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Kaori

O som dos estudantes conversando e rindo preenchia o ambiente enquanto eu caminhava pelos corredores da escola, cercado pelo ritmo constante de mais um dia rotineiro. O brilho suave da luz matinal atravessava as janelas, criando padrões de sombras que dançavam pelas paredes. Eu me encontrava em um daqueles momentos em que a familiaridade do ambiente trazia uma sensação de conforto, mas também uma inquietação silenciosa.

Encontrei Seiji e Rin em nosso lugar habitual, perto dos armários, discutindo animadamente sobre o último lançamento de um jogo. O entusiasmo deles era contagiante, e mesmo antes de me aproximar, podia ouvir a excitação na voz de Seiji enquanto ele descrevia algum novo recurso que tinha acabado de descobrir.

— Esse novo modo cooperativo é insano, Shin! — disse Seiji, quando cheguei ao lado deles. — Você precisa ver isso, é um verdadeiro teste de trabalho em equipe.

Eu sorri, sentindo uma leve pontada de nostalgia ao pensar em quanto tempo fazia desde que tínhamos jogado juntos.

— Parece incrível — respondi, já imaginando as horas de diversão que poderíamos ter. — E que tal jogarmos hoje à noite? Todos nós livres, como nos velhos tempos?

Seiji e Rin assentiram, mas no mesmo instante, uma lembrança me atingiu como um balde de água fria. O trabalho de meio-período. Eu havia começado a trabalhar na biblioteca e me esquecido completamente disso.

— Na verdade... — comecei, sentindo um pouco de constrangimento. — Esqueci que começo meu novo trabalho hoje. Vai ter que ficar para outro dia.

Os dois me olharam com surpresa. Seiji foi o primeiro a reagir.

— Trabalho? Você? — Ele soltou uma risada. — Isso é sério? Onde você arranjou isso?

— Na biblioteca daqui perto — respondi, tentando não dar muita importância. — Achei que seria uma boa ideia ganhar um pouco de dinheiro extra e, de quebra, ficar perto de alguns livros.

Rin apenas observava, como sempre, mas notei um brilho de curiosidade em seus olhos. Seiji, por outro lado, não perdeu tempo.

— Nunca imaginei você trabalhando em uma biblioteca. Parece... tranquilo demais para você — comentou ele, ainda com um sorriso. — Mas se é isso que você quer, então bom trabalho!

Concordei com um aceno de cabeça, aliviado por ter adiado nossa jogatina para outro dia.

As aulas começaram logo em seguida, e assim como em outros dias, passaram como um borrão. Eu estava presente fisicamente, mas minha mente estava em outro lugar. De vez em quando, lançava olhares furtivos na direção de Yuki, que estava concentrada em suas anotações.

Eu não conseguia parar de pensar na nossa conversa casual de ontem pelo celular. Será que ela via algo a mais em mim? Ou estava apenas sendo educada? Essas perguntas me assombravam, mas eu não encontrava resposta.

Quando finalmente chegou a hora do almoço, segui Seiji e Rin até a cantina, onde pegaríamos nossas refeições e encontraríamos um lugar para sentar. Estávamos no meio de uma conversa descontraída sobre os eventos da manhã quando notei Yuki se aproximando. Meu coração disparou instantaneamente. O que ela queria? Por que estava vindo falar comigo?

— Shin, você pode me acompanhar por um momento? — a voz suave de Yuki ressoou com uma determinação inesperada.

O olhar de Seiji e Rin pesou sobre mim. Seiji, sempre o brincalhão, arqueou uma sobrancelha, um sorriso malicioso surgindo em seus lábios. Rin, em contraste, permanecia quieto, seus olhos analisando cada detalhe da situação. Senti meu rosto esquentar, uma onda de nervosismo se espalhando pelo meu corpo.

— Claro — respondi, tentando manter a voz firme, mas a leve tremulação traiu a excitação nervosa que eu sentia. Meu coração batia forte, ecoando na minha cabeça enquanto a seguia pelo corredor.

O som dos passos de Yuki se mesclava com o barulho distante dos corredores, mas minha mente estava focada apenas nela, tentando decifrar suas intenções. Chegamos à máquina de vendas, e o silêncio pairou entre nós enquanto ela pegava um refrigerante. O clique da lata caindo na bandeja de metal pareceu mais alto do que o normal, quase como um sinal de alerta.

Quando ela se virou para mim, um sorriso tímido apareceu em seus lábios enquanto estendia a bebida. Seu gesto, tão simples, carregava uma estranha carga emocional que me pegou desprevenido.

— Queria te agradecer mais uma vez por ter encontrado aquilo para mim — disse Yuki, com um olhar que me fez prender a respiração.

Senti o alívio se espalhar por meu corpo ao perceber que era apenas um agradecimento. Mesmo assim, a surpresa ainda me rondava.

— Não precisava fazer isso — murmurei, aceitando a lata. Meus dedos roçaram os dela por um breve instante, e uma faísca de eletricidade percorreu meu braço. — Mas obrigado.

