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Grupo de Recuperação 731

Rockefeller não esperava que algo relacionado aos agentes Sigma houvesse de estar presente no final da conferência, justo na ONU. Como se não bastasse, o fato daquela jornalista também ter dito sobre os falsos habitantes serem agentes disfarçados assustava-o ao ponto de não saber até onde Christina sabia, e sair sem dar explicações pioraria muito. Ayla segurou o braço de Richard como se quisesse dizer "não fale nada"; mas, abrindo o jogo, respirou fundo e começou a contar sobre aquele assunto.

— O maior desafio da S.E.T.H. é achar uma forma de usar alguns efeitos passivos em prol da humanidade ao invés de apenas prendê-los... Há dez anos, lançamos um projeto altamente secreto que resolveria quaisquer tipos de problemas que envolvessem o genoma humano com as mais perigosas Anomalias. Ele foi chamado de "projeto Arraia-Miúda"...

As câmeras e os microfones se voltaram para Richard, com Ayla desaprovando o que fazia. Enquanto falava, o Ômega não tirava os olhos da jornalista, mantendo seu foco como se fosse uma conversa apenas deles, excluindo olhares aos líderes mundiais.

— O projeto consistia em usar pessoas esquecidas pelos direitos e pela lei, dando uma chance de serem úteis para a luta da humanidade. Assim, sem-tetos velhos, desempregados drogados, presidiários no corredor da morte... Todos que eram ignorados pela sociedade, que eram tratados como lixo e que não eram nem mais reconhecidos como uma pessoa recebiam a proposta de terem comida, roupas, higiene e um lugar para viver em troca de venderem seu corpo, sua mente e sua alma para nós.

Todos no plenário discutiram sobre a ação por trás dos panos que a Fundação revelara, criando um tumulto ininteligível que ecoava pela grande sala. Vendo que a aprovação não era a melhor prevista, Richard tentou explicar novamente, completando:

— Nunca obrigamos ninguém a nada! Julgar que oferecemos a pessoas que não tinham mais chance de vida, pessoas que vocês jamais estenderiam a mão para salvar, depois de muitas delas ajudarem medicinalmente ao avanço que todos vocês usam em medicamentos é um jeito ingrato de nos agradecerem! Ninguém se importaria se um assassino em série fosse executado com uma injeção letal, então por que acham um absurdo eles morrerem enquanto trariam o progresso que tanto desejam?

Mesmo que imoral e até antiético, os países que possuíam a sentença de morte perceberam que aquele era um uso melhor dos presidiários que já estavam com os dias contados. A contratação de mendigos e de viciados livravam as ruas da pobreza que contrastava com o avanço da economia do país. Aos poucos, aquela visão conturbada transformou-se numa solução eficaz, pois há anos a Fundação praticava isso sem alguém notar o sumiço das pessoas da periferia.

— Nós demos dinheiro em troca do silêncio da família daqueles que seriam usados em testes, e como eu já disse, nunca obrigamos ninguém, a opção de negar nossa proposta sempre era uma opção; mas pelo visto, preferiram se unir a nós do que ficar no sistema podre de vocês! Alguns eram dados como desaparecidos, enquanto que outros eram dados como mortos, garantindo nossa discrição. Então, respondendo à sua pergunta... Os agentes Sigma eram o lixo de vocês que nós reutilizamos!...

Afastando-se do palanque e saindo ao lado de sua irmã, Christina foi calada com a explicação daquele homem. Achando que o deixaria numa saia justa, mesmo que altamente contestável, acabou recebendo uma aprovação de noventa e dois por cento dos países para prosseguirem com o projeto Arraia-Miúda. Deixando o prédio do Congresso das Nações Unidas, os dois Rockefeller saíram pelo portão principal, sendo a capa de diversos jornais e um assunto por semanas. Entrando numa limusine, foram ao aeroporto mais próximo e embarcaram num jato da Fundação, sumindo no ar.

Ashe, perplexa com o que ouvira sobre o projeto secreto, não ficou satisfeita, pensando que estava contribuindo menos do que simples presidiários sentenciados à morte. Reid, ao pensar nalgo para dizer à Ashe, não teve tempo de confortá-la, com cinco agentes-militares Lambda com revólveres e fuzis ordenarem que os dois os seguissem.

