15 Capítulo 14 - Blueprint

O som das espadas entrando em contato com ferocidade foram se tornando mais intensos, apesar de ambos usarem pedaços de madeira, era fácil imaginar que o oponente atingido sofreria uma fratura.

Os ataques desferidos eram pesados. Tão pesados que aqueles esperando na fila para treinarem com aquela pessoa, engoliram em seco.

No centro do campo de treinamento com solo de terra batida, dois indivíduos cruzavam espadas de madeira. Eram eles um homem qualquer e uma moça de cabelos castanhos.

Tânia estava lutando novamente. Contudo, diferente de outrora, esta era apenas uma partida "amigável".

A guarda-costas de cabelos castanhos fazia questão de subjugar completamente seus oponentes. Ela dava o seu melhor em todas as lutas. Mesmo que a intenção original fosse ensinar, era sempre um massacre.

Assim que a história sobre derrotar Eliseu, um cavaleiro imperial, espalhou, os guardas da mansão cercaram Tânia.

Eles só queriam uma coisa:

~Por favor, nos ajude.~ O grupo se curvou diante da jovem, implorando por instrução.

Quando Develine chegou trazendo os cavaleiros imperiais consigo, a vida pacata dos seguranças da mansão de Ashiria foi abalada. Os cavaleiros que serviam a corte eram o ápice da arrogância.

Ficando estressado com o destrato constante, o líder da guarda de Ashiria pediu um duelo amistoso.

Foi um massacre.

O cavaleiro imperial mais fraco sobrepujou três guardas simultaneamente, incluindo o líder, que, humilhado, se demitiu no dia seguinte. Os que ficaram viraram motivo de chacota. Sempre que eles cruzavam caminho com os cavaleiros, recebiam zombarias.

Era capial pra cá, capial pra lá, capial acolá.

~Qual é o sentido de vocês existirem? Ashiria é uma das magas mais poderosas do reino. Vocês são inúteis aqui. Apenas um bando de baratas abusando da riqueza de uma mulher fragilizada.~

Eliseu não era do tipo que media esforços quando o assunto era humilhar. No entanto, Develine concordava em partes, pois, se algo capaz de ameaçar Ashiria alcançasse a mansão, aquelas pessoas sem habilidades seriam esmagadas como formigas.

Curiosa com o motivo deles ainda estarem lá, ela fez a única coisa que uma criança poderia fazer, ela perguntou para sua mãe.

~Eu não consigo me desfazer da guarda... é uma das poucas coisas que me restou dele~ sua mãe a respondeu.

E Develine entendeu.

Segundo Ashiria, desenvolver aquela terra era um dos sonhos de Darizio. Apesar de ser uma região abandonada, o homem tinha grandes esperanças de tornar aquele lugar em um ambiente prospero. Por mais que fosse um trecho com alta incidência de monstros, muito devido à Floresta Perene possuir altos níveis de energia espiritual, a localização era ótima.

Posicionada entre três grandes polos comerciais; uma simples estrada construída naquela região teria um alto valor. O problema era quantidade de monstros poderosos que haviam na Floresta Perene.

Com isso em mente, Darizio começou a reunir e treinar aqueles homens.

Por mais que ele sozinho fosse um guerreiro capaz de lidar com qualquer criatura existente na floresta, o mesmo sabia que não era onipresente e, se estradas fossem construídas por ali, elas precisariam ser constantemente vistoriadas e protegidas.

Colocar a floresta abaixo até já foi um tópico de discussão no império, porém, os recursos naturais da mesma eram valiosos demais para realizar um ato tão precipitado.

Fora o fato dela ser a casa de um espírito natural de alto nível.

"Esse provavelmente é o ponto principal", Develine pensou que fosse o caso quando pesquisou mais sobre o local.

A desavença que os espíritos têm com a humanidade é de conhecimento comum. Se o espírito na floresta ficasse irritado, isso poderia significar uma guerra. Por isso os nobres consentiram em deixá-lo em paz.