O sorriso dela se alargou, e por um momento, nossos olhares se entrelaçaram, e eu me perdi em seus olhos, tentando entender o que mais poderia estar por trás daquele gesto. Mas antes que eu pudesse encontrar as palavras certas, ela se afastou com uma leve aceno, retornando ao seu grupo de amigos

Voltei para onde Seiji e Rin estavam, o refrigerante na mão, tentando processar o que havia acontecido.

Enquanto caminhava pelos corredores barulhentos, minha mente voltou à primeira vez que fui ao clube de literatura. Desde então, não tinha retornado. A única razão para ter ido lá naquela vez foi por causa de Rintarou. Agora, me sentia culpado por ter abandonado algo que poderia ser importante. Talvez hoje fosse o dia certo para voltar, encontrar alguma inspiração ou distração.

Sentado na mesa de almoço com Seiji e Rin, mal prestei atenção na conversa. Minha mente ainda estava ocupada com pensamentos sobre Yuki e o clube de literatura. Seiji, sempre perspicaz, percebeu meu estado de espírito.

— Ei, Shin — começou ele, com um tom brincalhão. — O que a Yuki queria com você? Estão namorando ou algo assim?

Minha reação foi imediata e exagerada.

— Não! — quase gritei, sentindo meu rosto corar novamente. — Ela só queria me agradecer por ter ajudado com uma coisa.

Seiji riu, mas Rin permaneceu em silêncio, observando a troca com seus olhos analíticos. Ele sempre foi o mais quieto do grupo, mas havia algo no olhar dele que sugeria que ele entendia mais do que dizia.

O almoço terminou rapidamente, e as aulas seguintes passaram em um piscar de olhos. Quando o último sinal do dia soou, senti uma mistura de alívio e determinação. Era hora de visitar o clube de literatura. Enquanto caminhava pelos corredores, cada passo parecia mais leve, como se a decisão de ir ao clube estivesse me libertando de algo que nem eu sabia que me prendia.

Ao chegar na porta do clube, hesitei por um momento antes de entrar. O ambiente era acolhedor, com estantes de livros forrando as paredes e uma mesa central rodeada por cadeiras confortáveis. A atmosfera ali dentro contrastava com o caos dos corredores. Foi aí que a vi Kaori. Seus olhos brilhavam ao me ver, e ela se aproximou imediatamente.

— Shin! — exclamou ela, com um sorriso largo. — Fico feliz que tenha voltado! Já leu o livro que te recomendei? O que achou?

Eu sorri de volta, surpreso com a energia contagiante dela.

— Sim, achei interessante — respondi, tentando acompanhar o entusiasmo dela.

Os olhos dela brilharam ainda mais, e antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, ela começou a fazer uma série de perguntas sobre o que eu achei do livro, o que me prendeu a atenção, se eu concordava com as ideias apresentadas. A maneira como ela falava era fascinante, como se cada palavra que saísse de sua boca fosse carregada de paixão e entusiasmo. Era difícil não se deixar levar por essa energia.

Após essa enxurrada de perguntas, consegui me sentar em uma mesa mais afastada, cercado por alguns livros e com papel e caneta à frente. Minha intenção era reunir ideias para a história que estava escrevendo para o concurso, mas a presença de Kaori continuava a me distrair, de uma maneira que eu não esperava. Foi então que, de repente, senti uma sombra se formar sobre o papel. Levantei os olhos e vi Kaori inclinada sobre o meu ombro, curiosa.

— O que você está escrevendo? — perguntou ela, com um sorriso travesso.

Tomei um leve susto e instintivamente tentei esconder o que estava no papel.

— Ah, nada demais... — murmurei, tentando disfarçar minha vergonha. Mostrar o que eu estava escrevendo ainda me deixava nervoso, mesmo que Seiji e Rin já tivessem lido alguns trechos antes.

Kaori, no entanto, não parecia disposta a desistir tão facilmente. Ela continuou insistindo, com um brilho curioso nos olhos, até que finalmente cedi e mostrei o que estava escrevendo.

— Mas é segredo, ok? — pedi, sentindo meu rosto esquentar mais uma vez. — Estou escrevendo uma história para um concurso.

Os olhos dela se arregalaram em surpresa, e um sorriso maroto apareceu em seus lábios.

— Uau, isso é incrível, Shin! — exclamou ela, encantada. — Posso dar uma olhada?

Eu hesitei, mas, ao ver o entusiasmo sincero dela, acabei concordando. Kaori se sentou ao meu lado, analisando cada palavra no papel com uma concentração que eu não esperava dela. Após alguns minutos, ela começou a apontar alguns erros e dar críticas construtivas, algo que me pegou completamente desprevenido.

— A história é interessante, mas acho que você pode melhorar aqui e aqui — disse ela, pegando a minha caneta e começando a anotar as mudanças que sugeria. — E que tal adicionar algo assim?

Fiquei surpreso ao ver como ela apontava coisas que eu nem tinha percebido. Pequenos detalhes que poderiam fazer uma grande diferença. Eu a observei, admirado. Aparentemente extrovertida e sempre sorridente, eu nunca teria imaginado que Kaori fosse tão perspicaz e inteligente. Ela não apenas entendeu o que eu estava tentando fazer, mas também acrescentou ideias que fizeram tudo parecer mais claro.

