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O Olho que Tudo Vê

Enquanto retornavam à cidade de Grand Island, Reid queria saber mais sobre seus parceiros de grupo, principalmente para conhecê-los melhor e poder contar com eles. Agente Osmundson ia à frente, logo atrás dela seguia Brandon, com Solina andando ao lado de Reid e o 1-4-9-2 carregando o caixão de ferro nos braços, ainda com algo se debatendo dentro.

— Então... Nascer com uma Anomalia, hem? Como foi isso?

— Não é nada demais, na verdade. Não sou uma de vocês; mas tenho que ir aonde levarem o "espírito". Pelo menos viajo um pouco!

— Literalmente desde pequena você tem ele?

Pensando em como contaria, Solina cruzou os braços enquanto andava ao lado dele, dizendo:

— Meus pais falam que quando o médico me pegou da barriga da minha mãe, eu estava reluzente, com essa luz roxa em volta do meu corpo. Enquanto eu crescia, mais o espírito se desenvolvia: surgia a mão, às vezes uma perna... Que eu me lembre, já falava com ele aos cinco anos; mas nunca me respondia. Sempre tentava vê-lo escondido dos meus pais e dos meus irmãos... Só fui levada p'ra Fundação depois que eu causei... um problema, e desde então, estou lá. — Reid entendeu que Solina não queria falar daquilo naquele momento, evitando perguntar sobre

— Faz quanto tempo que está na Fundação?

— Sei lá, uns três anos talvez. A Monviso me visitava direto na minha cela, então sinto que já conheço a Lisbon... Ei, Reid — falou, mudando de assunto rapidamente —, eu ainda não entendi o porquê você confiou em mim. Tipo, 'cê deixou nas minhas mãos p'ra derrubar aquela coisa!

— Sendo sincero, acho que esse seu espírito é muito forte em força bruta e velocidade, e eu e o Brandon não iríamos derrotá-lo juntos nem se quiséssemos. Foi apenas um palpite — respondeu-lhe.

— Sei não... Seu efeito passivo é voltar no tempo, cara, todo mundo já sonhou com isso, você pode fazer o que quiser!

Interrompendo-a, Reid disse:

— Eu só volto quando morro, não é tão legal assim... — Reid riu de nervoso.

— Ah... Você sente tudo quando volta?

— Não é quando volta, é... antes de voltar. Enquanto eu não morrer, a dor se mantém no corpo, e assim que eu perco a consciência, eu acordo gritando; mas sem dor. Ela passa; só que a memória e o sentimento de agonia ficam...

— 'Cê morreu quantas vezes, Reid?...

— Hm... — Pensou o rapaz. — Acho que umas sete ou oito vezes.

— Caraca, sinto muito... Eu não sei como reagir a isso, foi mal...

Ao chegarem à entrada da cidade, Reid cochichou com Solina, perguntando sobre Brandon.

— Por que ele é tão... intenso? Estressado?

— Ah, dizem que ele já fez coisas que uma pessoa sequer imaginaria fazer, além de não confiar tanto na Fundação. Acho que faz sentido sendo uma Anomalia. O passado dele é bem complicado e eu não sei dos detalhes.

— E qual o efeito dele?

— O efeito passivo dele aumenta a produção de alguns minerais do corpo de forma muito rápida, e isso faz os dentes, as unhas e, de vez em quando, os ossos ficarem maiores, mais rígidos e mais afiados. Por isso era tratado como um animal, pelo que ouvi. P'ra que caçar com cães quando se tem alguém que é mil vezes mais mortal?

A raiva acumulada de Brandon era, em partes, justificada pelo passado em que sofreu nas mãos de traficantes e chefes de gangues. Decidindo encerrar o assunto, Reid parou de falar, apenas seguindo adiante. Andando na simples cidade com pouco menos de cinquenta e cinco mil habitantes, o olhar do povo era de repulsa e antipatia, até mudando de calçada ao chegar perto deles. Brandon, mesmo sabendo que suas vestes não mudariam os olhares, disse:

— Quero roupas novas, Lisbon.

— Admito que as suas roupas estão um trapo, e a de vocês dois aí atrás também. Não vejo problemas já que a Fundação não entregou nenhum uniforme para usarem, só não comprem algo tão caro, é do meu bolso que vai sair...

