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Memórias Sombrias - Esther (1)

INTERLÚDIO - Baker Beach, São Francisco (US-CA) (26 de junho, 2007 D.C.)

— Hm?

Esther viu, diante de si, uma bela praia, enquanto o sol já se preparava para sumir no horizonte.

— Esse lugar…

Após contemplar o local, Esther percebeu estar no colo de um homem branco, alto e com uma respeitosa barba. Além disso, o cheiro de maresia e o som das ondas causaram-lhe uma sensação nostálgica.

— Papai?

— O que foi, minha filha? Que cara é essa?

— Eu sou uma criança!?

— É claro que é. Uma muito bonita, por sinal. — respondeu o homem em tom de risada.

— Ei, olhem pra cá, vocês dois! — gritou uma mulher que segurava uma câmera.

— Sorri pra foto, filha.

O flash e o alto som de um clique confirmaram que uma foto havia sido tirada.

— Uau, essa vai ficar ótima! — disse a mulher, pegando a foto ainda não revelada em mãos.

— Mamãe?

— Tá tudo bem com você hoje, Esther? É sua mãe, não tá vendo?

— Eu…

Então, a pequena Esther teve sua cabeça acariciada por seu pai George, que olhava paraela com um sorriso.

— Aí, Yasmine! Vem aparecer em uma foto com a gente!

— Você sabe que eu prefiro só tirar as fotos, amor.

— Ah, vai! Só dessa vez! Hoje é o aniversário de seis anos da sua filha. Só uma pra gente guardar de recordação.

— É isso aí! Vamos tirar uma foto, mamãe! — Esther gritou animada.

— Eu passo dessa vez. Vamos deixar pra uma próxima.

— Ah… Claro, claro. — George assentiu desapontado.

Até que, o clima foi repentinamente interrompido pelo gritar de um homem.

— Ei, George! Vem aqui pra gente dar uma volta! Quero conversar contigo um pouco!

— Papai, aquele homem é igualzinho a você!

— Eu sei, eu sei. — George riu. — Aquele é seu tio David, meu irmão gêmeo.

— David!?

— Ué, esqueceu de mim, Estherzinha? — o homem perguntou se aproximando.

— Não… Desculpa, tio.

— Pode cuidar dela enquanto eu vou lá, amor?

— Claro! — respondeu Yasmine.

Após algum tempo sentadas à beira da praia, mãe e filha presenciaram o sol sumir completamente, fazendo a lua tomar conta do céu.

— Mamãe, a praia é meu lugar favorito!

— Eu sei, por isso que te trouxemos aqui hoje.

— Eu queria que nós três viéssemos mais vezes aqui. Mas, você nunca quer vir.

— Eu sei filha, me desculpa por isso.

— Não tem que se desculpar. É só vir mais vezes, oxi.

— Filha, eu… Escuta, eu sei que não sou muito participativa na sua vida, mas, a tendência é que as coisas só piorem.

— Hm? Mas, por quê?

— Eu nem sei se vou poder ver você se formar na escola. Mas, sei que você vai se tornar uma grande mulher. Sobre o seu pai, eu sei que ele é meio chato com esses compromissos de princesa, mas acredite, ele quer o melhor pra você e pra nossa família. Mesmo assim, não deixe essas coisas ditarem quem você deve ser ou o que deve fazer. Seja apenas você mesma, porque o seu bem-estar tem que estar acima de qualquer coisa.

— Tendi nada, mamãe.

— Um dia você vai entender.

— Bem, mas por que você não vai poder ver eu me formar? Eu deixo você ir, não tem problema.

— É… Claro, claro! Mas, olha aqui, Esther. Eu tenho uma brincadeira muito legal pra te ensinar!

Então, Yasmine pegou uma pedra chata e arremessou contra a água, fazendo-a quicar cinco vezes.

— Uau, que incrível, mamãe! Eu quero fazer também!

— Que bom que gostou. Pega essa pedra aqui, ela é boa.

Na tentativa de imitar sua mãe, Esther lançou a outra pedra em direção à água. Porém, a pedra quicou apenas uma vez, afundando em seguida.

— Ah, não acredito nisso! — Esther reclamou.

Logo atrás, a menina pôde escutar alguém rindo bem baixinho.

— Hm?

Assim que se virou, ela viu sua mãe tentando segurar a risada. Então, Esther começou a rir junto de Yasmine e as duas caíram na gargalhada.

