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AINDA SOBRE A ESTÓRIA DE URÂNTIA

Mesmo o esquecimento não nos tira o propósito.

Um sonho não lembrado não nos enfraquece.

Penas crescerão nos braços,

neblina que se abre, embrulha e fenece,

na falta do amor que embrutece.

O que seremos à frente, nos velhos traços?

Após terem se despedido dos amigos, Lázarus e Ariel ainda ficaram um longo tempo vendo-os se perderem na distância, cada vez mais pequenos. Sol, ainda adormecida, ia embalada na carroça coberta puxada por dois enormes queixadas, tendo ao lado o velho absinto, que ia cantarolando pelo caminho.

- Tenho que me lembrar de construir uma estrada aqui, ligando esse jardim com a estrada para o rio – avaliou Lázarus.

- Outro dia, outro dia, meu bem... – falou Ariel tomando seu braço, puxando-o de volta para dentro. – Você já fez algumas melhorias. Lembra quando não tinha portas e escadas? Da última vez tivemos que ficar transportando os nossos amigos para cima e para baixo. E quase não tinha moveis e coisas de cozinha - riu. – E a sua despensa, que quase não tinha nada? Terrível, agora que não conseguimos nos alimentar quase que totalmente de energia pura, não é mesmo? E o que dizer então do pomar?

- Pomar? – estranhou ele. – Mas, não eu não tenho um pomar, ainda – falou, pensando que deveria providenciar um.

- Precisamente, não tinha pomar – riu. – Porém, pode ficar tranquilo, porque já estou cuidando disso. Nós vamos ter muitas frutas – riu. – Então, meu querido Lázarus, uma mulher faz muita falta numa casa, não faz? Confessa...

- É, está certo, confesso. Agora ficou mais...

- Organizado?

- Não é o que eu ia dizer, mas...

- Nem pense em me dizer, então...

- Reconheço que ficou tudo mais, ... fácil e confortável. É isso, fácil e confortável – falou com satisfação. - Mas, Ariel, uma estrada é algo fácil e rápido de fazer e...

- Outro dia, teimoso. Quero retomar uma conversa nossa – falou alegre.

- Está bem. Passo a passo – Lázarus riu também, tomando impulso para o alto, no encalço da vigilante.

- Então, você é muito antigo... Quanto? – perguntou, examinando as montanhas distantes que se avistavam da varanda oeste de Par Adenai.

- Achei que já tivesse se esquecido disso – Lázarus riu.

- De jeito algum. Quero saber tudo. Vamos lá, me conte. O quanto antigo você é? – perguntou sentando-se no banco.

- Já lhe disse, curiosa – falou, como se não quisesse entrar muito no assunto, sentando-se no largo parapeito, os pés balançando no vazio, o corpo voltado para as montanhas. Ariel percebeu isso, e ficou se perguntando que dor poderia estar escondida lá. Julgou que não deveria ser muito grande. Coisas de guerras, pensou. Por isso, resolveu insistir.

- Me lembre, então. Quando foi? – perguntou com um sorriso moleque indo sentar-se ao seu lado, sentindo imenso prazer nos pés balançando livres sobre o precipício.

- Quando falamos sobre os ganedrais, não se lembra?

- Acho que o assunto dos ganedrais me fascinou tanto que acabei não prestando muita atenção em outras coisas. Sempre gostei muito de ouvir as estórias deles. Então, você, vocês, são mais antigos ainda que os ganedrais?

- Muito, muito mais antigos, Ariel – contou, agora como se fosse algo em que não devia gastar atenção. – Sabe, eu...

- Ouvi estórias, uma vez - ela interrompeu, tentando imaginar o quanto seria medido aquele "muito", - de como a escuridão começou, pois que dos anjos ela se criou – Ariel falou com lentidão, como se lembrando de coisas antigas e quase esquecidas. – Também ouvi estórias sobre alguns anjos guerreiros, os primeiros que se bateram contra a escuridão... Lembro de algo que dizia sobre uma batalha, para proteger um pequeno planeta...

Então parou, o rosto ficando sério, os olhos fixos em Lázarus. A compreensão veio devagar, como se lesse algo que não se quisesse contar no rosto do caído.

Ariel se fixou ainda mais no rosto dele, que pacientemente aguardava a pergunta que, sabia, seria feita.