— Como você 'tá?

— Não importa... valeu pela companhia! — disse Ashe, sorrindo para Reid.

— Espécimes 8-4 e 7-2-8-4, venham conosco!

— Ei, agora que eu notei, seu código termina do mesmo jeito que o meu! Que coincidência! — falou Ashe.

Reid foi algemado, enquanto que Ashe permaneceu sem algemas durante todo o trajeto. Saíram do andar que estavam e subiram até o térreo da Sede, seguindo para o pátio que ficava em torno do enorme obelisco de pedra de Washington. Eram quase oito e quarenta da noite; mas o arranha-céu reluzente fazia com que mal parecesse aquele horário, já que as dezenas de andares e as centenas de postes iluminavam de ponta a ponta a capital dos Estados Unidos.

Do lado de fora, o agente Alpha Hill estava esperando-os. Hill era um ex-fuzileiro de cinquenta e cinco anos do exército, sendo direto e, muitas vezes, grosso. Usava um uniforme de guerra, com botas, calças e camisetas militares. Tinha uma barba rala, como se não a fizesse há um tempo, além dum cabelo loiro-escuro curto. Por ter servido às Forças Armadas, sua postura era defensiva; mas intimidadora.

— Olha só quem está aqui... Era você mesmo que eu queria. Por que jogou Reid na cela do Oráculo como se fosse um pedaço de carne? — questionou-o.

— E por acaso ele não é feito de carne, Ashley?...

— Não... me chame... de Ashley!! — gritou a agente, apontando sua mão para cima e fazendo o gesto de arma com a mão, como se ativasse seu efeito passivo.

— Abaixe a mão, agora! — ordenou um dos agentes-militares, apontando seu fuzil para ela.

— Hahaha!! Esse deve ser seu novato... — Virando-se para aquele Lambda novato, continuou. — Meu efeito passivo não funciona à noite; você 'tá treinando eles assim, Hill, tão bem? Uau...

Abaixando seu braço depois de fazer uma piada de mau gosto, após enganar aquele agente, olhou para o agente Hill e esperou suas ordens.

— Como você sabe, O Concílio ordenou que usássemos mais Anomalias do que agentes, então vários grupos serão formados à procura dos fugitivos. De acordo com o mapeamento dos satélites, os estados de Idaho, Wyoming, Nebraska, Kansas, Oklahoma, Novo México, Arizona, Utah e o próprio Colorado estão com seus territórios prejudicados. — Enquanto falava à Alpha, andavam em direção a um furgão estacionado.

— Que dor de cabeça teremos...

— Sim. Estamos correndo a todo vapor para fazer diversos acordos com as Anomalias que temos. Minha preocupação é ter mais Espécimes do que agentes, com certeza irão nos trair se dermos muito poder.

Olhando para Reid, Ashe falou:

— Acho que não, sei que serão úteis!

— Fácil dizer isso, Ashley. Enfim, vamos pegar um avião e ir direto para a cidade que fica sobre a Jaula para investigar, O Concílio disse que quer você procurando pistas ao invés de persegui-los. O 8-4 vai pegar outro voo com alguns outros Espécimes daqui de perto para Nebraska.

— Mas... quem vai acompanhar ele? — perguntou preocupada.

— O 2-2-6-0-1, o 2-9-3, o 1-4-9-2 e o braço direito da Monviso.

Enquanto os Alpha conversavam, Reid ouvia tudo o que falavam; mas ficou quieto a todo momento. Chegando até o furgão que era estampado pelo símbolo da Fundação, Ashe virou-se e despediu-se do recém-amigo.

— Quem sabe nós nos encontramos em alguma das suas missões?

— Eu não entendi muito sobre o que vocês falaram; mas boa sorte com sua investigação!

Dando um leve soco no ombro de Reid, Ashe entrou no banco passageiro, enquanto que Hill ficou no volante do furgão e dois agentes-militares entraram no compartimento traseiro. Seguindo até um outro veículo que estava estacionado próximo àquele furgão, era um carro de polícia; mas também de posse da Fundação. Entrou na parte de trás do carro, em silêncio, com dois agentes Lambda nos bancos frontais do veículo, indo ao Aeroporto Nacional Ronald Reagan, a vinte minutos da Sede de Washington onde estava.