Não tão perto deles, havia uma loja varejista de roupas chamada T.J. Maxx, a qual era conhecida na cidade por ter uma variedade de vestimentas a preços baixíssimos. A loja ficava perto da avenida Wilmar, onde várias lojas ali perto ficavam, sendo estabelecimentos alimentícios, postos de gasolina, armazéns de construção, entre outros comércios. Valeria a pena ir até lá, e, ligando para o agente Denley os encontrarem no estacionamento da loja de roupas, entraram e compraram roupas novas para os Espécimes do grupo 731. A loja era grande, um imenso galpão com diversas camisas, calças, saias, bonés, blusas e calçados. Tudo que pudesse imaginar de roupa, ali eram vendidas.

— Só porque estão comportados, vou confiar em vocês, então escolham as roupas, irei esperá-los perto dos caixas. Não façam nada de errado, pelo amor de Deus...

Brandon ficou sozinho, escolhendo uma camiseta amarela, uma jaqueta azulada e uma bermuda preta, sendo esta casual para esportistas. Uma roupa assim lhe daria movimentos melhores, já que seu efeito passivo era inútil se ele não se movesse hábil e rapidamente no início, mantendo-se ainda descalço. Solina, com o 1-4-9-2 segurando o sarcófago e derrubando alguns produtos com a traseira daquele caixão de ferro, andou junto a Reid, o qual não sabia o que escolher. Todos na loja encaravam o grupo de recuperação; mas não poderiam atrapalhar na "missão" deles. Decidindo provocar Reid numa brincadeira, Solina o chamou enquanto segurava uma calcinha de renda vermelha perto de suas pernas, balançando-a dum lado ao outro.

— Ei, Reid, me ajuda a provar? Será que eu fico bem usando isso?...

Corado e evitando olhar, respondeu-lhe:

— Cla... Claro, fica muito bem em você, eu acho. Não que... que eu ache que algo não fique bem em você, é só que vai ficar bem essa... roupa. Não que eu esteja te imaginando usando, aliás... é só que...

— Hahahaha!!! — Ria enquanto o rapaz gaguejava. — Você não é bom em falar com garotas, né? Hahaha! 'Tô' zoando com você, relaxa.

— Você é uma chata, sabia?... O que vai comprar?

— Sei lá, não faço ideia. E você?

— Também não sei...

Ambos ficaram cerca de quinze minutos escolhendo quais roupas usariam ao longo do tempo que contivessem as Anomalias. Reid escolheu uma calça jeans, manteve seu tênis Converse de quando estava na Universidade de Stanford e pegou uma camiseta básica semelhante à qual usava; mas ao invés de verde, era vermelho-escura, com uma blusa preta. Solina trocou apenas sua camisa, sendo bege e muito maior do que usava, larga demais para ela. Tanto o calçado quanto seu short não mudaram, pois os achava confortáveis.

Encontrando-se com Lisbon no caixa, a agente Lambda não comprou nada para ela. Aguardando apenas Brandon, não esperavam que ele precisava apenas se cuidar mais. Amarrando seu cabelo longo, fez um coque, evitando-o cair em seu rosto, além de pegar uma máscara de pano preta para esconder sua boca absurdamente larga e tenebrosa. Não queria mais chamar a atenção, ficando na surdina; mas sua cicatriz puxava os olhares mesmo que não quisesse.

— Uau, quem te viu e quem te vê, hem?

— Cala a boca, Solina.

— Certo... Quando o agente Denley voltar, partiremos p'ra estrada de novo depois do almoço — falou Lisbon. — Mal chegamos e já capturamos uma Anomalia, manter esse ritmo 'tá ótimo para eu ver seus potenciais. — Aguardando cerca de vinte minutos, o caminhão chegou e fizeram o que Lisbon falara.

Em Nova Iorque, Christina ainda estava receosa sobre dois assuntos pendentes naquele dia: sua irmã e a HÓRUS. Acerca desse, a jornalista não queria magoar a mãe, mesmo que não visse a irmã há anos, enquanto que este lhe poderia trazer mais informações sobre a Fundação; mas era um tiro no escuro. Acordou tarde por ter dormido pouco no dia anterior, por volta das dez horas da manhã, Querendo ir ao Central Park para tomar um ar livre. Usando uma calça moletom e uma camisa básica amassada, a qual dormira com ela, pôs seu tênis e foi correr para pensar.