Ainda assim aquelas terras tinham potencial. Desde que o decoro fosse mantido, invadindo a floresta o mínimo possível, havia possibilidade de coexistência. O necessário séria apenas alguém disposto a enfrentar as dificuldades decorrentes dessa linha pacifista.

Desinteressado em ser o sucessor imperial, Darizio decidiu assumir a tarefa de construir uma cidade por ali. Seu plano era construir estradas que conectariam os três grandes polos e montar um time de guerreiros poderosos que pudessem proteger os viajantes a custo de um pedágio justo.

~A Guarda Celeste, era assim que ele os chamava!~ Develine se recordou das palavras melancólicas da sua mãe.

Apenas três meses após selecionar o pessoal, indivíduos que ele encontrou nas vilas que existiam nos poucos ambientes mais ou menos seguros daquela região, Darizio faleceu.

A partir daí Develine conhecia a história. Sem conseguir aceitar a morte do marido, Ashiria ficou obcecada com a possibilidade de ter sido um assassinato. Sendo incapaz de encontrar um culpado e provar seu ponto, ela ficou desolada e eventualmente se tornou reclusa.

Na mesma moeda, a guarda se desfez.

Desestimulados pela perda do líder que os reuniu, muitos dos homens desistiram da ideia de Darizio e voltaram para suas terras. Os que ficaram foram eventualmente efetivados como seguranças da mansão.

Apesar de mórbido e pesaroso, Ashiria manteve a Guarda Celeste como uma memória do seu amado.

E agora, Develine via todos eles cercando Tânia, ansiosos para receberem instruções.

~Eu não posso ensinar minhas técnicas para vocês~ ela negou a investida do grupo.

~Mesmo assim, mesmo que nos ensine apenas o básico. Queremos ficar mais fortes.~ O novo líder da guarda, um jovem reconhecido pelos seus companheiros após a desistência do líder anterior, abaixou sua cabeça.

O garoto de cabelos loiros era bem obstinado.

Depois de um longo suspiro, Tânia concordou e uma semana se passou desde que ela começou a ajudá-los todas as manhãs.

Enquanto isso uma garotinha de cabelos brancos observava atentamente os movimentos praticados. Mesmo sendo proibida por sua mãe de se unir ao treinamento, Develine não faltou um dia sequer. Ela assistia todas as práticas do início ao fim.

Sentada sobre um lençol quadriculado colocado sobre grama e com uma pilha de livros ao seu redor, ela fez a única coisa que podia, ela estudou diligentemente. Sempre buscando entender os movimentos realizados por aquelas pessoas, a garotinha compareceu as praticas e observou atentamente.

"Aquilo foi uma barragem vertical?" Develine espremeu os olhos, encarando a ilustração rudimentar e comparando-a com a batalha que se desenrolava diante dela. "Esse livro definitivamente tem algum problema de tradução", ela suspirou, pegando a maçã deixada em uma bandeja logo ao lado dela e dando mais uma mordida.

— Princesa, a senhorita precisa comer direito — Marlly resmungou, percebendo que foi a segunda mordida que a garotinha deu desde que ela trouxe a fruta.

Develine não respondeu, pois, estava focada.

Percebendo isso, Marlly suspirou: "A concentração dela é assustadora." Parabenizou-a levemente entristecida, louvando a característica da pequenina ao mesmo tempo em que desistia de chamá-la, cansada de pedir a mesma coisa todos os dias.

Quando Develine pegava um livro em mãos, podia esquecer, a garotinha desligava. O mundo podia acabar ao seu redor que ela nem se daria conta.

Alguns instantes a após a mordida, a voz da pequenina se fez presente novamente: — É isso de artes marciais por hoje — disse, orgulhando-se de si mesma.

Dando mais uma mordida na maçã...