Cruzando o rio Potomac, Reid ainda não acreditava que, mal sendo catalogado como Espécime, já participaria de missões de captura. A ordem desesperada dos Ômega para recuperarem todas as Anomalias que escaparam da Jaula do Colorado obrigou o trabalho conjunto de vários Espécimes para provarem sua utilidade, mesmo que muitos agentes, tais como o próprio agente Alpha Hill, criticassem e não concordassem por completo com a decisão feita.

Chegando ao desembarque do aeroporto, Reid saiu do carro e um dos agentes desativou suas algemas magnéticas, as mesmas que Ashe pusera quando o reencontrou, avisando ao garoto:

— Todas as algemas possuem a mesma frequência de acionamento, então se ativarem as algemas de outro Espécime, a sua também será acionada, mesmo que não tenha feito nada. Só avisando antes que algo aconteça e você tire conclusões precipitadas.

— Então ficarei com elas até quando?

— Até todas as Anomalias serem contidas, assim como os outros Espécimes — respondeu-lhe.

Entrando no aeroporto propriamente dito, encontrou a secretária da agente Monviso com uma calça legging preta, uma blusa de manga comprida azul-clara e com uma mochila preta nas costas. Seu cabelo estava amarrado no estilo de rabo de cavalo, tendo um cabelo ruivo com a raiz castanha. A auxiliar da Alpha estava esperando todos os seus acompanhantes para entrarem no voo.

— Ó, prefere que te chame de "Reid" ou de "8-4"?

— De Reid, se não se importar...

Abrindo um sorriso no rosto, Lisbon se aproximou de Reid e respondeu:

— Letizia me disse que você é um arquétipo único, será uma honra saber do que é capaz! — A secretária da cientista Alpha mudou de assunto ao perguntar aos agentes que acompanhavam Reid sobre onde estariam os outros.

— Já estão vindo, eles falaram que, no máximo, mais dez ou quinze minutos para chegarem.

Em meio à multidão, Lisbon e Reid se sentaram nos bancos do aeroporto esperando as outras três Anomalias chegarem.

— Qual o seu nome, aliás?

— Ah, sim! Esqueci de me apresentar. Sou Lisbon Osmundson, a secretária-geral da Letizia. Enquanto ela fica internamente fazendo testes, eu saio de vez em quando em nome dela. Tudo que acontecer, só ela receberá informações de mim e passará para o controle de operações.

Após cinco minutos, outros três agentes chegaram escoltando um homem negro de trinta e tantos anos, o qual tinha um cabelo preto longo e trançado, com uma cicatriz enorme no olho direito, uma tatuagem de leão na lateral do pescoço e um piercing longo na orelha esquerda. Usava também um tipo de focinheira que tampava sua boca e seu nariz, além de sua camisa cinza estar rasgada nos braços, próximo aos cotovelos e com pequenos furos nas costas. Tinha um corpo forte, com um peitoral grande e com braços bem definidos. Também tinha algemas magnéticas, estava descalço e usava uma calça escura velha. Era maior que Reid, com mais de um e oitenta.

— Tirem a focinheira dele, não tem mais necessidade — falou a alguns agentes próximo a ele, além de desativar todas as algemas.

Com uma chave específica que entrava numa abertura próxima à nuca, retiraram a focinheira e sua boca ficou à mostra. Seus dentes, em especial os caninos, eram pontiagudos como os dentes dum tubarão; mas o que chamava a atenção era sua bochecha, ou, no caso, a falta dela. Sua boca não era do tamanho comum dum ser humano, pois não havia um limite certo. Todos os seus dentes eram visíveis até com a boca fechada, pois não havia pele onde era a bochecha, mostrando uma fieira de dentes afiados. Assustador dos incisivos até os molares, com todos os dentes à vista.

— Até que enfim... — Bocejando, abriu tanto sua boca que surpreendeu Reid, mexendo sua mandíbula após tanto tempo usando aquela focinheira.

— Senhora Osmundson, aqui está o 2-2-6-0-1.

Murmurando consigo o fato de não entender o porquê de chamarem-na de "senhora" às vezes, era dois anos mais nova do que Letizia. Deixando aquele pensamento de lado, perguntou ao Espécime que chegara:

— Ansioso para viajar, Brandon?