VAGREYÚQVB - Erfvqêapvn qbf Jevtug, Fãb Senapvfpb (HF-PN) (Zneçb, 2225 Q.P.)

O corpo de Esther Wright flutua em meio ao absoluto vazio.

— Mamãe? Papai?

Enquanto isso, suas memórias, perdidas em meio ao tempo, emitem uma cacofonia distorcida.

— Quem sou eu?

— Essa sensação de que todos te conhecem, menos você… Acho que te entendo. — diz uma voz feminina.

— O quê!? Me entende? Quem é você?

Nesse momento, Esther vislumbra sua própria face, como se estivesse olhando para um espelho.

— Você… Sou eu?

— Todos sabem a sua maneira de se portar, sabem como você pensa e como vai agir.

— Mas, eu não sei como eu deveria agir. Como Esther Wright deve agir?

— Mas, será que você é mesmo Esther Wright?

— Eu…

— Talvez você só seja uma mulher que pensa ser a Esther.

— Não! Eu tenho certeza de que sou a Esther Wright, cacete!

— Um ser sem memórias é uma existência sem significado, sem propósito. Você não pode comprovar quem você é, nem ao menos comprovar que você existe de fato.

— Eu…

— Você não deveria existir.

INTERLÚDIO - Residência dos Wright, São Francisco (US-CA) (15 de setembro, 2009 D.C.)

A princesa presenciava sua mãe chorando escondida com uma certa frequência, mas ela nunca foi capaz de compreender o motivo de tanta tristeza. Até que na madrugada de quinze de setembro de dois mil e nove, um barulho desagradável fez a pequena Esther despertar.

— Hm?

Ao sair de seu quarto, a luz do banheiro acesa no final do corredor chamou a sua atenção. Então, ela caminhou tranquilamente até o local.

Chegando lá, Esther viu alguém na frente da porta. Um homem que estava estático, quieto, observando atônito àquela situação.

Então, a menina olhou para o interior do banheiro.

Logo ela viu o corpo de sua mãe estirado sobre os azulejos.

— Mamãe?

Assim que o homem notou a presença de Esther, imediatamente voltou a si e, correndo pelos corredores, gritou:

— Precisamos chamar uma ambulância!

Aquele homem era George Wright, o pai da menina.

Ainda assim, ela não era capaz de entender o que estava acontecendo.

Então, Esther se aproximou de sua mãe e perguntou:

— Tá tudo bem com você, mamãe? O chão parece frio…

Mas, ela não obteve resposta. Enquanto isso, na mão de sua mãe estava uma caixa cheia de remédios fortes.

— Mamãe, você tá aí? Fala comigo!

Mesmo assim, Esther era incapaz de entender o que estava acontecendo.

— Mamãe!

Ela gritou e chorou, mas de nada adiantou, pois Yasmine não estava mais lá. Aquela foi a última vez que Esther Wright viu o rosto de sua mãe.

INTERLÚDIO - Centro de Formação EDEN, São Francisco (US-CA) (15 de setembro, 2014 D.C.)

— Caramba, Esther… Então, foi isso que aconteceu com a sua mãe? — disse Abigail, a melhor amiga de Esther.

— Hoje faz cinco anos que ela morreu…

— Eu nem sei o que te dizer, amiga. Não sei o que seria de mim sem minha mãe.

— Eu lembro de pouca coisa dela, mas sei que era alguém especial.

— Por que ela se matou? Ela não gostava de vocês?

— Eu não sei…

— Ei, meninas! Que caras são essas!? — gritou Emma, uma colega de classe.

— Você nunca vai entender a dor da Esther, Emma!

— É verdade. Eu nunca ficaria triste se tivesse tantos garotos atrás de mim.

— Hm…

— Fala sério, Esther! Isso não te anima nem um pouquinho? — perguntou Emma.

— Acho que não.

— Olha, se isso aqui não te animar, eu não sei se algo vai.

Então, Emma tirou de seu bolso algo que se parecia com uma carta.

— O que é isso?

— Uma cartinha de amor pra você, sua boba!

— Uma cartinha de amor? De você pra mim?

— O quê!? Claro que não!

— Então, onde você arrumou isso?

— Tava dentro do seu armário da escola.

— Por que você tava mexendo no meu armário?

— Ah… E… Eu… Olha, ninguém mandou esquecer ele aberto!

— Você é muito fofoqueira, Emma. — Abigail comentou.

— Caramba! Só lê a droga da cartinha logo! Eu quero saber de quem é!

— Tá bom, eu leio.

