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Capítulo - 06

Eu não tinha mentido, não completamente. Na verdade, eu tinha omitido. Era diferente, não era?

A questão era que eu realmente estava com anemia... mas também um aneurisma perto de estourar.

Os exames mostravam que eu não estava bem, não como eu achava que estava. Não como eu dizia que estava. Mas as pessoas não precisavam saber disso, pelo menos não agora.

Eu tinha tomado um banho quente e vestido um pijama, depois me deitei na cama e ali permaneci, me questionando se eu deveria contar aquilo à minha mãe. E se fosse contar, como eu contaria.

O pior de tudo era que não tinham estipulado um tempo para mim. Eu podia ter cinco anos pela frente, assim como podia ter cinco dias. O que me levava a pensar no que eu faria nesse longo pequeno tempo.

Vivi em busca de realizar os meus sonhos, mas agora não teria tanto tempo para fazer isso.

Martina demonstrou preocupação ao me ver tão pálida, e eu tive que dizer que era apenas um mal-estar e que precisava descansar.

Já Lorenzo era alguém que eu não podia entender. Ele ficou horas no hospital me esperando e veio correndo quando me viu sair, depois insistiu em me dar carona e sorriu quando começou a chover. Além de ficar perguntando o que constava nos resultados dos meus exames. Mas quase que do nada ele mudou, parecendo não se importar mais, ou parecendo arrependido de chegar a se importar.

Balancei a cabeça para afastar a teia de pensamentos que me deixavam confusa. Eu só sabia de uma coisa, ele não ia fazer uma cara muito boa quando eu apresentasse o atestado dado pelo médico.

Três batidas na porta.

— Entre.

Como se tivesse sido invocado pelos meus pensamentos, Lorenzo entra no meu quarto carregando uma bandeja com uma só mão. Um aroma delicioso de tempero tomou o cômodo.

— Não pense que eu estou aqui por vontade própria — ele se adiantou em dizer.

— Eu não esperaria que estivesse — rebati.

Lorenzo me olhou emburrado, depois se ocupou em colocar a bandeja na minha cama. Não fiz cerimônia ao atacar o ensopado e o pão caseiro que ele trouxera, com certeza a mando de Martina.

Ele permaneceu de pé no meio do quarto, e parecia querer falar algo. Caso contrário já teria me dado as costas a muito tempo.

Foi o que me levou a dizer:

— Mas você não está aqui apenas para alimentar a fera — falei um pouco baixo.

— Pelo menos concordamos na parte da fera — foi a vez dele de rebater. — E tem razão, estou aqui por outro motivo também.

Mergulhei o pão na sopa e o levei a boca me deliciando com o tempero italiano de Martina. Toda a Roma deveria experimentar as maravilhas que eram as comidas dela!

Lorenzo puxou a cadeira da escrivaninha e se sentou de frente para mim.

— Quero falar sobre o que aconteceu no restaurante hoje... Na verdade, quero me desculpar corretamente — disse.

Se desculpar? Se desculpar pelo quê?

— Espera aí. Você quer se desculpar por chamar a ambulância? — Quase ri.

Ele franziu as sobrancelhas.

— Não, quero me desculpar pelo que eu fiz.

— Não estou entendendo, você não fez nada. — Balancei a cabeça confusa.

Me disseram que eu poderia ter algumas falhas curtas de memória, mas não havia acontecido até agora. Apesar disso, eu sabia que ele não havia me feito nada. É claro, tinha sido grosso desde o teste, mas nada além.

— Do que você se lembra de hoje? — ele perguntou se inclinando para frente.

Larguei o pão na bandeja, havia perdido a fome com aquela conversa.

— De acordar, ir trabalhar e desmaiar, depois o hospital e todo o resto que você já sabe.

— Certo, mas do que se lembra entre o intervalo do almoço até o desmaio?

Busquei na memória algo que pudesse me ajudar.

— Me lembro apenas de responder as mensagens da minha mãe e de conversar com você. — Continuei sem entender muita coisa. — Quer me dizer o que está acontecendo? — pedi irritada.

O olhar de Lorenzo pareceu se iluminar.

— Como foi a sua primeira noite aqui na pensão? Como foi o jantar? — ele disparou perguntas.