Encarando-a duma forma agressiva, olhou para Reid e perguntou à agente:

— Quem é o graveto ali? Por acaso somos o descarte da Fundação? Esse daí não vai durar nem dez minutos...

— Ora, não fale assim, sei que todos seremos grandes... parceiros! — Agarrando os dois pelo braço, Lisbon aproximou-os e sussurrou para eles. — Se comportem, principalmente você, Brandon, a Fundação está ficando insatisfeita com suas atitudes... E Reid, não caia nas provocações dele, é meu primeiro e último aviso, 'tá?

Soltando-os, Lisbon perguntou àqueles agentes que trouxeram o Espécime 2-2-6-0-1 onde estariam o resto das Anomalias. Dizendo-lhe que estavam a caminho, a Lambda e os dois Espécimes tiveram de aguardá-los por quase quinze minutos, ficando um pouco atrasados para o voo. Ao chegarem, Lisbon já mandou apressarem e embarcarem no avião.

Uma garota canadense de cabelo chanel loiro-escuro andava ao lado dum sarcófago de ferro que era levado por um agente num carrinho de carga. A garota devia ter seus dezoito anos e usava uma camiseta branca com listras pretas finíssimas, um short jeans e uma bota de couro. Não usava anéis ou brincos e era pequena e magra, não chegando a um metro e sessenta, parecendo mais jovem do que sua idade aparentava; além de também estar com as algemas desativadas. Seus olhos, azul-mar, pareciam com os de Reid.

O sarcófago de ferro que era levado junto continha um Espécime do tipo Leliel; mas que lhes seria útil mesmo sendo altamente agressivo. Aquele caixão era feito majoritariamente de chumbo e outros metais para reforçar a porta, com um painel numérico no centro dele que desbloquearia a trava. Tinha dois metros de altura e algo estava contorcendo-se dentro, sendo a Anomalia 2-9-3 em questão.

— Você é a Espécime 1-4-9-2? — perguntou Reid à garota.

— Hehe, não sou uma Anomalia. — Reid não entendeu o que ela havia dito com "não sou uma Anomalia", já que também tinha algemas e iria acompanhá-los.

— Depois vocês conversam mais, vamos logo! Vocês três, infelizmente vão ficar algemados até terminarmos o voo, foi mal... — Apertando um botão do pequeno dispositivo que guardava no bolso, o qual parecia um tipo de controle remoto, as algemas dos Espécimes 8-4 e 2-2-6-0-1 e de Solina ativaram-se e os três ficaram incapacitados de separarem as mãos.

Embarcando no voo comercial, diversas outras pessoas comuns, como trabalhadores, turistas e crianças, estavam no avião. Os agentes que os trouxeram ficaram em Washington, fazendo com que alguns seguranças próprios da aeronáutica acompanhassem, disfarçadamente, o voo do septingentésimo trigésimo primeiro grupo de recuperação de Anomalias da Jaula do Colorado.

As quatro Anomalias ficaram no bagageiro do avião, junto a algumas malas maiores. Ali, havia alguns bancos acoplados à parede do avião, os quais tanto os Espécimes quanto alguns agentes-seguranças se sentaram neles durante o voo. Após o avião decolar, observando o caixão de ferro que foi amarrado com ganchos para não cair, Brandon olhou para um dos agentes e perguntou-lhe:

— O que tem dentro da caixa?

— ...

— É uma Anomalia perigosa, né? Isso é tipo uma "carta na manga", pelo visto...

— Fique quieto! — Ordenou o agente.

— Sabia que tinha algo.

Aproveitando que Brandon falara com os agentes dali, Reid queria saber mais sobre Solina após ela dizer que "não era" uma Anomalia, já que ficou confuso com a resposta que ela dera ao rapaz. Cada uma das Anomalias daquele avião estavam sentados à distância de três metros um do outro para evitar quaisquer problemas. Reid e Solina estavam nos bancos da direita, enquanto Brandon e o sarcófago, nos da esquerda.

— Oi, sou Reid... Desculpe perguntar de novo; mas com'assim você não é uma Anomalia?

Rindo, a garota lhe disse:

— Prazer, Reid, sou Solina Lewis, e é isso mesmo... Não sou uma Anomalia...

— Então... por que está aqui?