- Um pequeno planeta... Aqui? Foi aqui, não foi? Tudo começou aqui, em Urântia?

Ariel permanecia atenta em Lázarus, que teimava em manter o silêncio, os pensamentos distantes e abatidos. Percebeu a postura séria, os pés que não se balançavam mais felizes como agora há pouco

- Sim... – falou por fim.

- Mas, não entendo – disse, a voz repleta de confusão e estranheza. - Esse universo não é muito velho. A escuridão não existia antes? Ela veio mesmo dos anjos, dos primeiros anjos?

- Antes, minha cara, a experiência estava em montagem. Os multiversos estavam sendo criados, tudo estava sendo experimentado, destruído, recriado, equilibrado. A criação ainda continua, é certo, mas o grosso da criação, a matriz, estava sendo realizado naqueles tempos, e o arcabouço só foi dado por satisfeito um pouco antes da criação desse sistema de Satânia. A escuridão era nova quando chegou aqui, e ninguém ainda sabia quem ela era, muito menos que deveria e como deveria ser combatida. Ela já destruíra alguns sistemas e algumas das primeiras civilizações das mônadas mais adensadas. Mas... tudo ainda era novidade.

- Espere, espere. Mas... Não foram vocês, foram? Mas, não pode ser, porque vocês são os Ganedrais[1], não são? Como pode ser então que...

A vigilante ficou hirta, os olhos perfurando a face de Lázarus, o coração batendo forte e temeroso.

> Não foi só por ganedrais que ficaram conhecidos, não é mesmo? De que mais vocês foram chamados, Lázarus?

- Não entendo, Ariel. Ganedrais fomos e...

Lázarus sentiu um arrepio correr em sua espinha. Conhecia o modo como aqueles olhos o examinavam, conhecia aquela face dura e distante, enojada. Suspirou, tentando desfazer a sensação de dedos gelados percorrendo a sua alma. Gemeu em silêncio, rezando para que seus receios não se concretizassem.

> Ah, entendo... Você não sabia que os ganedrais e os renegados[2] eram o mesmo grupo?

- Por que não me disse antes, quando me procurou sobre os AsasLongas?

- Acreditei que soubesse, porque sabia muitas coisas dos ganedrais – desculpou-se.

- Não, isso eu não sabia, e aposto que isso é do conhecimento de muitos poucos. Então, você era um deles, Lázarus? – perguntou com a voz dura, mesmo acreditando já saber a resposta. – Quem era você?

- Meu nome era Sênior – declarou num sussurro quase inaudível, como se tivesse receios ou vergonha daquele nome e do que ele representava.

- Sênior, o antigo? – assustou-se Ariel, girando e voltando para dentro da varanda, afastando-se um pouco para vê-lo melhor, no momento em que ele também girava sobre o parapeito e se colocava de frente para ela. – Você? Pesa muita amargura e rancor em quem diz seu nome – ela acusou.

- Eu sei que pesa...

- Então, o lugar que chamavam de a plataforma, o refúgio, era aqui?

- Eram aqui e no quarto planeta as nossas bases. Aqui era onde estava a plataforma; o refúgio era no quarto planeta.

- Então, foi para destruir o refúgio que o quarto planeta quase foi destruído?

- Foi sim. E quase destruíram Urântia também...

- Mas aquela não foi uma guerra qualquer – balbuciou, a voz denunciando dor e confusão. - Não era só com demônios que vocês se bateram. Se bateram também com os anjos, com todos os anjos vocês se bateram... – gemeu Ariel. – Agora entendo os treze irmãos, que se chamavam de UmDosIrmãos[3], os guerreiros duros e impiedosos. - A sua espada, que hoje é azul e que se toma de veios de um azul bem mais escuro... Ela é a Vintana, "aquela que termina"?

- Sim, esse era o nome dela.

- E qual o nome terrível que ela tem hoje? – perguntou, a voz ácida e torturada.

- Apenas espada – sussurrou, uma dor imensa na voz. – Ariel, você precisa entender que eles queriam nos destruir, como haviam destruído inúmeras civilizações antes. Eles queriam nos expulsar do paraíso, de Aden... Havíamos sofrido muito por...

Ariel se afastou um pouco mais dele, as mãos espalmadas no braço estendido, como um bloqueio, uma grande dor em seus olhos, o corpo demonstrando que não queria sua proximidade.