— Uau... Obrigado, Kaori. — Eu realmente estava impressionado.

Ela sorriu de volta, feliz por ter ajudado. Eu comecei a ler todas as sugestões que ela anotou, e de repente, novas ideias começaram a brotar na minha mente. Eu estava prestes a anotar algumas delas quando o sinal para o fim das atividades do clube soou.

— Acho que isso é um sinal para ir pra casa — disse ela, levantando-se.

Eu me despedi de Kaori e Rin, que também estava no clube, e saí apressado para meu trabalho na biblioteca.

Enquanto caminhava, minha mente estava ocupada com os pensamentos sobre a história e sobre Kaori. Eu me sentia agradecido por ter alguém tão inteligente e disposta a ajudar como ela. Quem diria que uma garota tão animada pudesse esconder tanto conhecimento?

Chegando à biblioteca, fui recebido pelo bibliotecário com seu sorriso habitual.

— Ah, aí está você — disse ele, com uma expressão amigável. — Sabe, acho que esqueci de me apresentar formalmente da última vez. Meu nome é Arata.

— Prazer em conhecê-lo, Arata. Sou Shin — respondi, retribuindo o sorriso.

Após uma breve troca de palavras, Arata me orientou a começar organizando as estantes de livros por gênero. Peguei alguns livros e comecei a trabalhar, tentando absorver o máximo que podia. Arata também me deu um pequeno treinamento no balcão de pagamento, explicando que eu poderia precisar substituí-lo em algum dia caso ele não estivesse presente.

O tempo passou rapidamente, e antes que eu percebesse, já estava na hora de ir embora. Me despedi de Arata e comecei a caminhar de volta para casa, refletindo sobre os recentes acontecimentos em minha vida. Ajudar Yuki, o conselho de Kaori, o novo trabalho... Tudo parecia estar mudando tão rápido, e eu mal conseguia acompanhar.

Quando cheguei em casa, minha mãe me cumprimentou na porta, com uma expressão curiosa.

— Você chegou tarde hoje, Shin. Onde esteve?

Havia esquecido de avisá-la sobre o novo trabalho.

— Comecei um trabalho de meio-período na biblioteca — expliquei, tentando parecer casual.

Minha mãe ficou surpresa, mas sorriu, compreensiva.

— Um trabalho na biblioteca? Isso parece ótimo. E por que decidiu trabalhar?

— Queria ganhar um pouco de dinheiro extra, e também ficar perto dos livros — respondi, sorrindo de volta.

Ela assentiu, satisfeita, e eu subi para o meu quarto, exausto, mas com a mente ainda a mil. Deitei na cama e peguei o celular, esperando uma nova mensagem de Yuki, mas a tela permaneceu em silêncio.

Foi então que percebi que, se eu queria receber uma mensagem dela, teria que ser eu a iniciar a conversa. Mas, por alguma razão, hesitei. Talvez ainda me faltasse coragem pra isso.

Em vez disso, levantei-me e me sentei à mesa, ligando a luz da escrivaninha. Comecei a escrever as ideias no papel, lembrando de tudo que Kaori havia dito. Cada sugestão dela fazia sentido, e novas inspirações começaram a tomar forma na minha mente.

Enquanto as palavras continuavam a fluir no papel, minha mente começou a vagar, desviando-se das ideias que ela havia me mostrado e voltando-se para algo que eu havia tentado evitar o dia todo: o convite do meu pai para sair no fim de semana.

Era raro ele propor algo assim, e, embora eu soubesse que deveria estar animado com a ideia, a verdade é que isso me deixava inquieto. Fazia tempo que não passávamos um tempo juntos, e não podia negar que uma parte de mim sentia saudade daqueles momentos. Mas, ao mesmo tempo, havia uma distância entre nós que parecia crescer a cada ano.

Eu não sabia mais como me conectar com ele, como antes.

A ideia de passar um fim de semana inteiro juntos me enchia de um misto de ansiedade e expectativa. Será que conseguiríamos nos entender como antes? Ou seria apenas mais um lembrete de como as coisas mudaram? Essas perguntas ecoavam na minha mente enquanto eu tentava me concentrar na história à minha frente, mas o foco já estava perdido.

Suspirei, percebendo que, por mais que eu quisesse ignorar, o fim de semana se aproximava rapidamente, trazendo consigo a promessa de respostas que eu não tinha certeza se estava pronto para enfrentar.

Talvez, apenas talvez, essa fosse uma oportunidade de recuperar algo que eu nem sabia que havia perdido. Ou talvez fosse o início de algo completamente diferente.

Desliguei a luz da escrivaninha e deitei na cama, olhando para o teto enquanto meus pensamentos continuavam a girar. Mesmo com todas as novas ideias e inspirações, o que realmente se destacava naquele momento era a incerteza do que estava por vir. Eu não sabia o que esperar do fim de semana, mas algo me dizia que, de um jeito ou de outro, isso mudaria tudo.

E, pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia se isso era algo bom ou ruim.

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