— Porque eu tenho uma Anomalia... — Abrindo um sorriso no rosto, aquela garota deixou Reid curioso do que isso significaria.

Reid nem tentaria conversar com Brandon depois do aviso da agente Osmundson, ficando em silêncio. O voo que decolou demoraria algumas horas até o destino, e apenas podendo olhar as bagagens do avião, Reid adormeceu por um instante. Mesmo não sabendo o porquê, percebeu que estava mais cansado do que o normal, assim como acabou dormindo na cela de Ashe.

Após a conferência reveladora que participara, Christina foi elogiada por sua chefe e por diversos companheiros de equipe. Sua pergunta foi o destaque da noite depois da revelação dos Ômega, tendo direito a uma página nos jornais especialmente a ela, com trechos de sua pergunta e informações que desafiaram a Fundação. Por sorte, seus pais moravam em Nova Iorque, há alguns quilômetros da sede da ONU num apartamento próximo à Times Square.

Depois de beber um pouco com alguns amigos também repórteres, comemorando que foi escolhida para falar e aumentar a visibilidade do jornal em que trabalha, Christina despediu-se dos colegas, colocou sua jaqueta e saiu do pub. Ao chegar perto da porta, trombou num homem por causa da grande quantidade de pessoas que estavam ali, pedindo desculpas e dizendo que foi um acidente. Aceitando suas desculpas, o homem que ela mal reparou disse que não foi nada e ambos continuaram seus caminhos.

Pedindo um táxi, mal parecia que já eram onze horas, pois os telões da Broadway brilhavam e expulsavam a escuridão, mesmo a ruas longe do centro. Chegando ao prédio de seus pais, havia-lhes ligado antes de chamar algum táxi, avisando-os que dormiria lá até decidir onde iria, pois, querendo ou não, aconteceram muitas coisas em pouco tempo, desnorteando-a por completo. Seus pais, Margaret e John Birch, animaram-se com a presença da filha, contando a todos os vizinhos que sua filha estava na ONU.

Entrando na recepção, o porteiro já a conhecia, pois Christina morava ali quando era menor, deixando-a passar e seguir ao apartamento de seus pais. Foi até a porta deles, no quinto andar, e mal batendo à porta, foi logo recebida com prazer e ternura, mesmo àquela hora da noite, por seus pais.

— Você estava linda na TV!! Como não ficou nervosa com todas aquelas câmeras? — falou Margaret, com uma manta vermelha no corpo, uma faixa colorida na cabeça escondendo a falta de cabelo e uma saia até o joelho.

— Ora, querida — respondeu John, o qual estava com um boné velho que sempre usava e uma camisa xadrez simples —, ela já está no jornal há quatro... não, cinco anos! É claro que se acostumou.

Entrando em casa, sua mãe foi à cozinha, e, percebendo que ela estava longe, perguntou baixo a seu pai:

— Como está o tratamento da mamãe?

— Está indo bem, ela está com enjoos e vômito; mas o médico disse que seria por causa dos medicamentos. — Tirando seu boné, mostrou à filha que também havia raspado seu cabelo para que Margaret não ficasse envergonhada por ter raspado.

— Legal da sua parte, pai, a mamãe vai melhorar logo...

— Se Deus quiser!... A Krystal vem aqui para almoçar amanhã, se quiser...

— Pai?! Por que!... — Abaixou seu tom de voz para evitar que sua mãe os ouvisse. — Por que ligariam p'ra Krystal vir almoçar? Ela nem ajudou a mamãe com o tratamento e sei que ela nem deve ter visitado vocês há anos!

— Na verdade, foi sua irmã que nos ligou e pediu para almoçarmos juntos...

— Não vou!

Segurando Christina levemente pelo braço, John lhe suplicou:

— Já avisei sua mãe, ela quer que as duas se deem bem depois de todo mal entendido que vocês tiveram, por favor...

Puxando seu braço e murmurando, Christina aceitou que almoçaria com eles; mas que estava fazendo isso por causa de sua mãe e nada além. Ela tinha medo da pressão dela subir e acabar passando mal, pois Margaret estava com cânceres de pulmão e de cólon, ambos em estado avançado; mas ainda com opção de reverter o quadro crítico, mesmo com a baixa probabilidade de sobrevida. Christina pediu desculpas pela hora que chegara e logo foram dormir, apenas batendo um pequeno papo em família.