- Ah, mas eu entendo sim, Sênior. Foi por causa de vocês que toda essa destruição sem fim começou. Foi pela experiência de vocês, pelo amor que demonstraram por esse planeta e pelo paraíso que aqui ajudaram a construir, pelas incríveis formas de vida que deram para as centelhas habitarem aqui, tudo manchado de orgulho e ego, tudo intoxicado com esses sentimentos ruins. Por tudo isso que muitos anjos se revoltaram, temendo o amor errado que demonstravam, que apontavam. Ainda mais quando os homens surgiram aqui, bem aqui, no lugar que vocês ajudaram a construir, momento em que tudo veio à tona. O amor, em um nível baixo, se veste de ciúmes, poder e posse. Mas, vocês se esqueceram até mesmo disso, quando se julgaram em seus ódios. E tudo ainda se perdeu mais quando por ciúmes, ao invés de tentarem resgatar os que estavam perdidos na escuridão, porque ela era jovem demais, resolveram tentar destruir, matar, como se para mostrar a beleza do que tinham feito precisassem diminuir tudo o mais. Vocês foram criminosos, os piores criminosos que foram criados. A escuridão era apenas uma sombra perto do que se tornaram. Agora entendo porque atacou os vigilantes com aquela selvageria, agora entendo porque matou aqueles aldeões – gemeu abrindo com violência as asas e partindo veloz.

Fazia horas que ele estava ali, pensativo, sentado numa pedra na borda de uma imensa falésia, na beira do oceano. Por toda a volta apenas o silêncio do vento correndo pelo imenso campo verde e úmido.

De quando em quando uma gaivota cantava ao longe.

- Sem flor azul? – ouviu do anjo que descia.

- Sem flor azul – suspirou. – Veio sobre Ariel e os renegados?

- Sim – Safiel confirmou.

- Ela te procurou?

- Não, Lázarus. Ela nem mesmo sabe que te procurei. Apenas sentimos uma perturbação muito forte, e eu desconfiei do que seria quando vi sua assinatura.

- Tão claro assim?

- Esse nível de dor é uma assinatura de uma emoção...

- Entendo. Então, vamos deixar assim mesmo, está bem? Ela não sabe que você veio e nós fingimos que esse assunto não é interessante. O que acha?

- Está bem, mas me deixa pensar na sua sugestão, está certo? Enquanto isso, apenas saiba que ela vai compreender o que aconteceu naqueles tempos, Lázarus. Foi um choque, mas vai entender. Ela não sabe de tudo, e isso porque você não lhe disse tudo – Safiel repreendeu com carinho, sentando-se ao seu lado na rocha larga. - Quer afastá-la de você?

- Eu, eu não consigo compreender as acusações dela...

- Aposto que eram acusações daqueles anjos rebeldes que a usaram e a incitaram a se rebelar – sugeriu Safiel.

- Então nos acusam de todo o amor que tínhamos por esse planeta, e cuidado e amado a vida que aqui se desenvolveu, ter sido por vaidade, por ego? – perguntou, a voz mostrando confusão. – Isso é absurdo. Foi essa a acusação, a base da acusação da assembleia, que queria nos punir, que nos chamou e nos acusou de sermos renegados. Como tudo retorna, após tanto tempo – sofreu Lázarus.

- Havia muitos sentimentos novos naqueles tempos, e as centelhas ainda eram inocentes demais para toda aquela avalanche de coisas novas, e pesadas. Hoje tudo seria diferente, Lázarus.

- Não acho que esteja diferente agora. A própria reação dela mostra isso. Ela não é quem eu pensei que fosse. Julga sem pensar, se esquecendo do aqui e agora.

- Mas, é o que você lhe deu. É a pintura que você pôs ante seus olhos. Você lhe mostrou o maldito e amaldiçoado Sênior, o UmDosIrmãos... Por acaso chegou a falar, ou ao menos mencionar Negrumo?

- Não há necessidade dessa estória – declarou, a voz distante e ainda mais sofrida.

- Lázarus, sei que está magoado com a reação dela, mas precisa lhe dar um tempo. Ela foi manipulada, mentiram para ela, a levaram a cometer erros.

- Ela já estava preparada para acreditar nos que lhe mentiam.

. Você é muito velho para ficar com essa criancice, com essa birra. Deixe de lado o orgulho e o ego. Não cresceu o suficiente?