A HÓRUS estava de olho nela depois de confrontar o Ômega, ficando em destaque na coletiva internacional da ONU. Ninguém falava de nada que não fosse acerca dos Sigma ou das demais Jaulas escondidas. Sentando-se num banco que ficava à frente do lago Jacqueline Kennedy, propôs-se a pensar sobre sua irmã querer almoçar com eles após tanto tempo sem notícias dela. "O que aquela garota está aprontando?", pensava Christina. Levantando-se e correndo mais um pouco, voltou ao apartamento de seus pais para trocar-se e irem almoçar.

Entrando, percebeu que sua mãe estava no quarto, e seu pai, sentado na sala, pondo seus sapatos. Indo ao banheiro, tomou um banho para aliviar-se. A água gélida que escorria pela sua cabeça e descia até seus pés era uma enxurrada que a livrava dos pensamentos que enchiam sua cabeça. Mesmo que fosse algo simples, ficar em silêncio depois do Incidente do Colorado enquanto o corpo era relaxado pelas gotas do chuveiro era uma terapia de valor inestimável.

Enxugando-se, colocou uma presilha branca em seu cabelo marrom-bordô que ficava abaixo dos ombros. Pôs a mesma calça jeans e os mesmos tênis; mas com uma regata azul-piscina, tendendo ao ciano. A camiseta de Christina deixava suas costas evidentes, ficando exposta a tatuagem de meio coração esquerdo que tinha. Enquanto seu pai colocou uma roupa social simples, sua mãe usou um vestido florido que combinava com a bandana na cabeça, sendo ambos coloridos o bastante. O lugar combinado do almoço seria no restaurante Carmine's Italian, sendo esse o lugar onde Krystal insistiu em encontrá-los.

Chamando um táxi, foram ao restaurante italiano. Mesas redondas com toalhas brancas e candelabros dourados no teto remetiam à moda da Itália que aquele lugar apresentava. A mesa lhes reservada ficava quase que no meio do restaurante, com Krystal os esperando. Cabelos castanhos abaixo dos ombros, uma pele clara, olhos gentis... Christina e Krystal eram gêmeas univitelinas, sendo idênticas fisicamente. Mesma voz, mesma altura; mas demasiadamente diferentes na personalidade. Enquanto que a repórter falava o que pensava e era determinada, sua irmã sempre agia submissa a ordens, mal expressando sua opinião.

Assim que a viu, Christina reparou em suas roupas: uma calça escura, camiseta preta justa em seu corpo, calçados discretos. Quando Krystal se levantou, a marca da Fundação na camiseta dela evidenciou onde trabalhava. Mesmo não a perdoando após tanto tempo, Christina a cumprimentou normalmente. Depois de todos se sentarem, Margaret e John pegaram os cardápios para escolherem algo, tentando quebrar o olhar frio que ambas as filhas cruzavam sobre a mesa, em especial, o olhar de Christina, a qual falou arrogantemente:

— E então, Krys, quais as novidades? Se divertindo?

— Estou na Fundação S.E.T.H. faz três anos.

Krystal apenas disse isso, frustrando sua irmã, a qual esperava mais explicações.

— Só isso? Obrigada pela justificativa, ajudou muito...

— Ei, Chris, escolha algo para comer, depois resolvemos isso... — Falou seu pai. Mesmo que o apelido das duas fosse extremamente semelhante, elas sabiam que a entonação do "i" de seus nomes e a força feita no "R" era diferente quando seus pais as chamavam.

Com todos pedindo macarrão à parisiense, o clima ainda era pesado. O que deixava Christina pensativa era o porquê de reunirem-se justo agora, coincidindo com a noite anterior do Congresso da ONU.

— Krys, você ligou p'ra mamãe e p'ro papai por quê?

Nervosa, Krystal mexia em suas mãos por cima da mesa. Claramente estava ansiosa depois de anos sem os verem, e por mal falar o que pensava, não sabia como lhes explicar.

— Depois que você apareceu na TV, eles viram que éramos parentes e conversaram comigo... Eles não gostaram muito disso e estão pensando se vale a pena ficar comigo ou me demitirem, estou com medo... — Christina viu que sua irmã estava sendo prejudicada por uma atitude que não fez, ficando estressada com a Fundação.

— Mas como eles têm coragem de fazer isso?? Não é justo, eu que 'tô' fazendo o meu trabalho, e não você que 'tá atacando eles!

