Enquanto Saymon aterrorizava Castiel e Nina, alguém corria em direção ao local, tropeçando ocasionalmente no chão, mas logo se levantava. Ele sabia que sua irmã estava em perigo, pois sentia os golpes atravessarem seu corpo. Apesar disso, não sofria danos diretamente, já que transferia toda a dor para um corpo morto, uma habilidade limitada a quinze minutos.
Não havia corpos mortos por perto enquanto corria, mas sua mente, tomada pela urgência de ajudar a irmã, recusava-se a desacelerar. No fundo, acreditava que o tempo restante seria suficiente.
Antes de deixar a batalha contra Karma, ele havia estabelecido a conexão com um corpo tocando nele, o que lhe garantia ainda treze minutos de proteção. Contudo, os ferimentos que passavam por ele faziam-no cair antes de retomar o percurso.
A angústia crescia a cada nova queda, e ele tinha certeza de que era um espadachim que enfrentava sua irmã. Por um instante, duvidou do desaparecimento de Mito naquela batalha, mas afastou o pensamento para focar em seu objetivo. Enquanto se aproximava, as memórias de seu passado começavam a invadir sua mente. Recordava o instante em que despertara sua habilidade, ainda sem domínio sobre sua aura.
༺══════════⊱◈◈◈⊰══════════༻
Quinze anos atrás.
Em uma pequena casa de tábuas, com apenas uma sala e um quarto, os sons eram perturbadores. Gemidos de uma adolescente ecoavam pelo espaço, enquanto ao lado, outro jovem chorava e implorava desculpas. No centro da cena, o pai impiedoso, desferia golpes na garota.
— Eu te disse para sempre esconder esse seu rosto!
— Me desculpe…
— Cala boca! Esse seu rosto me irrita!
O pai deles havia se tornado uma pessoa perturbada, com a mente fragmentada após eles passarem pela puberdade. Ele deixou de ser aquela pessoa amorosa em que acreditavam e transformava-se em alguém irreconhecível.
— Aquela vadia… porque…
Ele começou a estrangular o pescoço dela, e a consciência se esvaziava pouco a pouco.
— Pa… pai…
— Não me chame disso!!!
Zefis não suportou ver sua irmã sendo estrangulada. Em um ato desesperado, tentou intervir, mas era fraco demais para conter aquele homem robusto, com olhos negros tomados por uma fúria violenta.
Ele levantou-a no ar e apertou ainda mais seu pescoço. Zefis desesperado ao perceber que não tinha força para enfrentar um soldado, recorreu a um golpe baixo e acertou as bolas do agressor. Ele imediatamente soltou sua filha e desviou a atenção para o garoto. Lentamente, afastou os longos cabelos que cobriam seus olhos com um sopro e fixou o olhar frio em seu filho, que, tomado pelo arrependimento, enfrentava agora o peso das consequências de sua ação.
— Esses olhos…
Encarou com uma mistura de decepção e raiva. Por um momento, permaneceu imóvel, como se estivesse medindo o peso daquela afronta. No entanto, ele não o atacou. Em vez disso, voltou o olhar para sua filha, e disse:
— Tudo sua culpa!
Voltou a atacá-la com violência. Seu irmão tentou segurá-lo, desesperado para detê-lo, mas sua força era insuficiente para conter a fúria do seu pai.
— Por quê?! Eu te dei tudo e mesmo assim… mesmo assim escolheste morrer…
— Papai… eu não sou a mamãe…
— Cala boca!
Com um chute brutal no rosto, Nana perdeu a consciência. No entanto, o fim era apenas da agressão física. O homem, ainda consumido pela raiva, pegou um pedaço de pau encostado na parede.
— Esse rosto… vou destruir!
Zefis, diante daquela cena horrível, começou a acreditar que sua irmã não sobreviveria. Seu coração disparou, e sua mente parecia processar informações que ele mal conseguia compreender. Naquele instante, as sensações que percorriam seu corpo eram relacionadas à sua própria habilidade e codificava sem ele saber como ou por quê. No entanto, algo dentro dele o guiava.