- Orgulho e ego, de novo a acusação? – amargurou-se. – Será que foi isso mesmo que nos moveu? Acho que não. Um dia nos cansamos das guerras sem fim, e quisemos deixar a energia do ego e ser energia do coração. Ah, mas eu descobri que quando você tenta tomar consciência do coração você se torna inocente novamente e passa a acreditar, a se entregar a sonhos, e comete quase que os mesmos erros porque passa a confiar, a não acreditar que o mal existe. Sabe, Safiel, talvez eu devesse esquecer... Nem AsaLonga eu sou mais, não é mesmo?

Safiel o examinou por alguns segundos.

- AsaLonga é apenas um nome – disse com tranquilidade. - Você bem sabe que a condição de AsaLonga ainda é sua, até que assine o contrato e encarne como pessoa ou humano. Está pensando em fazer isso?

- Não! – falou seco se atirando para o céu, onde ficou vários metros flutuando sobre o anjo, sentado à beira da falésia. – Mas, há algo que preciso fazer. Se ainda há tanto ódio contra nós, temo pelos meus irmãos. Preciso encontrá-los – falou tomado de pressa, batendo as asas com vigor, subindo cada vez mais, até que a curva azul do planeta se mostrou.

- É tão bom julgar, não é mesmo?

Ariel viu as pessoas ficarem confusas, se afastando do seu lado para deixá-la a sós com o anjo que descia, a cara séria e um pouco chateada.

- Tal como você vem julgar o que sinto?

- Sem dúvida, sem dúvida que sim. Ele e a família dele...

- Eles nem tentaram resgatar os que estavam em queda. Eles simplesmente foram pelo caminho mais fácil. Eles poderiam ter finalizado a experiência escura antes que ela se tornasse...

- Onde ouviu esse absurdo? – Safiel se mostrou assustado. – Ah, nem precisa me contar. Ouviu daqueles que te enganaram e te compraram para a guerra contra os anjos com mentiras, não é mesmo? Ouviu esse absurdo dos que te deram como presente a queda, é isso? Discórdia e desconfiança, confusão e mentiras... Que armas terríveis são quando os que as usam não mostram o mínimo pudor... Por um acaso, você foi ver os registros akáshicos? Você procurou saber da verdade?

- Ele me disse! – falou com seriedade, o modo de poucos-amigos.

- É, ele te disse, parte da verdade ele te disse. Procure saber toda a verdade se quiser se arriscar a julgar, isso é, se aquele AsaLonga ainda representar algo para você.

- Sabe tão bem quanto eu que não consigo mais chegar tão fundo assim nos registros. Então eu...

Sem que tivesse tido tempo para qualquer reação viu o movimento de Safiel, e então o mundo se alterou. Tudo havia sumido, e havia apenas aquele silvo solitário no ar que se revolvia.

Era em um salão imenso de piso espelhado e encerado sem qualquer móvel que se viu. Conseguiu mais sentir do que ver realmente os longos e belos arcos ao longe, um pouco à frente de imensas paredes alvas que se perdiam nas penumbras do teto que não se via. Uma luz pulsava por todo o ambiente, de um azul suave como água-marinha. O ar a tranquilizou. Nas penumbras distantes podia sentir o poder, um poder disponível, apenas aguardando.

Safiel estava ali, ao seu lado, e soube o que ele pretendia.

- Agora, você vai conhecer a verdadeira estória daquele anjo que você resolveu julgar.

Então tudo começou a acontecer, a velocidade aumentando de tal forma que receou sentir-se mal.

Um ser se aproximou, o guardião dos registros, e as imagens foram se estampando, cada vez em maior velocidade.

Os anjos surgindo, criações e universos surgindo, e a escuridão que tomou um lado da criação quando alguns anjos de demônios se chamaram, por terem em queda se lançado. E viu numa sucessão alucinante de imagens que se espalhavam, envolvendo, destruindo, corrompendo tudo em que tocavam. Dor e sangue se espalhando livremente, porque nada se levantava contra ela, nova que era. E viu quando ela deu de encontro a uma joia, e como a tomaram dos anjos inocentes que cuidavam dela, e como os atacaram e os fizeram sofrer. Com pesar viu como esses anjos que estavam lá se magoaram ao verem como o Aden estava torturado e alterado. Então viu como eles se transformaram nesse encontro. Mas, apesar de tudo o que sofriam, apesar de terem sido tão terrivelmente tocados pela escuridão, viu como resistiram e usaram a escuridão contra ela própria, e como foram, lentamente, resgatando e levando a luz de volta às sombras.