— Eu sei, Chris; mas eles não pensam assim... Eles foram atrás daquele seu informante e sabem que você teve ajuda p'ra saber daquele... presidiário. Eles estão de olho em você desde que apareceu lá, e agora... em mim...

— Eles estão nos vendo agora? — perguntou-lhe, assustada e irritada.

— Talvez... Quanto mais gente, pior para eles, por isso escolhi aqui.

Considerando a ligação que teve à noite com a HÓRUS, Christina pensou. Pensou tanto que ficou em silêncio por instantes.

— Eu quero te mostrar uma coisa depois, 'tá?

Apenas assentindo com a cabeça, seus pais não entenderam nada. Enquanto comiam, a família reunida conversava sobre qualquer coisa que distraísse Margaret de seus problemas. Christina não a havia perdoado por completo; mas, por ora, ajudá-la-ia. Assim que terminaram de comer, Krystal insistiu em pagar a conta. Chamando um táxi para seus pais, Christina e Krystal se despediram deles. John ficou aliviado por Christina não ter feito nenhum escândalo com a irmã, enquanto que Margaret se lembrou de como eram no passado, com as duas se dando bem, confortando-a.

O endereço que lhe passaram ficava a seis quarteirões dali, indo a pé com sua irmã. Mesmo que Krystal estivesse curiosa, não dizia nada.

— Por que você sumiu, Krys?...

— Eu precisei. Quer dizer, eu precisava.

— E agora? Me ligou só porque a Fundação não quer mais você? Por isso quer voltar à nossa família?

— Não.

— ... — Mesmo que não falasse nada, Christina resmungava internamente em seus pensamentos. — Você sabe que, fazendo isso, guardando o que pensa, nunca vai p'ra frente, né?

— Eu sei.

— Viu só? É isso que 'tô falando... Deixa quieto, depois conversamos, Krys.

— 'Tá. — As falas curtas e pouco detalhadas irritavam Christina.

O endereço as levava a uma loja antiga de eletrodoméstico, a qual fazia reparos em televisores e rádios, não chamando atenção alguma, sendo uma loja despercebida por todos. Aquelas televisões de tubo obsoletas não eram aliciantes, tampouco atrativas. Entrando e empurrando a porta de vidro, o som repetitivo do ventilador de teto ecoava no silêncio da loja, mesmo que o trânsito barulhento das ruas tornasse efêmera a quietude. Um homem de cinquenta anos estava perto do balcão, assistindo a algum programa antigo na televisão que ficava perto dele.

— Olá, com licença, sou Christina Birch e... — Levantando-se, o homem, dizendo nada naquele momento, abriu a porta que ficava atrás do balcão, a qual parecia levar ao fundo da loja.

— Só seguir reto.

— Minha irmã pode ir também? — Sem resposta, aquele senhor alto e careca apenas a encarava.

Uma escadaria com lâmpadas incandescentes no teto as levaria ao local verdadeiro. Assim que entraram, o senhor fechou a porta, sem dizer nada. Ambas desceram as longas escadas rústicas feitas de cimento. Assim que chegaram ao fim dela, dezenas de homens e mulheres, todos com idades variadas, estavam ali, mexendo em computadores e conversando em rádios. Uma falação ressaltava aquele longo porão de túneis improvisados cheio de corredores. Indo adiante como o senhor lhes havia dito, chegaram até um tipo de escritório. Uma porta de concreto separava aquele escritório do resto subsolo cheio de gente. Batendo levemente à porta, abriu-se com um rapaz jovem à frente delas.

Seu cabelo era extremamente pálido, branco como a neve, além de bagunçado. Usava uma roupa cinza-escura que cobria todo o seu corpo, semelhante a um terno, com uma camisa preta abotoada por dentro. Seus olhos eram caramelados, uma cor bonita e rara de encontrar-se, parecidos com mel. A parte debaixo da roupa combinava com o terno, com uma aparência gasta e um sapato preto mais desgastado ainda. Dum jeito educado, abriu seus braços e deu espaço para passarem e entrarem em seu escritório. Não havia coisa alguma que chamasse a atenção, apenas uma mesa com três cadeiras e vários armários de metal. O único detalhe era um grafite na parede atrás, um desenho amarelo do símbolo udyat: o olho de Hórus.

— Christina!... Obrigado por vir, agradeço muito por considerar a nossa proposta.

