Primeiro Richard confere as gavetas, era incrível como tinha de tudo lá.
Alguns documentos, cigarros, meias, cuecas limpas, um álbum de fotos, algumas chaves com etiquetas, uma delas dizia "sala do diretor", um sorriso leve quase se forma nos cantos da boca dele ao encontrar esse último, porém foi apenas por um segundo.
Ele se perguntou que tipo de pessoa coloca etiquetas em algo obviamente ilegal?
Suas mãos enluvadas vasculharam por um tempo até que encontrou algo realmente interessante, e seus olhos brilharam de excitação, um litro de álcool.
"Kolin pode ser realmente divertido as vezes"
Seus olhos passam pelos objetos sobre a cômoda, especialmente algumas faixas ensanguentadas e o álbum de fotos.
Em uma de suas memórias ele ouve claramente a voz estridente de Kolin gritando seu nome e o amaldiçoando de diversas formas criativas.
Kolin já tinha passado duas semanas na cadeia, seu temperamento deve estar pior do que nunca, provavelmente explodiria ao ver sua amada aos prantos e seu quarto em chamas.
Uma imagem do belo caos que se formaria passa pela sua mente e ele acende o isqueiro, a chama brilhante envolvia tons de azul e amarelo, seu calor aquecendo lentamente as mãos enluvadas sem chegar realmente a ele.
"Por que chamas são tão lindas?"
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Na delegacia.
A cela estava fria e desconfortável, Kolin tenta se acomodar no banco, mas sente suas pernas formigarem, a queimação se espalhando lentamente sob sua pele.
Não importava quantas vezes ele fosse levado ali o lugar continuava chato, entediante, e sufocante... não muito pior que a escola na verdade.
Quando era mais novo sua memória estava cheia de falsas expectativas sobre a cadeia ser um lugar onde apenas caras legais entravam.
Toda essa ilusão vinha do fato de que a maioria das pessoas do seu clã já tinham ido parar lá ao menos uma vez na vida, logo Kolin pensou que era sua obrigação também ir, porém agora ele percebeu que ir para a cadeia não era uma escolha, e em todos os casos que viu se tratava apenas de discriminação.
Um modo de separar os bons dos maus, os justos dos infiéis, ou ao menos isso é o que a assembleia julga ser.
Seus pulmões inspiram fundo o ar úmido e frio da cela, e em seguida seus olhos olham da cabeça aos pés o homem de músculos enormes ao seu lado, ele não parecia simpático, uma enorme tatuagem lhe cobria o ombro direito, o símbolo da grande assembleia estava estampado ali, ou como Kolin os havia nomeado pessoalmente: "grandes hipócritas paus no cu".
Não era um nome muito criativo mas ele gostava da entonação.
Tirando os músculos, ele concluiu que o homem era do tipo que é possível achar em qualquer esquina, com a barba mal feita e traços comuns, um típico drogado valentão.
O olhar do grandalhão por fim recai sobre o jovem o encarando, ele devolve uma encarada violenta com o cenho franzido.
Mil xingamentos diferentes passam pela cabeça de Kolin, mas ele se lembra que Melanie havia lhe dito que essa semana era o aniversário de namoro dela com o anjo irritante.
Ele percebe que não era uma boa ideia passar mais uma semana na delegacia por mal comportamento, se causasse um problema novamente seria executado de vez.
"Embora morrer, as vezes seja um privilégio eu devo dizer"
— Daora essa tinta na sua pele, sabe onde posso fazer uma igual? — Kolin pergunta tentando não parecer grosseiro, mas sua voz soa mais alto do que deveria fazendo um som estranho.
— O que você está insinuando seu pirralho de merda? — O cara levanta parecendo alterado e irritado e faz menção de lhe dar um golpe.
— Se eu fosse você não faria isso... — Kolin começa.
O homem o ignora e acerta o que poderia ser chamado de soco, uma fricção forte acontece junto com um baque seco fazendo com que o grandalhão seja jogado contra a parede.
Kolin ficou intacto mas não estava feliz por isso, as vezes ele simplesmente odiava o sangue que corria em suas veias, se ao menos ele tivesse o mínimo controle gostaria bem mais de si mesmo.