Indo a seu antigo quarto, onde virou um quarto para hóspedes, sentou-se na cama e tirou seus tênis; mas ao tirar a jaqueta, deixou cair um pequeno pedaço de papel que estava no bolso. Achou aquilo estranho, pois o papel não era dela. Ao pegá-lo, viu que era um cartão dourado, com uma das faces não tendo nada escrito enquanto que a outra apenas havia um número de telefone escrito em preto. Discando para o número de seu celular, uma mensagem gravada começou a tocar, a qual era uma voz eletrônica masculina.

— Senhorita Christina Birch, a HÓRUS admira seu afrontamento à Fundação S.E.T.H. e achamos sua informação muito útil sobre a revelação dos agentes Sigma, pois nós já estávamos de olho nisso... Caso queira conversar conosco, a aguardaremos amanhã às duas da tarde no endereço que enviaremos no final da ligação. Caso não queira saber de nada, não iremos nos intrometer, apenas não compareça... Abra seus olhos, expanda sua mente!...

A ligação foi finalizada sem ao menos ela falar algo. Ao olhar o celular, viu que uma mensagem de SMS foi enviada a seu celular com um endereço específico como a gravação lhe havia informado. Com aquilo tomando conta de sua mente, Cristina não sabia se compareceria ou não ao encontro; mas uma chance de ouro como aquela seria bom, principalmente para ter informantes de notícias. Tentou dormir após a noite de sono péssima que teve em Colorado Springs, e, de tão cansada, nem associou o homem que esbarrara no bar com o cartão que estava no bolso.

Passando a turbulenta noite no bagageiro, o grupo 731 chegou ao Aeroporto Central de Nebraska logo de manhã. Reid acordou com o pouso do avião, e, após pousar, os três saíram ainda algemados e o 2-9-3 num carrinho de carga, encontrando a agente Osmundson do lado de fora do aeroporto.

— Solina, você pode levar o 2-9-3?

— Claro, sei que ninguém mais conseguiria levá-lo...

Chegando perto do caixão, uma aura arroxeada formou-se em volta da garota, mesmo que não estivesse tão nítida. Um tipo de espírito, como se fosse uma assombração, saiu do corpo dela, materializando-se aos poucos. Tinha dois metros e era forte, tendo braços e pernas bem definidos. Aparentava ser um homem por conta da estrutura do corpo, pois não tinha um rosto detalhado. Após um tempo, apareceu por completo ao lado da garota, variando entre tons claros e escuros, todos com tonalidades roxas.

Usava um capacete que se assemelhava a uma cabeça de águia, com um bico curvado acima da cabeça sem rosto e com algumas plumas atrás do capacete, misturando-se com o cabelo curto. No peito, usava uma túnica de penas que cobria seu peitoral, e em seus antebraços e em suas coxas, usava uma espécie de proteção que parecia com pedaços de madeira. Toda a caracterização daquele ser lembrava Reid de guerreiros maias, por algum motivo. Algo muito específico à visão do jovem.

Apontando para o sarcófago sobre o carrinho de carga, o Espécime 1-4-9-2 facilmente agarrou aquilo com apenas um braço, colocando-o em seus ombros. O 2-9-3 que estava dentro não gostou de ficar deitado e debatia-se constantemente enquanto o carregariam por onde fossem.

— Bem... Estamos em Grand Island, e vou explicar bem as coisas para vocês entenderem o plano. — Tirando sua mochila das costas e abrindo-a, retirou quatro dispositivos que pareciam um tipo de celular, com uma pequena tela e uma antena na ponta do dispositivo, entregando-os às Anomalias e ficando com um para si. — É uma tecnologia que ainda estamos testando, e é bom termos uma missão de campo para vermos como essas belezinhas funcionam...

Apertando o único botão que ficava abaixo da tela, ele ligou e mostrou um radar em seu visor, o qual demonstrava quatro esferas verdes em sua tela.

— Como a maioria de vocês sabem, Anomalias são as únicas coisas que têm raios ômicos, e criaram um dispositivo capaz de captar os pontos de concentração ômica altos, podendo rastrear Espécimes. — Explicava Lisbon enquanto distribuía um para cada; mas Brandon recusou pegar o dispositivo. — Ainda tem falhas; mas vai nos ajudar muito...