— Obrigada, eu acho...

— Que bom que sua irmã já está aqui.

— Como assim? — perguntou a repórter.

— Podem me chamar de Duffner, sou um dos melhores informantes que a HÓRUS tem. Nós estávamos de olho nos supostos agentes Sigma há um bom tempo; mas nunca tivemos nenhuma prova até você expor tudo. Devo lhe agradecer pela ajuda!

— Fico feliz em ter ajudado vocês, mesmo que não tenha sido proposital; mas o que você falou da minha irmã? — Levantando-se, Duffner olhou para o grafite atrás dele.

— Você sabe o motivo da HÓRUS ter esse nome?

— É por causa do deus egípcio, todos sabem disso.

— Sim, e Hórus representava a luz, a verdade! A Fundação S.E.T.H. tem diversas camadas de sujeira e podridão; mas todos estão com os olhos fechados. — Abruptamente, um terceiro olho se abriu na testa dele. Diferente do olho humano, a esclera era avermelhada, e a íris, amarelada. — As Anomalias não se limitam nas que a S.E.T.H. dominam, e enquanto não mudarmos essa situação, nunca pararão de nos perseguirem... — Fechando seu terceiro olho, sentou-se e fez a proposta para Christina. — Eu recebi uma ordem para proteger você, Christina, porque a S.E.T.H. está muito zangada, e quero que entre para a HÓRUS. Seria de grande ajuda para nós e para si mesma, facilitaria muito.

— Me proteger? Do que você pensa que está falando?

— A S.E.T.H. tem muita merda debaixo da pose de "protetora da humanidade". Eu sei que você não é ingênua ao ponto de achar que são santos.

— Eu sei que não; mas... — Duffner a interrompeu.

— Então se eles quiserem dar um sumiço em você, eles darão. Um cão não ladra quanto tem valentia, e sim, quanto tem medo; e eu te garanto que estão apavorados. A verdade não deve ser escondida do mundo, e acredito que vocês duas seriam uma parte importante para a nossa luta.

Mesmo sendo uma organização não governamental, a participação política da HÓRUS começou a ganhar força após a índole da Fundação ser questionada pelos líderes mundiais, aumentando a visibilidade da oposição da S.E.T.H. Abrindo a gaveta, tirou algumas fotos impressas e pô-las sobre a mesa. Fotografias do Ômega que Christina discutira no Congresso da ONU mostravam que Rockefeller visitava alguns sítios de bases militares pelo mundo. A HÓRUS não sabia que aquele seria um dos Ômega; mas estavam de olho naquele homem há algum tempo.

— Richard foi flagrado há cerca de dois meses visitando bases militares da S.E.T.H. por todo o mundo. O Monte Yamantau, na Rússia, o Centro de Dados de Utah, a Base Naval de Olavsvern, na Noruega... Quartéis com diversos experimentos e estudos não documentados estão nos olhos da S.E.T.H., estamos achando que planejam algo recentemente... e é aí que vocês duas entrariam!

— Como assim? — perguntou Christina. — Você nem estranhou minha irmã estar aqui, como ajudaríamos?

— O nível de autorização que sua irmã tem pode nos ajudar muito a descobrir mais sobre os Rockefeller.

— 'Pera, que agente você é lá, Krys?

Tirando sua credencial do bolso, mostrou-lha. A irmã mal acreditava que, ao lado do nome, o símbolo da letra grega "alfa" estava estampada no documento. Após os anos que ficaram distantes, surpreendeu-se ao descobrir que Krystal já era uma Alpha.

— Isso você não me conta...

— Desculpa...

Guardando as fotos, Duffner continuou a explicação que dava:

— Acreditamos que algo chamado de "Operação Monarca" esteja sendo feita. Não fazemos ideia do que seja, e acho que sua irmã saiba muito menos o que seria. Ela pode ser o nosso bode expiatório enquanto você "jogaria verde" com eles. Precisamos de uma nova figura para a HÓRUS expor a verdade. O que me diz, Christina, a mulher que desafiou a Fundação?

— O que me dizem? O último representante da HÓRUS, pelo que me lembro, sumiu há semanas e foi encontrado desovado em uma praia. Não acha que é uma péssima proposta? — Pensativo, Duffner compartilhou o que sabia na intenção de conquistar aquela peça importante para o avanço da verdade.