— Se a senhorita quiser, pegarei mais frutas — Marlly ficou animada, pensando que enfim, após quatro horas seguidas lendo livros de artes marciais, sua mestra tinha pausado seus estudos e estava pronta para comer.

— Agora é hora de terminar essa belezinha — Develine pegou outro livro que estava logo ao seu lado e abriu em uma página onde havia uma grande folha dobrada, mais precisamente, um desenho guardado. — Em breve esse projeto estará pronto — ela desdobrou a folha e sorriu animada.

Marlly imediatamente azedou.

"Já não é o suficiente?", pensou, desanimando mais uma vez. "Assim as frutas que eu preparei vão ficar ruins", a babá suspirou encarando a cesta de palha cheia de frutos que trouxe consigo.

Apesar de odiar boa parte dos professores contratados para ensiná-la, Develine gostava de estudar. Ela apenas preferia fazê-lo à sua maneira e aprender apenas o que lhe convinha.

"A mamãe bem que poderia ter mais livros de física, alquimia e mecânica", suspirou encarando o livro grosso de capa vermelha que estava logo ao lado. "Fazer o quê?" Deu de ombros. "Ela é uma maga, então faz sentido ter tantos livros de magia." Aceitou a questão de bom grado. "Isso só vai me atrasar um pouco"

Vendo a garotinha se perder novamente em seu próprio mundinho, os ombros de Marlly penderam; ela se rendeu.

"Pelo menos isso permanece igual", sorriu, se lembrando dos poucos momentos em que aquela jovenzinha relegada demonstrava alguma alegria.

Develine sempre foi um indivíduo criativo. Do tipo que adora ler, escrever e desenhar. Hábitos dos quais abusou na tentativa de apaziguar sua dor, se escondendo em seu quarto e se perdendo na arte.

As poucas vezes em que Marlly viu aquela princesa ficar ostensivamente animada, foi enquanto a mesma brincava com sua criatividade.

Apesar de ela sempre esquecer de comer enquanto estava produzindo suas coisinhas, Marlly adorava ver a pequenina feliz.

No mesmo instante em que o som de madeira se chocando contra madeira cessou.

— Muito bem! Pessoal, por hoje é só — Tânia dispersou a multidão, enxugando seu rosto suado com uma toalha.

— Sim, mestra! — os guardas responderam em uníssono, se curvando com respeito e saindo em seguida.

A garotinha disparou eufórica:

— Eu sabia que isso estava errado! — Os olhinhos da dita peste brilharam.

Encarando o papel e relendo as páginas de um segundo livro que abriu, consertou o desenho que fez.

*hehehe* Develine soltou uma risadinha. "Você vai será melhor que a Katarina¹!", disse, pegando o papel em suas mãos e lembrando o nome da arma que a Legião do Mau lhe deu.

— Parabéns Lady, seus desenhinhos estão melhorando — Marlly bateu palmas animadas, olhando de relance o papel que a garotinha abraçava com carinho e sorrindo com isso.

Uma veia saltou na testa de Develine.

— Não é um simples desenhinho, Marlly! É um projeto, vê?! — Ela pegou o papel em mãos e ficando de pé o estendeu para a sua babá. — Um projeto!

— Mil perdões, princesa. Minha falha. — A moça se curvou brevemente enquanto pedia desculpas.

"Eu achei que era só um desenho estranho" Marlly emitiu um sorriso desconcertado. "Mas... vendo de perto..." Algo lhe chamou a atenção. "Eles melhoraram muito." Ficou impressionada com os detalhes. "Até esses dias eles eram...", hesitou "um monte de rabiscos." Foi incapaz de achar uma palavra melhor para descrevê-los.

Develine bufou levemente irritada, porém, logo sorriu: — Tudo bem! — disse voltando ao seu bom humor usual. — Ainda não têm um desses no mercado, então é natural que desconheça — afirmou.