— Os agentes vão atirar se virem qualquer um de nós andando por aí, não confio nisso...

— Olha, Brandon, eu sei que você tem seus problemas com agentes; mas não vão implicar com vocês se estiverem perto de mim. E pense positivo, devemos capturar as Anomalias vivas, então, no máximo, receberão tranquilizantes com munições especiais, nada que machuque vocês seriamente.

— 'Tá, e agora? Já temos um "treco" p'ra seguir Anomalias, uma liberdade temporária... 'Tamo' esperando o quê? — Questionou Brandon.

— Em resumo... Vamos passar de cidade em cidade buscando algumas das Anomalias que fugiram. Muitas vezes, iremos nos juntar com outros grupos que estão fazendo o mesmo até segunda ordem. Cada grupo é formado por três ou quatro Anomalias e os agentes locais são obrigados a nos obedecerem, então teremos toda a ajuda necessária; mas precisamos provar que vocês são úteis, que é justamente o propósito de estarem aqui.

Interrompendo sua fala, um caminhão militar chegou e buzinou, chamando a atenção de todos que estavam do lado de fora do aeroporto. Era um veículo relativamente grande, com marcas da Fundação, três pares de rodas e uma traseira estilo baú, com assentos.

— Nossa carona chegou, acho que deu para entender o que vamos fazer por um tempo, e por favor... se comportem.

O agente Lambda que dirigia o caminhão os acompanharia para garantir um apoio à Lisbon. Abrindo a traseira do caminhão, a agente pediu para que entrassem e sentassem. Primeiro entrou Brandon, depois Solina, o caixão ficou deitado no chão, entre os assentos, e, por último, entrou Reid. Assim que o caixão foi colocado no chão, aquela assombração retornou ao corpo de Solina, a qual não havia mais uma aura púrpura em torno dela.

— Bom dia, agente...

— Denley, senhora!

— Senhora... — murmurou. — Enfim, aonde vamos?

— Ouvi boatos pela cidade de que alguns jovens estavam fazendo uma trilha noturna ao sul do Rio Platte e um deles não voltou. A polícia colocou um alerta de procura; mas pelo que falaram, a descrição bate com um Espécime.

— Certo... A quanto tempo fica daqui?

— No máximo uns vinte e cinco minutos, senhora.

— Lisbon! — Interrompeu-o.

— Ah sim, senhora Lisbon. Podemos ir? — Concordando, foram ao último lugar que os jovens relataram o ataque dum suposto Espécime, provavelmente um fugitivo da Jaula do Colorado.

Enquanto o grupo 731 faria um error pelas cidades em busca das Anomalias fugitivas, Ashe e Hill investigariam dentro da Jaula do Colorado. Entrando no buraco central, os corpos que estavam expostos haviam sido retirados há horas; mas as marcas de sangue e toda a destruição feita ainda estavam ali, relembrando a situação.

— Ninguém foi ainda lá para baixo, precisamos ver o que restou.

— Será que alguma Anomalia ficou ali? — perguntou Ashe.

— Não sei; mas se tiver, tem a permissão para atacar, Ashley.

— Você sabe que se eu usar meu efeito ali embaixo, aqui em cima ficará um caos, né? E não sei se O Concílio gostaria, já desconsagrei uma em Stanford e...

Olhando para ela, tirou o óculos escuros que havia posto quando chegaram ao local e falou, interrompendo-a:

— Eu disse que tem permissão para a... ta... car!...

Ashe, Hill e mais dez agentes desceram pela estrada que levava ao subsolo. Entre os agentes, quatro deles estavam com óculos de visão noturna e com fuzis de mira infravermelha, andando na frente e abrindo caminho caso houvesse problemas. Os outros agentes estavam com revólveres, assim como Ashe e Hill. Seguindo a estrada declive a mais de cinquenta metros abaixo da terra, encontraram um portão enorme, com cerca de cinco metros de altura e oito metros de comprimento, sendo bem espesso, com um rombo no meio dele, como se o tivessem partido ao meio.