— Você sabe há quanto tempo a S.E.T.H. existe, Chris?

— Desde a Segunda Guerra Mundial. Por quê?

— Não — falou Duffner —, desde quando a S.E.T.H. realmente existe?

Em silêncio, apenas Krystal se manifestou, ainda com o jeito tácito de ser.

— No século 17.

— Alguém fez o dever de casa... Eles surgiram com os ideais iluministas, há séculos. Sabem quanta verdade eles esconderam e ainda escondem? Só Deus sabe o quanto esconderão ainda por cima! O presidente Lincoln foi uma Anomalia; Espécimes de guerras medievais estão na posse deles e nem são expostos ao mundo; a evolução da tecnologia foi graças a muitos efeitos passivos; milhares de acidentes ditos como "falhas" foram causados pela má utilização da S.E.T.H., e ainda são tratados como heróis enquanto se escondem na dissimulação inocente aos olhos do povo!

Ambas perceberam surpresas com a grande exaltação de Duffner, com um olhar feroz de injustiça que a S.E.T.H. demonstrava. Não imaginavam que o homem de cabelos platinados buscava a verdade acima de tudo.

— Você concorda com isso? — perguntou Christina à Krystal, esperando um parecer da irmã.

— Eu... não gosto de mentiras... — Krystal parecia já ter noção sobre tudo aquilo, deixando a repórter indagada.

— Conversamos com a sua irmã antes; mas não sabia que as duas viriam. Só resta você dizer que está conosco, aquela farsa precisa acabar e...

— Você nunca me conta as coisas. Não fala sobre sua vida, sobre a Fundação, o que pensa... — Ignorando-o, Christina gritou com a irmã. — Achei que mudaria quando crescêssemos; mas você ainda não abre a boca! — Levantando-se, saiu daquela sala, indo em direção às escadas.

Saindo da loja, Krystal e Duffner a seguiram pelas ruas; mas distante. Christina sabia que estava sendo seguida, mesmo que estivesse com raiva e distraída, reparando nos homens que saíram dum carro estacionado ali perto. Cansada da irmã por sempre estar afastada da família, não sabia se queria ouvir as desculpas dela. Virando num beco por engano e indo até seu final, Christina tentou acalmar-se. Mal tendo tempo para respirar, agentes da Fundação apareceram. Três deles, todos usando roupas nada chamativas, eram fortes e tinham um metro e oitenta de altura, intimidando-a.

— Ei! — falou um deles. — Precisamos ter uma conversinha com você.

— Quem são vocês. Saiam daqui ou ligarei para a polícia!

— É inútil, somos da polícia — Retirando uma identificação igual a da senhora que morrera em Haswell, provou ser um Lambda. — Só precisamos que venha com a gente, seria melhor se falasse baixo. — Aproximando-se cada vez mais dela, Christina não estava gostando daquela situação.

— Uou, uou, uou... — falou Duffner, interrompendo-os. — Acho que ouvi essa mulher falar para irem embora...

— Cai fora, nanico — retrucou o homem do meio —, não é da sua conta.

— Acho tão feio zoar a aparência dos outros, bombadão... Sua mãe não te ensinou a tratar as pessoas bem? Vou ter que visitá-la de novo essa semana para contar o que aprontou?...

— 'Cê quer ver o interior de uma ambulância, por acaso? — falou o mesmo homem.

— Se uma ambulância vier aqui, vai ser para consertar essa cara amassada.

Irritado com o rapaz dos cabelos alvos, partiu para cima dele, tirando um canivete do bolso. Desdobrando-o, o canivete apontou uma lâmina serrilhada, a qual ficou na direção de Duffner. Abrindo seu terceiro olho, os três homens souberam quem ele era, esquecendo-se de Christina e dando foco ao problemático Espécime 1-2-7-7-4-4. O efeito passivo de Duffner fazia com que seu terceiro olho criasse figuras imaginárias em sua mente, todas dum retângulo com uma espiral dentro.

De acordo com o matemático Fibonacci, uma teoria de que a natureza obedecia a uma constante perfeita em todos os aspectos era o sentido do universo não sucumbir ao caos, e, abençoado pelo efeito passivo de enxergar tal constante sempre que abrisse seu terceiro olho, Duffner tornou-se uma das Anomalias mais astutas já conhecidas. Essa "constante perfeita" seguia uma sucessão infinita de números que obedecem a um padrão em que cada elemento subsequente é a soma dos dois anteriores. Assim, a sequência do elemento absoluto consiste nos valores 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377... tendendo ao infinito. Todos os valores apareciam em retângulos de diferentes tamanhos na cabeça dele.