"Oi EStHer. Não sEi se vocÊ Vai Ler IssO MaS, qUEria dizEr que aCho Que eStOu apAiXonaDo poR VOcê Eu NãO sEi coMo FaLar cOM voCê nãO acho Que coNsiGo. Não SoU pOPular cOmo VoCê nEm eNgraCado NeM sei pOrQue to esCreVendo mAs quEria que vOcê sOuBEsse."

— Que caligrafia péssima…

— Caramba, que fria! — exclamou Abigail.

— Isso é tudo que você tem pra dizer, Esther!?

— Ué, a pessoa não se identificou e eu não faço ideia de quem seja. Acho que não tem mais o que comentar.

— Ah, você é muito chata! Nós precisamos descobrir quem é ele!

— Sério? Não acho que precisamos não.

— Olha, pelo jeito de escrever, deve ser algum garoto mais novo.

— Lá vem…

— Ele disse também que não é um cara popular.

— E?

— E existe um garoto no andar de baixo que nunca tira os olhos de você, que tem essas mesmas características.

— Do que você tá falando, Emma!? Essa é uma descrição muito vaga! — reclamou Abigail.

— Eu tenho certeza do que estou falando! Pode confiar, Esther! A caligrafia também combina!

— Hmm… Qual o nome dele?

— O nome dele é Jim. Um rapaz ruivo que sempre senta sozinho. Dizem que ele é muito inteligente.

— Tá bom, me dá essa cartinha aqui! Eu vou perguntar pra ele. — disse Esther, levantando-se da cadeira.

— Uau, que corajosa! — gritou Abigail.

— Elas crescem tão rápido…

Em seguida, Esther foi até o andar inferior para confrontar seu suposto admirador secreto.

— Eu tô procurando por um tal de Jim! — gritou, enquanto chutava a porta da sala.

Nos fundos da classe vazia, estava sentado o rapaz, que comia silenciosamente o seu lanche.

— Espera, você realmente tá aqui!? — Ela gritou com surpresa. — Por que você tá aqui sozinho durante o recreio? Todos os seus amigos estão lá fora!

E o garoto não respondeu.

— Ei, tá me ouvindo!? Escuta aqui, garoto. Foi você quem escreveu essa cartinha?

Ao se aproximar mais, a garota percebeu que o rapaz estava tremendo de medo.

— Ei, fica calmo! Eu não vou fazer nada com você!

— Eu… Eu…

— Só me responde, por favor. Foi você quem escreveu?

O rapaz assentiu com a cabeça.

— E o que você quer de mim, garoto?

— Me desculpa, por favor! Me desculpa! Eu não queria te incomodar! Que idiota, eu não deveria ter escrito isso!

— Ei, calma aí!

— Hã?

— Tá tudo bem, relaxa. Assim, a caligrafia é meio feia, mas até que é uma cartinha legal.

— O quê? Sério? Você gostou?

— É… Acho que sim. Mas, me responde uma coisa: o que você pretendia com isso?

— Eu… Eu quero me casar com você… — diz ele de maneira hesitante.

— O quê!? Pera aí, isso foi muito inesperado! Quantos anos você tem?

— Eu tenho onze.

— Olha, pensando bem, são só dois anos de diferença. Mas, acho que somos muito novos pra casar, não?

— Acho que sim… — diz o rapaz com desânimo em sua voz.

— Olha, vamos combinar uma coisa, Jim. Se você ficar mais alto que eu e forte o suficiente para me proteger, eu vou me casar com você.

Nesse momento, o corpo do garoto congelou dos pés a cabeça.

— Ei, não precisa me encarar assim. É só daqui a uns 20 anos, hein!

— O quê? É sério mesmo?

— Você sabe que eu tô falando a verdade. — respondeu Esther com um sorriso.

— Jura de dedinho? — diz Jim, levantando seu dedo mindinho.

— Juro de dedinho.

— Então, eu prometo que vou ficar forte o bastante para te proteger, Esther.

Apesar de ser uma garota de palavra, Esther havia feito aquela promessa apenas para animar o garoto, acreditando que Jim nunca seria capaz de cumprir sua parte.

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— Jim!? Ele é o Jim Crooks!? Por que eu tô lembrando disso agora!?

— Quem sabe? — afirma a mulher com a mesma aparência de Esther.

— Se ele for mesmo o Jim Crooks, por que não disse que já me conhecia? Isso não faz sentido…

— Talvez ele também tivesse coisas a esconder.

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