— Eu avisei, meu poder ainda não se estabilizou sabe, e essa porra dessa coleira imunda devia ser mais útil, mas parece que sempre quando é comigo ela falha, eu realmente não estava afim de fazer isso, mas quando você... me atacou, por reflexo me defendi e deu no que deu. — Ele murmura sozinho, ou melhor, com o homem que agora estava desacordado.
Kolin arrasta o homem desacordado e coloca de modo brusco em cima do banco de pedra instalado na cela.
Olhando de perto, a tatuagem em seu braço parecia fajuta, provavelmente era só um adorador tolo da assembleia.
No geral só existem dois clãs, a assembleia, clã dos sacerdotes, curandeiros, aqueles que estão no topo do poder e também apelidados anjos pela sociedade, seu símbolo é uma aspiral.
Eles nasceram naturalmente com poder de curar os outros e superiores em todos os quesitos, por isso naturalmente estão acima de tudo e todos.
O segundo clã — na qual Kolin pertence — são ou pelo menos deveriam ser soldados, mas no momento estão mais pra marginais, aqueles que estabelecem e exigem seus direitos de uma forma diferente, mais brusca?
Esse segundo eram apelidados de demônios pela sociedade.
Eles foram incumbidos desde o nascimento a agir de acordo com a característica especial que despertasse aos cinco anos, alguns despertavam antes, outros eram discriminados por demorar demais para despertar e haviam aqueles excluídos da sociedade por nunca despertar.
Os demônios tinham naturalmente um poder bruto e uma sede incessante de sangue, se não ferissem alguém em curtos períodos de tempo, logo eram levados a loucura.
Como forma de proteção e devido aos muitos casos de violência e mortes pela falta de controle, os demônios foram obrigados a ter um contentor composto de turmalina agarrado ao seu pescoço, a fraqueza deles.
Kolin havia apelidado carinhosamente de "coleira maldita", é essa coleira negra que contém essa energia sanguinária em seus corpos, os suprimem completamente.
O contentor não poderia ser retirado de seus pescoços de forma alguma, a não ser que fosse destruído, eles só tinham um para toda a vida, com exceção de Kolin, o dele só funcionou até os dez anos.
No fim das contas sua energia demoníaca era muito intensa, ele já causou inúmeros acidentes, se não viesse de uma família de anjos provavelmente já teria sido condenado a morte.
Era irônico que ele houvesse nascido em um clã oposto ao seu.
Pelas óbvias diferenças, os dois clãs são inimigos e repudiam um ao outro, mas com os recentes ataques de monstros na fronteira eles fizeram uma espécie de aliança que obviamente só beneficiava uma das partes.
Quanto a isso também foi combinado de eles dividirem o mesmo estabelecimento de ensino, formando uma junção estranha dos dois clãs, uma tortura que não chega a ser bonita.
Não é como se Kolin se importasse de ser desprezado, mas dividir o mesmo lugar que Richard era repugnante.
Seus olhos que despejam soberba sempre fizeram Kolin ter vontade de arranca-los e os deixar escondidos em algum lugar que somente ele pudesse ver, assim ninguém mais olharia para aquele hipócrita com tanta adoração.
Uma vez enquanto procurava Melanie ele encontrou Richard e Melanie se beijando, ele tinha uma expressão de tédio durante a agarração dela mas quando viu Kolin ele segurou o pescoço de Melanie e aprofundou o beijo enquanto o olhava, um sorriso irritante de provocação aparecendo em seus lábios.
Nesse dia Kolin teve uma explosão de magia que o deixou em coma por dias, sempre que se lembrava da cena, a raiva crescia em seu peito.
Ele volta a si quando uma policial se aproxima, e abre a cela.
— Kolin Corteny? — Ela pergunta o olhando com desprezo, aparentemente era um anjo, já que não tinha a coleira, um jeito bem patético de adivinhar a qual clã alguém pertence.
Ele faz um sinal com a cabeça confirmando.
— A senhora Corteny pagou a sua fiança, está liberado. — Ela informa enquanto se afasta.
— Mamãe sempre prestativa. — Ele murmura para si mesmo.
Ela é sempre assim, aparece para pagar algo que o filho problemático fez, para assim quem sabe diminuir a culpa dela em relação ao abandono.
Tão admirável.
— O que disse? — A policial indaga.
— Quero usar o seu telefone, será que eu posso?