— Mercado? — Marlly ficou confusa. — Me perdoe a ignorância princesa, mas isso é algum tipo de produto? Têm alguma relação com aquela moça? — Se recordou vagamente da garotinha falando que ficaria rica em breve, e isso logo após retornar da sua tarde com Leifea, que como prometido por Develine, virou a jardineira oficial da mansão.

— Não, meu negócio com Leifea é outro— a pequenina sorriu maliciosamente. — Isso aqui é uma vantagem estratégica para o futuro — respondeu orgulhosa de si mesma.

— É mesmo? Então o que é isso, princesa?! — Ouvindo a conversa de longe, Tânia aproximou curiosa logo que se despediu dos rapazes da guarda.

— Ainda bem que perguntou — com um largo sorriso em seu rosto, a pequenina estufou seu peitoral reto — Isso é o futuro, Tânia! O futuro! — abriu o papel e com sua outra mão apontou para os esquemas que desenhou.

A guarda-costas e a babá se entreolharam confusas: "Nós deveríamos saber o que é isso?" Era o que o olhar delas dizia.

Develine suspirou.

"Claro que elas não saberiam, isso só deveria ser criado daqui há oito anos." Deu de ombros. — Isso é uma arma de fogo — enfim explicou. — Quer dizer, ainda melhor, uma arma de fogo mágica — respondeu altivamente.

— Uma arma de fogo? — Marlly encarou Tânia, procurando saber se a guarda-costas tinha alguma ideia.

— Magica? — A jovem de cabelos castanhos escuros fez o mesmo com a babá, encarando-a em busca de esclarecimento.

Ambas estavam perdidas.

— Me perdoe a ignorância, princesa, mas o que é uma arma de fogo? — Tânia questionou.

Vendo que ninguém estava tão animado quando ela, Develine ficou emburrada e inflou suas bochechas.

"Eu não consigo me acostumar com isso. A princesa é tão fofa!" Tânia quase babou.

"Como uma criaturinha pode ser tão adorável!" Marlly sentiu seu lado materno implorar para pegar a garotinha no colo e lhe dar todo o carinho do mundo.

Claro, por fora às duas permaneceram com semblantes confusos, evitando externalizar seus ataques. Aquela ainda era a sétima princesa. Depois de algum tempo observando a falta de reação das duas mulheres, Develine suspirou.

"Faz sentido. Não é como se eu tivesse histórico de inventora para elas ficarem animadas com isso" Aceitou a realidade.

— Isso, minhas companheiras — disparou, balançando o desenho em sua mão direita. — Isso é um dispositivo que cospe pequenas bolas de ferro - respondeu.

— Tipo uma funda? — voltando a si, Tânia questionou. "Mas não têm cordas." Encarou o desenho diante dela com atenção.

— Sim, só que muito melhor — a pequena respondeu orgulhosa.

— Além de linda, a senhorita é um gênio — Tânia bateu palmas, ficando animada mesmo sem entender o que aquilo queria dizer.

E Marlly acompanhou, tão perdida quanto.

"Suas falsas!" Develine disparou internamente."Mas tudo bem! O importante é que estou prestes a completá-la antes dos Reinos Unidos", encarou seu desenho e por uns instantes seus olhos deixaram de ser brilhantes e gentis para ficarem afiados e ameaçadores. "Eu definitivamente terei a vantagem na guerra. Eu definitivamente vou salvar a mamãe", encarou a maga ruiva que caminhava elegantemente radiante pelo jardim.

Após algum tempo admirando sua mãe, ela percebeu que alguns homens parrudos a seguiam de perto. Estranhando a questão, Develine levantou uma sobrancelha.

— Quem são aqueles? — Questionou Marlly.

A cuidadora olhou na mesma direção que a jovem e em seguida a respondeu parecendo se lembrar de algo: — São construtores.

— Construtores? — a garotinha estranhou.

— Sim! — Marlly respondeu.

— Para quê? — ficou interessada.

— Para construir a sua biblioteca pessoal, princesa — Marlly estranhou a pergunta.

— QUÊ?! — Develine ficou pasma.

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