Me encolhi.

— Foi normal — respondi receosa. — O que você está fazendo?

Ele balançou as mãos.

— Estou apenas conferindo se está tudo certo — respondeu de modo um tanto triunfante. — Preciso ir, tenha um excelente descanso.

E com isso ele foi embora, me deixando completamente confusa.

Minha mãe agiu exatamente do modo que imaginei, ela surtou comigo. Fiquei longas horas deitada na cama ao celular respondendo as milhões de perguntas que ela me fazia. Eu já não sabia se quem falava era o lado mãe dela ou o lado médica. Só sei que em algum momento eu peguei no sono.

No meu sonho haviam flashes do dia anterior, parte deles eram como peças perdidas de um quebra cabeça, mas que foram achadas e que agora completavam a coisa toda.

Tentei não forçar minha mente a lembrar com detalhe quando acordei, algo me dizia que eu deveria ter cuidado.

Martina veio pessoalmente me chamar para o café da manhã, segundo ela haviam três tipos diferentes de bolo e croissants quentinhos. Descemos as escadas com os braços enlaçados, como se fôssemos amigas há muitos anos.

Tive uma sensação de dejavú quando chegamos a sala de jantar e Lorenzo estava colocando algo sobre a mesa.

Aquilo já havia acontecido antes, tinha quase certeza disso.

Ele deu um sorriso para a avó e mal olhou para mim. Não que eu me importasse, de qualquer modo.

Me ocupei com empilhar a comida no meu prato e caprichar no açúcar no cappuccino. A maioria dos italianos que eu tinha visto no período em que estava aqui bebiam seu café sem açúcar e sem fazer careta alguma, o que me levou a tentar uma vez para nunca mais querer de novo.

Martina falava de um festival de comida que teria na cidade dali há alguns dias, Lorenzo apenas continuava lendo o jornal e bebericando de sua xícara.

— Cada estabelecimento vai oferecer um prato para o evento, o dinheiro das vendas será usado para investir em orfanatos — Martina explicou quando perguntei como funcionava. — Faz tempo que não temos um festival desses por aqui.

Eu já podia imaginar as barracas coloridas, as comidas carregando o amor de cada um que as fez, a música e as danças.

— Vamos participar, não vamos? — disparei empolgada.

— Bem, isso vai depender se você e Lorenzo quiserem. Estou velha demais para cozinhar o dia inteiro — respondeu ela olhando o neto de esguelha.

Lorenzo repousou a xícara na mesa com os olhos ainda no jornal.

— Sem chances, vovó. A senhora sabe que eu não gosto desses eventos — disse ele.

Senti a animação de Martina se esvair.

Ah, eu não podia deixar isso acontecer.

— Mas é um festival e todos vão participar — me intrometi. — Além disso somos cozinheiros, deveria ser um prazer cozinhar para tantas pessoas assim.

Ele levantou os olhos para me encarar.

— As pessoas vão pagar pela comida? — indagou.

Assenti e respondi:

— Sim, elas vão.

— Vão pagar para nós?

Fiquei sem acreditar no que eu escutava. Ele queria apenas ganhar dinheiro e não que sua culinária fosse reconhecida pelo que é?!

— Você só pode estar de brincadeira — ri cética. — É um evento beneficente!

Lorenzo largou o jornal em cima da mesa e cravou os olhos nos meus.

— Se está tão interessada participe você, afinal você sempre se intromete em tudo mesmo — rebateu ele.

Balancei a cabeça.

— Do que você está falando? Estou tentando ajudar Martina a...

— Estou falando exatamente disso! Você sempre quer "ajudar", como quando a induziu a não cobrar você pela estadia aqui.

— Lorenzo! — Martina exclamou.

Eu não havia feito nada disso, não mesmo.

Não consegui ouvir nada que ele e a avó discutiam, meus ouvidos pareciam se recusar a funcionar. Me retirei da sala e corri escada a cima querendo chegar ao meu quarto o mais rápido possível.

Nada do que Lorenzo falou fazia sentido na minha cabeça.

Será que eu tinha perdido essas memórias quando tive o desmaio? Era de algo assim que eu não conseguia me lembrar?

Eu não saberia. Não se não me lembrasse.

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