Concluí meu primeiro bimestre com três crimos de prata e um único iyane no bolso.
Não fazia muito tempo, isso me pareceria ser todo o dinheiro do mundo. Agora eu apenas esperava que fosse o bastante para as mensalidades de mais um período e um beliche no Cercado.
A última onzena de cada período na Academia era reservada para os exames de admissão ou promoção. As aulas eram suspensas e os professores passavam várias horas por dia aplicando provas. A taxa escolar cobrada pelo período seguinte baseava-se no desempenho de cada aluno. Um sorteio determinava o dia e a hora em que ele se submeteria ao exame de admissão.
Quase tudo dependia dessa breve entrevista. Errar algumas respostas podia facilmente dobrar o valor da taxa. Por isso, prezavam-se muito os horários mais para o final da onzena, já que eles davam aos estudantes mais tempo para estudarem e se prepararem.
Havia uma vigorosa negociação dos horários marcados depois de realizado o sorteio. Trocavam-se dinheiro e favores à medida que cada um disputava o horário que mais lhe conviesse.
Tive a sorte de pegar um horário no meio da manhã do dia-da-pera, o último dia dos exames. Se quisesse, poderia tê-lo vendido, mas preferi usar o tempo adicional para estudar. Sabia que meu desempenho teria de ser brilhante, visto que, aquela altura, diversos professores já não estavam tão impressionados comigo.
Meu truque anterior de espionagem estava fora de cogitação; eu tinha descoberto que essa conduta dava margem à expulsão e não podia arriscar.
Apesar dos longos dias que passei estudando com Alas e Leif, as provas foram difíceis. Respondi sem problemas a muitas perguntas, mas Hilme foi francamente hostil, formulando questões com mais de uma resposta, de modo que nada do que eu respondesse pudesse estar certo.
Brandon também se mostrou difícil, claramente ajudando Hilme a dar vazão ao seu ressentimento.
Loran foi indecifrável, porém mais intuí sua desaprovação do que a percebi em seu rosto.
Em seguida inquietei-me enquanto os professores discutiam minha taxa escolar. As vozes foram serenas e baixas no começo, depois ficaram um pouco mais altas. Kelvin acabou por se levantar e sacudir o dedo para Hilme, berrando e esmurrando a mesa com a outra mão. Hilme manteve uma compostura maior do que eu teria conseguido, se tivesse de enfrentar quase 130 quilos de um artífice furioso aos gritos.
Depois que o Reitor conseguiu recobrar o controle da situação, fui convidado a me aproximar e me entregaram meu recibo: "A'lun Vanitas. Período de verão. Taxa: 3 Cri. 9 Iy. 7 Fe."
Oito iyanes além do que eu tinha.
Ao sair da Sala dos Professores, ignorei a sensação de vazio na boca do estômago e procurei pensar num modo de conseguir pôr as mãos em mais dinheiro até as 12 horas do dia seguinte.
Dei uma rápida passada por dois cambistas cealdamos do lado de cá do rio. Como eu suspeitava, recusaram-se a me emprestar até mesmo um fino lumen. Embora isso não me surpreendesse, foi uma experiência esclarecedora que mais uma vez me lembrou como eu era diferente dos outros estudantes. Eles tinham família para pagar suas taxas escolares e lhes dar mesadas para cobrir as despesas cotidianas. Tinham sobrenomes bem conceituados, com os quais podiam obter empréstimos numa situação de emergência. Possuíam bens que podiam empenhar ou vender. E, se ocorresse o pior, tinham lares para onde voltar.
Eu não tinha nenhuma dessas coisas. Se não conseguisse arranjar mais oito iyanes para a taxa escolar, não haveria nenhum lugar no mundo para onde pudesse ir.
Tomar empréstimo de um amigo parecia a alternativa mais simples, porém eu valorizava demais meu punhado de amigos para me arriscar a perdê-los por dinheiro. Como dizia meu pai, "há dois modos certeiros de perder um amigo: um é pedir empréstimos, outro é concedê-los".
Além disso, eu fazia o possível para guardar segredo de minha pobreza aflitiva. O orgulho é uma tolice, mas é uma força poderosa. Eu só lhes pediria dinheiro como ultimíssimo recurso.
Considerei brevemente a ideia de furtar, mas vi que era ruim. Se fosse apanhado com a mão no bolso de alguém, eu levaria mais do que umas chicotadas. Na melhor das hipóteses, seria preso e forçado a enfrentar a Lei Férrea. Na pior, acabaria diante do Chifre e expulso por Conduta Imprópria para um Membro do Arcano.
Não podia correr esse risco.
Eu precisava de um agiota, um daqueles homens perigosos que emprestam dinheiro a pessoas desesperadas. Talvez você tenha ouvido referências românticas a eles, como gaviões do cobre, porém o mais comum era serem chamados de raspa-moedas ou furtes. Qualquer um que fosse o nome, eles existiam em todo lugar. O difícil era achá-los. Tendiam a ser muito sigilosos, já que seu ramo de negócios era, na melhor das hipóteses, semilegal.
Mas a vida em Notrean me ensinara uma ou duas coisinhas. Passei umas duas horas visitando as tabernas mais fuleiras nas imediações da Academia, puxando conversas informais, fazendo perguntas como quem não quer nada. Depois visitei uma loja de penhores chamada Lumen Torto e fiz perguntas mais incisivas.
Acabei descobrindo aonde precisava ir: ao outro lado do rio, em Torrente.