Ao entrarem na Jaula propriamente dita, vários veículos destruídos estavam ali, jogados no canto da parede, com os corpos que ainda não exploraram. Paredes arranhadas e destruídas, corpos dilacerados e o cheiro podre infestavam o lugar todo, ainda mais com apenas uma entrada de ar pelo grande portão e com o calor do clima semiárido do Colorado. Alguns agentes enjoaram com aquele fétido cheiro de carne humana e animal, pois alguns cães de guarda também estavam entre os mortos. Por ser subterrânea, era inteiramente iluminada por lâmpadas dos mais diversos tamanhos, desde pequenas até longas e compridas; mas o ataque que ocorrera fez com que a maioria ficasse com mau contato, alternando o ambiente entre um breu absoluto e luzes tremeluzentes.

Se as informações estivessem corretas, alguma falha bloqueou a abertura de todas as saídas e, momentos depois, todas as celas se abriram, causando uma chacina sem saída naquela Jaula, até que algo poderoso o suficiente arrombou e destruiu todas as portas que os prendiam ali. Passaram pelo que parecia ser um tipo de recepção. À esquerda, ficavam as salas de testes; ao centro, as celas das Anomalias; e à direita, as salas de treinamentos e dormitórios, ligados ao estacionamento.

Avançando incessantemente, os guardas mais armados faziam a revista do lugar para garantir que aqueles Alpha pudessem investigar tranquilamente. Primeiro foram até as celas, seguindo reto o corredor e descendo centenas de degraus, o qual resultou em andares, andares e andares de celas. Não parecia existir um final, de tão longo e alto. Diversas escadas levavam para cima e para baixo, causando tontura aos agentes. Várias colunas de concreto continham as centenas de celas num corredor de possivelmente quilômetros. "Como tantas Anomalias foram levadas para lá sem notarem?", perguntava Ashe.

— Eu também não sabia deste lugar, Ashley, estou tão surpreso quanto você...

Não olharam todas as celas; mas pelo que notaram, as portas de todas estavam destrancadas. A teoria era certa, realmente foi o que ocorrera; mas como aconteceu a abertura delas ainda era um mistério. Uma Jaula daquele porte, escondida há anos, claramente possuía reforços extras e manutenções diárias; então seria um erro qualquer no sistema que libertara as Anomalias? Tanto Hill quanto Ashe sabiam que não. Aquele lugar era o que mais havia corpos, pois muito provavelmente o caos partiu dali, pois as centenas e até milhares de balas caídas no chão demonstravam isso. As luzes azuladas, mesmo que com tons apagados pela falta de energia, davam uma visão quase nítida do ambiente.

Voltando, foram aos centros de pesquisas, à esquerda, onde provavelmente estudavam a fundo as Anomalias dali. Diversos cientistas com jalecos brancos estavam espalhados pelo chão; vários cacos de vidro das divisórias de salas laboratoriais trincavam com o piso dos agentes em cima deles; frascos de vidro, copos béqueres com diversos líquidos, papéis com anotações e instrumentos científicos estavam caídos perto das mesas. Ali poderia haver algo que mostrasse o que estavam pesquisando recentemente; mas optaram por verem isso mais tarde. Retornando e indo ao último lugar, à direita, ficaram boquiabertos com o que acharam.

Um tipo de pátio enorme estava após o corredor. Descendo as escadas que levavam ao chão do pátio, centenas de corpos com macacões alaranjados estavam ali, o mesmo macacão que Christina encontrara, com alguns agentes mortos em volta. As roupas laranjas continham um símbolo estranho no peito, talvez os "agentes Sigma" que Ashe escutara na conferência pelo rádio. Também havia celas naquele lugar; mas eram celas com portas bem menores e com grades. Claramente não continham Anomalias ali. Estava muito mais para um presídio do que dormitórios. Mesas, cadeiras, duas cantinas e alguns andares com beliches simples e um vaso sanitário em cada cela. Diferente do complexo que ficava no meio, as luzes eram quase vermelhas, tendendo a um amarelo-alaranjado.

Confusa, a informação que Richard dera à mídia era verdade: pessoas ignoradas pela sociedade eram levadas para ajudarem no progresso da humanidade. Mas, vendo aquela cena, Ashe não distinguia uma prisão comum daquele pátio, sendo praticamente a mesma construção. Curiosos, seguiram até um portão que ficava à frente, não sabendo aonde os levaria e nem o que os esperava além dele.

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