Mas os viu serem cada vez mais atacados, por demônios e anjos, que temiam o poder terrível que apresentavam, e viu que seu número diminuía cada vez mais, até que sobraram somente alguns, que acabou sendo apenas um.

Então tudo se foi, as penumbras e os espaços espelhados e encerados, e ela se viu novamente no acampamento.

> Sabe, foram eles que nos ensinaram o caminho da resistência, que nos gritavam que era possível sim, que não precisávamos temer a escuridão, e que poderíamos escapar dela, tal como os demônios um dia voltariam para a luz, porque nunca deixaram de ser o UM. E é isso que ele fica revendo, sempre, porque ele não pode esquecer... Esperança, Ariel, é como eles deveriam ter sido chamados.

- Muitos anciãos estavam lá, anjos de conhecimento. Eles estavam revoltados com eles...

- Pelo tom de sua voz vejo que não acredita no que fala, e coloca em dúvida a própria atuação dos anciãos. Entenda que eles também não conheciam muito bem a escuridão. Sabe qual foi a acusação real que os velhos guerreiros tiveram que enfrentar? Não a acusação que os caídos usaram para te arrastar aqui para baixo, mas a real? A acusação foi de que eles não respeitavam o livre-arbítrio.

Ariel ficou em silêncio por um largo tempo.

- E não foi isso que aconteceu? – Ariel perguntou, a voz mostrando uma enorme confusão por saber da verdadeira acusação.

- Você mesma acabou de perceber a falha deles, não é mesmo? Mas, Ariel, nem a eles podemos acusar, e isso porque os tempos eram novos, com coisas novas, por experiências que estavam sendo desenvolvidas. Eles falharam por... inocência. Quando ouviram as acusações os velhos guerreiros tentaram argumentar, mas não encontraram ecos. Eles argumentaram que não se podia proteger os que não respeitam o livre-arbítrio dos outros. Que, se assim agissem, apenas dariam forças aos escuros que se aproveitavam dessa correção para, assim protegidos, dominarem os outros. Como então poderiam proteger os que negavam esses direitos aos outros? Como proteger aqueles que gritavam pela proteção de seus direitos enquanto negavam, sistemática e cinicamente, esses mesmos direitos aos outros?

- E então, o que aconteceu? – ela perguntou, uma dor fina se esticando em seu coração.

- Você já sabe o que aconteceu. Parte do conselho exigiu que abandonassem suas atitudes de confronto, sob pena de expulsão. Eles não aceitaram, e disseram não reconhecer o poder daquele conselho. E disseram, ainda, que não poderiam abrir mão de se contrapor a escuridão porque, se assim fizessem, a escuridão iria dominar tudo, e o UM teria que reiniciar tudo do zero. Foi somente muito, muito mais tarde, que eles foram reconhecidos e seus motivos validados, mas o mal já estava feito. Eles continuaram suas batalhas, formando um muro de proteção, mas a mágoa simplesmente derrubou muito deles, enquanto ao restante apenas... feriu profundamente.

- Ele é um caído. Logo vai esquecer e... – a voz tornado um fio sentido e magoado.

- Você, minha cara Ariel, é quem esqueceu. Ele não é um AsaLonga, mas sim um AsaCortada[4]. Ele não pode mais ir além da quarta dimensão, como não pode mais deixar o planeta. Mas ele tem todos os registros de suas vidas, desde quando foi separado do UM, e ele não pode morrer. Não é o peso karmico[5] que ele carrega, mas ele sente sempre toda a dor, quando pensa no que é. Se houver alguma oportunidade procure saber sobre Negrumo, e poderá ver a extensão do amor pela luz dos que foram chamados de renegados. Sabe, Ariel, é fácil demais julgar e pedir a punição àqueles que lutaram para que você fique a salvo. Já houve julgamento demais – se despediu Safiel, entrando lentamente na floresta sob o olhar destruído e envergonhado de Ariel.

[1] [1] (*)

[2] Grupo de anjos que quase foram expulsos do céu por causa da forma dura como batalhavam contra a escuridão (*).

[3] [3] (*)

[4] É um AsaLonga, mas sem algumas das qualidades que o define. (*)

[5] (*)

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