Desesperado, se aproximou e tocou a sua irmã, mas, antes que pudesse impedir, o seu pai desferiu o golpe e atingiu o rosto dela. Nesse momento, ele sentiu uma dor intensa em seu próprio rosto.
— Quê? Por que não sofreu dano?
Continuou, mas parecia que seus ataques já não causavam o efeito esperado. Após alguns momentos, ele parou com uma dúvida visível em seu olhar, e logo depois se afastou, deixando ambos inconscientes no chão.
Uma hora se passou até que Zefis acordou, confuso, sem compreender totalmente o que havia ocorrido. Logo depois, Nana também despertou, e seu olhar, carregado de desprezo, se fixou no seu irmão. Ele, sem saber o que dizer, desviou o olhar. No entanto, depois de um momento de silêncio, reuniu coragem e perguntou:
— Irmã, estás bem?
— Como eu estaria? A culpa é toda sua! Por causa desse seu rosto… ele sempre vai descontar em mim todo o seu sofrimento!
— Mas eu…
— Cala boca, eu te odeio!
A rotina de violência se repetia noite após noite, mas a sua irmã não compreendia o que acontecia. O sofrimento que ela deveria sentir era transferido para Zefis, que sempre se retirava para um canto isolado, onde ninguém o visse, e ali sofria em silêncio. Embora os danos não fossem visíveis em seu corpo, ele carregava em si todas as feridas que sua irmã deveria ter enfrentado, e só o tempo podia curá-lo. Mas, apesar da dor, ele sentia uma estranha satisfação por ajudá-la.
Certo dia, algo diferente aconteceu. O pai deles, insatisfeito, decidiu atacar sua filha de uma forma diferente.
O único prazer que ele ainda tinha era agredi-la, que o fazia lembrar da sua esposa falecida. Mas, quando Nana viu o que o seu pai carregava nas mãos, começou a correr. O homem, tomado pela raiva, a perseguiu e cortou tudo com a espada longa que destrinchava a casa com cada corte.
Zefis, curioso com o barulho, correu até a sala e viu sua irmã ser perfurada na barriga. Ele caiu no chão e gritou de dor com o corpo se contorcendo. Mas naquele momento, Nana observou o seu irmão e compreendeu o que estava acontecendo.
Lagrimas começaram a escorrer de seus olhos, e algo dentro dela se rompeu. Pela primeira vez, ela não aguentou mais. A fúria reprimida explodiu e, com força, ela segurou a espada.
— Vou te matar escroto imundo!
Ao perceber a fúria da filha, o homem sorriu de prazer e tirou a espada do corpo dela com facilidade.
— Finalmente… era isso que eu queria ver. Sua traidora. Morra!
Ele balançou a espada com força e cortou sua própria filha. No entanto, em vez de Zefis sentir toda a dor como de costume, ele apenas sentia o tormento das feridas anteriores.
De repente, algo estranho aconteceu: uma linha apareceu no corpo do pai deles, como se fosse uma rachadura que se expandia rapidamente. Antes que pudesse reagir, o homem caiu no chão, partido ao meio.
Depois da morte dele, os irmãos foram adotados por Castiel, e Zefis havia perdido as memórias da sua família e origem. E Nana acreditou que seria melhor assim e nunca disse serem irmãos até ele mesmo descobrir depois, e novamente ativar sua habilidade em prol de proteger a sua irmã.
Logo depois, uma revelação surgiu, que explicou o comportamento do agressor. Descobriu-se que ele havia voltado de uma caça aos demônios na cidade com duas crianças em suas mãos, afirmando serem seus filhos. No entanto, Castiel, com base em suas observações, sugeriu que esses filhos não eram de fato dele.
O seu filho, com sua aparência tão semelhante ao irmão mais velho do pai, fazia com que essa teoria parecesse mais plausível. No entanto, o que mais impressionava nas informações reveladas era que a mãe deles não era casada com o suposto pai, mas sim eram noivos.
Atualmente, enquanto observava sua irmã chorando por ele, algo que jamais havia presenciado antes, Zefis sentiu uma felicidade profunda, algo que nunca experimentara. Sentia que, apesar de todo o sofrimento, havia finalmente feito algo certo por ela. Com seu último suspiro, enquanto a dor o consumia, pensou:
Eu te amo, irmã.