Com tanta informação em meio à loucura da vida real, Duffner treinava cada vez mais suas habilidades para dominar a proporção áurea que enxergava. Lançamento de projéteis, formatos de veículos, anatomia de animais, fluxo das marés, movimentos de golpes, tamanho de objetos... Tudo sempre obedeceria à proporção do retângulo de ouro que ele percebia. Desde a deslocação de estrelas imensas até o formato da concha dum simples caracol, seu efeito passivo permitia enxergar o mesmo padrão numérico, e se há um padrão, após decorá-lo, tudo se torna previsível.

Mesmo sacando rapidamente o canivete, Duffner desviou num instante, aproximando-se do homem. Vendo todas as possíveis fraquezas de cada movimento, o contra-ataque era inevitável. Com um soco de direita, um murro certeiro no queixo do homem que era quase dez centímetros maior que ele já o fez desmaiar naquele momento. Duffner não era forte; mas a personalidade estrategista dele somada ao efeito passivo áureo tornava-o muito mais perigoso do que um assassino.

Vendo que o parceiro mal teve chance, os dois outros homens partiram ao mesmo tempo para atacá-lo. Enquanto um deles mirava nas pernas, o outro focava no rosto do rapaz. Movendo-se como uma dança ensaiada, ninguém o acertava. Christina, boquiaberta com o trabalho que ele estava dando aos homens, não acreditou que aqueles reflexos perfeitos existiam. Chutes, socos, ganchos e até cotoveladas eram lançados ao ar com as rápidas reações dele. Sempre que houvesse uma brecha, Duffner revidava, mesmo estando numa desvantagem. Por Nova Iorque ser uma cidade movimentada e barulhenta, as pessoas que passavam na rua anterior ao beco não notavam a luta deles.

Num instante, pôs um desfecho naquela briga. Dando um soco na boca do homem da esquerda, fê-lo sangrar os lábios com o impacto, provavelmente deslocando algum dente, enquanto que rapidamente acertou diversos socos na barriga do outro, não o nocauteando. Assim que a luta reduziu-se a um contra um, com uma rasteira, derrubou o homem e finalizou-o com um chute no rosto. Após os três ficarem desacordados, chamou Krystal, a qual esperava fora da vista deles, atrás duma lixeira.

— Eles são da Fundação? — perguntou-lhe.

— Sim, eu vi a identificação...

— Então que bom que não viram a Krystal. Christina, eu te avisei, você não está segura! — Duffner andava em direção a ela enquanto passava sobre os corpos desmaiados. — Está comigo para mostrarmos a verdadeira cara da S.E.T.H.? — Esticou seu braço, esperando um aperto dela.

Dando-lhe a mão, concordou insegura que os ajudaria. Deixando-os desacordados no beco, voltaram à loja de aparelhos para conversarem melhor sobre tudo aquilo. Olhando para sua irmã antes de descer as escadas, falou:

— Eu... não tenho raiva de você, só queria que se abrisse mais comigo, ou com a mamãe e o papai...

— ...

— Para fazer com que os segredos da S.E.T.H. sejam revelados, eu quero poder contar com você, Krys...

— ...

— Você está do meu lado, né?...

— Estou — falou Krystal, quebrando seu silêncio. — Me ajude a ser mais como você, por favor... — Segurando a mão da irmã, tentaria ensiná-la a como ser igual a ela, mesmo que fisicamente já fossem idênticas o suficiente.

Já era de tarde quando Ashe acordara do descansou que teve na traseira dum caminhão após a Jaula do Colorado ser destruída por ela. Esperava o comunicado que receberia dos Ômega lhe dando alguma bronca, ficando ansiosa com o que falariam. Talvez recebesse um afastamento temporário; mas com tudo aquilo acontecendo, não ficariam sem sua queridinha nas missões. Trocando de roupa, não poderia mais usar aquela, toda rasgada, suja e queimada. Pondo uma roupa nova, era totalmente preta, com grandes botões no peito, calça comprida e botas.

— Ashley, venha aqui... — Indo em direção ao agente Hill, ele estava com uma expressão de dúvida quando a chamou. — Os Ômega enviaram um comunicado para você depois que destruiu a Jaula.

