I
"Humanos".
Há mais de quatro bilhões de anos atrás nasceu a Terra, teoricamente contendo os pais de nossa espécie, evoluindo a partir de pequenos animais, nem animais, mas seres microscópicos.
Circunstâncias foram mudando através das eras, fomentando características que acabaram sendo passadas geração após geração, até culminar no ápice de nossa espécie, que é o que somos hoje.
Isso pode ser apenas uma teoria.
Para algumas crenças, características físicas podem não ser passadas através gerações, mas mais importante que isso, não é de se negar que há sim o legado da inteligência.
Porque somos capazes de aprender muito mais rapidamente que as demais espécies, adquirimos todo o conhecimento partilhado entre nossos antepassados durante toda a existência de nossa raça em apenas uma infância.
O ser humano demorou até pouco mais de cem anos atrás para inventar a luz. Hoje nada mais se faz sem ela.
Por carregar o conhecimento gerado em todas as gerações fomos capazes de dominar todas as formas de vida existentes na terra. Fomos capazes de expandir nosso uso de recursos de modo a preocupar-nos se há sustentabilidade. Fomos capazes de perfurar a camada protetora da terra que nos abriga. Fomos capazes de sair da terra e encontrar vida em outros lugares. Quando descobrimos a Arena fomos capazes de esconder um planeta inteiro com material refletor para evitar sua revelação.
Como se vê, por causa do conhecimento o potencial evolutivo do ser humano é infinito.
Porque não temos asas não suprimos esta falta com veículos? Porque não respiramos na água como os peixes não suprimos esta deficiência com o conhecimento?
E por que seria diferente com a indarra? Com o ductu? As finesses? O sano? O eretismo? O anti-ductu? O sigilo?
À falta de todas essas coisas, o ser humano inventou uma resposta: a aquisição artificial por meio de aparelhos. É claro que isso tudo é desconhecido à sociedade, pois se viesse à tona, revelaria também a existência do sobrenatural, de modo que não saia contando nada disso por aí.
Através de inserções diretas nos ossos durante o desenvolvimento conseguimos a indarra, através de estímulos cerebrais ativamos nossa capacidade de desenvolver finesses. Soldados que abandonam seu crescimento natural e passam por árduo treinamento sob vigilância do governo aprimorando suas habilidades de interesse de forma natural e artificial podem adquirir todas estas características.
Ou pelo menos até certo ponto.
A estes seres paranormais artificiais é concedido o título de "humanos alterados".
Eu fui voluntário no programa beta de alteração humana de Sproustown.
Eu estava me preparando para o alistamento militar. Queria fazer algo pela justiça. Eu perdi o amor de minha vida, Betty, com dezesseis anos de idade em um desastre. Nada mais fazia sentido para mim na época então me voluntariei.
Não sei onde estava com a cabeça.
Passei nove longos anos em um processo de modificação que mais parecia uma câmara de tortura. As injeções aplicadas direto no osso eram dadas e quando a anestesia acabava a dor vinha toda em conjunta de forma insuportável.
Quando a dor chegava tínhamos que ir para o treino físico. Afinal um ser paranormal que não sabe lutar não serve para grande coisa. A ideia era aprender a suprimir a dor e aprender a lutar ao mesmo tempo.
Só tenho lembranças tenebrosas daquele lugar. Cada dia passava como se fosse um mês de sofrimento. Achava que nunca ia acabar. Lembro de ter pensado em desistir da vida diversas vezes.
E agora que passou, tenho pouca lembrança do que aconteceu lá. Só há um ou outro fato que me resta que me volta à cabeça de vez em quando. Porém lembro bastante do treinamento repetido, e com base em minhas vagas memórias resolvi apresentar os humanos alterados, raça à qual pertenço, como a terceira das dez raças classificadas como perigosas pelo DCAE. Até mesmo para juntamente apresentar as sete características básicas do mundo paranormal: a indarra, o ductu, o anti-ductu, o sigilo, o sano, o eretismo e a finesse.
Já falei das três primeiras. A indarra é a força elevada que as raças perigosas têm. Os zumbis, os aliens, e a maioria delas a têm naturalmente. Mas como eu disse, nos humanos alterados ela é conseguida a partir de injeção de fluído anabolizante nos ossos durante o desenvolvimento. Anteriormente se fazia nos músculos, que era um processo menos cruciante, mas os experimentos foram falhos. Apesar de conseguirem mais força física, a longo prazo os alterados tinham seus membros quebrados com muita facilidade por estes não sustentarem o peso de seus músculos durante o uso da indarra. Esta competência só foi adquirida há cerca de trinta anos atrás pelos seres humanos, e mesmo assim em relativa menor escala se comparada a dos demais seres paranormais.
Não sei como eles fazem o processo do ductu. Eu lembro que eu tinha que passar por experimentos semanais onde havia uma sala toda forrada com um material isolante, colocava um visor e um aparelho nos ouvidos e depois eles acionavam um aparelho barulhento e algo acontecia dentro de minha mente. Não sentia exatamente dor, mas era como se recebesse muita informação ao mesmo tempo. Minha cabeça começava a doer e eu apagava. Mesmo assim, o experimento se dava por bem-sucedido. Não entendia a avaliação.
Só sei que com o passar do tempo fui sentindo mais e mais o perigo iminente de seres paranormais. Quanto mais fortes, mais medo eu sinto. Não é exatamente medo. É uma sensação de receio, um nervosismo, uma tensão. Eu senti só um pouco aquele dia quando estava à procura de Sprohic porque ele não era lá muita coisa. Já quando chego perto do Joey ou da Lowe meu organismo já o aciona e com maior intensidade.
Com o próprio Joey deve ser parecido. Lembra como ele sentiu nossa presença antes de entrarmos na sala de treino de tiro, sendo que ele estava com tampões de ouvido?
O anti-ductu deve ter sido obtido durante os mesmos excêntricos experimentos semanais do programa beta de treinamento. Diversas raças manipulam o anti-ductu de maneira diferente. Alguns não podem controlar nada do medo que sentem, outros podem liberá-lo quando quiserem, outros apenas o acionam quando o organismo permite, outros não só o liberam como são capazes de direcioná-lo para uma pessoa específica, mantendo-o escondido de outra.
A falta de habilidade de manuseio do anti-ductu não exatamente indica que o ser paranormal em questão é mais fraco. O Joey não sabe controlar o seu, por exemplo. Eu me coloco mais ou menos no meio termo. Posso espalhar anti-ductu de modo a fazer o medo esvair assim que eu quiser, mas não consigo direcioná-lo a apenas uma só pessoa. Nunca treinei esta habilidade. É apenas natural para mim ligá-la ou desligá-la. É comparável à habilidade de enrolar a língua ou mexer as orelhas. Alguns podem, outros simplesmente não.
Muito mais difícil é manipular o ductu ao invés do anti-ductu.
O nome da característica proveniente da maestria com o ductu é o sigilo, presente em apenas algumas das dez raças, e mesmo assim, não em todos os espécimes. Esta técnica foi inventada por um serial killer há cerca de quarenta anos atrás no norte do país. Digamos que assim como um ser talentoso consegue direcionar anti-ductu para um ser vivo em específico, ele direcionava o ductu, isto é, inferia medo não em uma área a seu redor, mas em direção específica. Qual a vantagem disso? Ora, esconder-se de outro ser paranormal. Se não se quer ser percebido, apenas direciona-se o ductu para outra parte. O anti-ductu de quem quer que seja não será acionado, e sua presença não será revelada. Por isso o manuseio intencional de ductu é chamado sigilo, pois é perfeito para manter sigilo de sua presença.
Até onde eu sei ninguém do DCAE sabe o sigilo. E creio que seres humanos alterados nem têm como aprendê-lo com tecnologia. Nunca ouvi falar de nenhum caso.
A finesse é a capacidade de aprendizado em pouco tempo. Baseada em cognição cerebral, no método como o usuário do cérebro tenta aprender diversas perícias de modo que seja útil principalmente na luta ou outra atividade policial (no caso dos humanos alterados pelo programa policial de treinamento). Para sua aquisição tínhamos que ir à câmara de atividade cerebral, onde colocavam uma máquina na nossa cabeça que fazia impulsos em nosso sistema nervoso. Apesar de funcionar dizem que esta prática tem consequências desastrosas a longo prazo, por isso mesmo que fosse realizada em soldados voluntários, era realizada com frequência ponderada.
Neste sentido, humanos alterados têm uma desvantagem com as finesses em relação às outras raças. Eu aprendo as coisas mais rapidamente depois que saí do programa beta, mas dificilmente aprenderia a falar um novo idioma em apenas três dias, assim como um zumbi que acaba de acordar do túmulo sem memória alguma de sua vida humana.
O sano é uma habilidade essencial para qualquer um que planeje engajar em lutas contra seres paranormais, como a polícia ou os próprios criminosos. Basicamente é o processo de regeneração acelerado.
Não sei do que foi que os aliens evoluíram ou de que tipo de bicho eles pegam suas características quando resolvem nascer, mas Deus me livre... Eles têm regeneração. Lembre que eu disse que para matar um alien deve-se separar sua cabeça e tórax de seu corpo e deixar por mais de dezoito horas? Se não o fizer ele pode vir a se regenerar completamente. É claro, desmembrado ele não criará novos membros, mas regenera-se o suficiente para que possa continuar vivendo mesmo que não lhe seja oferecido tratamento médico e que o deixe sangrando violentamente.
Já o zumbi tem uma propriedade diferente: como eu disse, ele deve ser morto com uma ferida letal. Se não o fizer, nada acontece. Ele pode sofrer diversos danos, perder sangue, ter os ossos quebrados, e os membros que conseguir mexer continuará mexendo. Enquanto não for ferido fatalmente continuará de pé. O zumbi não se regenera, mas não cai enquanto não morrer, fazendo jus ao nome da raça em referência à crença popular. É uma biologia diferente, mas essas propriedades são referidas como sano, ou a habilidade de superar graves ferimentos em pouco tempo através de um método, qualquer que seja.
Lembra que existia há pouco tempo uma pesquisa em células-tronco, que inclusive foi barrada por alguns governos por problemas de política. Então... Descobriu-se que pode-se usar a aplicação periódica de células tronco no corpo humano para acelerar sua regeneração. Acelera-se todos os sistemas vitais: circulatório, endócrino, sensorial... E com isso também a regeneração da pele. Da carne. Dos ossos.
A desvantagem é que as células devem ser aplicadas de forma periódica enquanto a regeneração acontece, e o organismo fica viciado. É aplicado através de drogas poderosas então não tem como superar o vício.
Estas drogas vêm em comprimidos chamados SPP.
Como todas as drogas, o SPP tem efeito nocivo no organismo: se você tomar as drogas enquanto o corpo não precisa de regeneração, as células a mais podem causar complicações no funcionamento normal do corpo.
Parece loucura, mas a saída que a tecnologia encontrou foi viciar o corpo e sempre precisar de regeneração. Em outras palavras, antes de tomar nossa dose diária dos remédios, se não estivermos gravemente feridos, fazemos nós mesmos automutilação para canalizar as células excedentes!
Não precisamos das células, mas isso é feito apenas para sustentar o vício. Justificamos a necessidade delas nos ferindo gravemente de propósito.
Este foi o único meio encontrado para combater as demais raças em sano equiparável. Graças ao SPP podemos facilmente recuperar-nos de lesões corporais que durariam meses, bem como aguentar variados ferimentos sem ter a consciência perdida. Ambas características são essenciais no trabalho de um investigador do DCAE.
O que nos leva à última característica básica de um ser paranormal: o eretismo. O eretismo nada mais é que a habilidade de suportar a dor. Sua manifestação em um zumbi é altíssima e intrínseca da espécie. Lembre que Sprohic levou um tiro e estava de pé e sorrindo antes de ser capturado.
Um alien também tem um grau elevado de eretismo, se levar em consideração que ele não desmaia se for radicalmente mutilado, suportando a dor até o sano estancar os ferimentos por conta própria, o que não leva mais do que dois ou três dias, e estamos falando de desmembração.
A primeira tentativa de reproduzir o eretismo artificialmente era através de drogas fortes. Sorte que não peguei esta fase no programa beta. Os experimentos falharam miseravelmente: não se pode lutar efetivamente estando com a consciência alterada.
A alternativa restante foi deixar o sano cuidar do eretismo por conta própria. Já que não vamos perder a consciência a menos que os ferimentos sejam realmente muito graves, aprendemos durante o treino a simplesmente suportar a dor.
Por isso faziam-nos ficar ativos após a injeção regular do fluído anabolizante. Era a pior das dores, e fomos acostumados a conviver com ela, de modo que quando sofremos ferimentos hoje, após todos aqueles longos anos de treino, fazemos pouco caso.
Veja bem, não é que passamos a não sentir dor. Apenas aprendemos a suportá-la. É um treinamento com resultado que varia de agente para agente, mas ainda assim é considerado uma forma de eretismo. Que inveja do zumbi que comprovadamente não sente dor alguma em nenhum ferimento não letal.
Mas se for comparar a inteligência com a nossa, creio que não preferiria ser zumbi. Ele pode ter elevado aprendizado, mas nunca vi nenhum zumbi aplicar o aprendizado de forma eficiente.
O que é mais interessante de tudo isso é que o governo não pensou em alterar a consciência artificialmente de modo a fazer os soldados obedecerem às ordens cegamente. É claro, tanto melhor para mim. Mas olhando na perspectiva deles, se isto é um processo tão confidencial, eles poderiam ter feito um exército incondicionalmente obediente, teriam ganhado muito mais dessa forma. Creio que alguém politicamente correto deve ter pressionado as grandes cabeças para que assim não fosse.
O que acontece é que apesar de tudo, ainda não perdemos a humanidade, o livre arbítrio. E por isso a principal característica humana ainda permanece: a malícia. E é por isso que não posso confiar cegamente em humanos alterados... Ou sequer humanos.
Em outras palavras, em parte é por isso que não confio em Richard Galloway... E principalmente não em Cole Chapman.
Era uma sexta feira e estávamos no Ivory Beans em Glen Meadow. Eu tomava uma deliciosa xícara de panna e Joey um expresso regular. Estava de frente para uma mesa onde Crane se encontrava a sós com seu namorado atual: Richard Galloway. Um rapaz xaveco de pele suspeitamente avermelhada, que tratava as pessoas com uma amabilidade dissimulada. Crane me disse que ele era um homem direito, mas ela conheceu-o através do Chapman, então mesmo que eu saiba que ela não mentiria para mim, ainda assim não sei até onde isso é verdade.
Galloway vivia procurando emprego nas mais diversas áreas e não obtia sucesso de maneira alguma havia mais de meses, o que agravava ainda mais meu cisma sobre ele. Joey me pegou encarando-o do outro lado da mesa com uma expressão carrancuda. Fez deliberadamente um barulho alto durante o gole de café, o que me fez sair de meus pensamentos.
- Tenente? Vai procurar briga agora?
- Hunf... Eu estava pensando em outra coisa.
- Só achei que fosse meio antiético ficar encarando o seu inimigo sem interrupção em público, até mesmo porque não viemos aqui com a Emma, mas acabamos encontrando os dois por acaso no café.
- Galloway não é meu inimigo.
- Hummmm...
Ele deu mais um gole em seu expresso. Eu já estava quase terminando meu panna, então procurei minha carteira de cigarros no bolso.
- É uma coincidência e meia. – Disse ele. – Engraçado Emma não ter nos visto ainda.
- Deixe eles. Vamos ver a Crane a tarde toda, depois do horário do intervalo.
- Galloway já olhou para cá. Mas ele não deve ter dito nada para ela. – Joey olhou disfarçadamente na direção deles. Estava claramente fazendo troça de mim, trazendo o assunto mais e mais à tona.
- Hunf.
Tentei mudar de assunto:
- Sarah disse que vai fazer uma mini-conferência. Todos os investigadores devem estar presentes após o almoço.
- Ah é? Sobre o que? O alien ou o zumbi?
- O alien. Não penso que vamos conseguir nada do zumbi. Ele já passou para a jurisdição de Silverbay.
Galloway levantou-se e dirigiu-se ao banheiro. Acendi meu cigarro e virei minha cadeira de modo conveniente, em direção contrária a do vento. Crane encontrava-se aparentemente apreensiva em sua mesa, tamborilando incessantemente. Joey estava casualmente olhando as costas de Galloway enquanto este desaparecia de vista. Juro que não estávamos observando o casal. O assunto já tinha se esvaído, mas mesmo assim naquele momento Crane levantou-se decididamente e veio em nossa direção.
- Deus do céu! Você é um babaca, sabia disso?
Direcionava-se a mim. Eu era seu superior, mas estávamos em horário de intervalo. Ela emendou:
- Já lhe disse que você não tem o direito de opinar sobre com quem eu me encontro fora do DCAE. E agora o que você faz? Está começando a espreitar! Você não tem mais o que fazer?
Fumava meu cigarro sem olhá-la diretamente. De relance, observei que Joey casualmente me encarava manhosamente.
- Você não tem nada a ver com isso! – Ela continuou.
- O Ivory Beans é o melhor local para o intervalo. Apenas isso, Crane. O que a faz estrondar desta maneira? É aquela época do mês?
Ela me encarou por um instante, mas sem responder voltou a sua mesa. Galloway já estava voltando.
- Como eu disse... Que coincidência, não? – Disse Joey.
Não respondi.
- Mesmo que seja o tenente quem escolheu o local e a hora...
Exalei fumaça de minha garganta.
- Ah. Eu me enganei... Ela tinha percebido afinal de contas!
- Aonde quer chegar, Joey?
- Só estou ruminando, só isso. - Ele ajeitou sua postura na cadeira e pôs-se a terminar o café – