.
A batalha continuou. Apesar da exaustão que ameaçava se instalar, Seungho manteve o controle. Quando o último monstro caiu, dissolvendo-se em cinzas brilhantes, ele se permitiu respirar.
Mas o descanso foi breve.
O som de vozes humanas ecoou pela floresta.
Seungho virou-se, vendo um grupo de pessoas emergir das árvores. Eles vestiam armaduras leves e elegantes, com símbolos que indicavam claramente que eram caçadores de uma guilda. Seus olhos estavam fixos nele, misturados entre surpresa e irritação.
"Você tem certeza que reservou?" um deles perguntou, ajustando os óculos enquanto olhava para Seungho.
Outro, um homem segurando um tablet, deslizou os dedos pela tela.
"Sim. Eu reservei exclusivamente o portal. Está aqui nos registros."
O líder do grupo, um homem alto e musculoso com uma cicatriz atravessando o rosto, se adiantou. Ele parecia furioso, cada passo emanando agressividade.
"O que diabos você pensa que está fazendo aqui?" ele rosnou, sua voz grave ecoando pelo ambiente.
Seungho o encarou, sua expressão indecifrável.
"Você sabe quanto custou essa fenda, seu idiota?" continuou o homem, apontando o dedo para ele. "Você tem ideia do que tivemos que pagar para garantir os direitos disso? E você, um qualquer, aparece e..."
Seungho permaneceu imóvel, seus olhos fixos no líder com um olhar afiado, quase predatório. Ele não disse uma palavra.
O homem parou, incomodado pela ausência de resposta. O silêncio era desconfortável, mas a intensidade no olhar de Seungho fez com que ele recuasse um passo, embora tentasse disfarçar.
"Quem diabos você é?" perguntou outro caçador, sua voz mais cautelosa.
Seungho abaixou levemente a cabeça, girando a espada para limpá-la do sangue seco. Quando ergueu os olhos novamente, um leve sorriso, quase imperceptível, brincava em seus lábios.
O homem, claramente frustrado, abriu a boca para dizer algo, mas Seungho o interrompeu.
"Eu... me perdi."
A simplicidade da resposta pegou o grupo de surpresa. O líder franziu o cenho, a raiva em seus olhos vacilando por um instante.
"Se perdeu?" ele repetiu, como se não tivesse ouvido direito.
Seungho assentiu, deixando a espada descansar ao lado do corpo. Sua postura relaxada contrastava com o olhar afiado que permanecia firme.
"Eu não sei como vim parar aqui. Pode me ajudar a sair?"
O líder ficou sem palavras, sua expressão oscilando entre incredulidade e irritação. Ele se virou para os outros, procurando apoio, mas encontrou apenas olhares igualmente confusos.
"Ajuda-lo? Você acha que somos uma agência de caridade?" ele rosnou, voltando-se para Seungho. "Você tem ideia do que custou esse portal? Estamos falando de milhões de moedas Astrais! E você aparece aqui, vagando como se fosse um passeio de domingo—"
Antes que ele pudesse continuar, uma mulher do grupo deu um passo à frente, interrompendo-o com um movimento decidido da mão.
"Chega, Kangwoo," ela disse, sua voz firme, mas não hostil.
A mulher era esguia, com longos cabelos vermelhos amarrados em um rabo de cavalo que balançava enquanto ela andava. Sua armadura era leve, mas funcional, e sua presença exalava um misto de confiança e serenidade.
"Kaira, não—" começou o líder, mas ela o ignorou, aproximando-se de Seungho.
"Você está perdido?" ela perguntou, olhando diretamente nos olhos dele.
Seungho a observou por um momento antes de assentir lentamente.
"Sim."
Ela estudou seu rosto, como se procurasse por algo. Então, sem aviso, ela estendeu a mão.
"Meu nome é Choi Kaira. Vamos tirar você daqui."
O gesto simples deixou o grupo em silêncio. O líder, Kangwoo, bufou, passando a mão pelo cabelo em um gesto irritado.
"Isso é uma perda de tempo. Temos um contrato para cumprir!"
"E vamos cumpri-lo," Kaira respondeu calmamente, sem tirar os olhos de Seungho. "Mas ele está aqui agora. Não podemos simplesmente deixá-lo vagando."
"Não podemos?" Kangwoo cruzou os braços, claramente insatisfeito. "Você nem sabe quem ele é!"
"Exatamente," ela disse, virando-se brevemente para encará-lo. "E a melhor forma de descobrir é ajudando."
Seungho manteve-se em silêncio, observando a troca entre os dois. A determinação de Kaira era evidente, assim como o desconforto crescente de Kangwoo. Ele sabia que a situação estava longe de ser resolvida, mas a ideia de receber ajuda—mesmo que temporária—era inesperada.
Kaira voltou sua atenção para ele, seu olhar agora mais gentil.
"Você está ferido? Precisa de algum tratamento?"
Seungho balançou a cabeça. "Estou bem."
Ela analisou rapidamente suas roupas rasgadas e a espada desgastada em sua mão, mas não fez perguntas. Em vez disso, ela gesticulou para os outros membros do grupo.
"Vamos levá-lo de volta ao ponto de entrada," ela disse. "Pode ser que o controle da guilda saiba como ele entrou."
Kangwoo soltou uma risada sarcástica.
"Claro, porque isso não vai atrasar nada. Espero que ele valha a pena, Kaira."
"É minha decisão," ela respondeu, firme.
—
O grupo começou a se mover, Kaira liderando o caminho enquanto Seungho a seguia de perto. Atrás deles, os outros caçadores trocavam olhares e cochichos, claramente desconfiados.
Seungho permaneceu em silêncio, mas seus olhos atentos absorviam cada detalhe—os equipamentos deles, suas formações, a tensão não dita que pairava no ar.
E no fundo, não podia deixar de se perguntar: ele realmente havia saído daquele Abismo assim, depois de anos?