— Ai meu Deus... 'Tô' muito encrencada?

— Pelo contrário, eles estão elogiando o que você fez.

— Quê?! Isso é sério? Mas por que eles achariam bom uma Jaula secreta ser destruída? Eles devem ter investido uma grana p'ra mantê-la.

— Concordo — falou Hill. — Eles queriam que fosse aniquilada para não ter rastros. Quando eu estava no exército, era muito comum fazermos isso para evitar depoimentos. Eles só querem saber do 9, e com você soterrando tudo ali embaixo, ganharam tempo.

— Tem alguma coisa muito errada nisso, Hill...

— Sim; mas eles querem apenas o 9 de volta. Vamos para a Base de Denver nos encontrar com uma nova equipe, essa que está com a gente vai terminar de resolver algumas coisas.

— Odeio viagens... — reclamou Ashe.

Apenas indo ela e Hill num jipe, a viagem de quase três horas pelo Colorado faria Ashe pensar sobre o que mais escondiam naquela Jaula, ficando pensativa e... lembrou-se de Reid. "Como será que ele está?", pensava a garota. Olhando pela janela do carro, encostou sua cabeça no vidro e começou a mexer nas pontas de seu cabelo loiro. Talvez um leve amor platônico, ou então, a preocupação dalguém que não poderia imaginar sobre aquele efeito passivo complexo e doloroso. De qualquer forma, não importando sobre o motivo de pensar nele, apenas o imaginava, ficando o trajeto inteiro distraída com os olhos bicolores dele.

O que os Alpha não imaginavam seria que, horas depois de partirem, todos os agentes dali seriam mortos. Silenciosa; mas brutalmente mortos. A Fundação que constantemente ajudava a humanidade não era uma deusa, assim como Duffner avisara às irmãs. Anomalias assim como Ashe, secretamente usadas, davam sumiço aos problemas pessoais da S.E.T.H., e numa cidade atacada e deserta, não haveria complicação alguma. Ao todo, vinte e sete agentes Lambda terminavam de explorar as casas dos cidadãos, com alguns deles pensando se era necessário, já que também eram agentes os moradores daquela cidade, e com certeza a Fundação tinha tudo o que acontecera nos últimos anos. Aquilo era para ficarem afastados e dispersos, criando brechas para as Anomalias enviadas à cidade.

Um por um, os agentes sumiam e paravam de dar respostas. Os Espécimes davam cabo de cada um deles. Os vinte e sete agentes morreram sozinhos, esquecidos por Deus numa cidade distante de suas famílias. Enterrados num pequeno deserto a leste da cidade, foram jogados numa vala profunda, a qual seria coberta por areia e terra. A escuridão só se rompia com o brilho do luar das oito horas num lugar com pouquíssimos postes, mantendo a discrição que os Ômega tanto queriam. Alpha dão problemas, já que o prestígio deles é visto por todos; mas os Lambda são cerca de sessenta e seis por cento dos agentes da Fundação. Ninguém se lembraria de cada Lambda quando são dois terços de agentes.

Enquanto uma Anomalia terminava de jogar areia com seu braço direito colossal, um Espécime parecido com um homem de quarenta anos pegou um comunicador e botou-o no ouvido, esperando alguém atendê-lo. Estava tão escuro que mal via seus parceiros, apenas escutando a areia cair e terminando de fumar um cigarro, o qual jogou a bituca no meio da terra que despencava.

— Relatório — falou Richard pelo comunicador.

— Demos fim nos agentes que pediu — disse enquanto expelia a fumaça do fumo.

— A Ashley viu vocês?

— Não, não, ela saiu com aquele militarzinho faz algumas horas, estão longe daqui.

— Voltem imediatamente, já é o suficiente. Não queremos mais problemas.

Desligando o comunicador, assim que cobriram a enorme cova, um dos Espécimes que parecia um polvo colocou seus tentáculos em cada uma das quatro Anomalias que estavam ali, prendendo-os com as ventosas. Num piscar de olhos, teletransportaram-se, deixando nenhum rastro ou testemunha para trás. Reid, Ashe e Christina não sabiam o perigo que estavam tendo ao aprofundarem-se cada vez mais nos negócios da Fundação, e o destino deles estaria mais perto de juntar-se, interconectando-se na perigosa verdade.

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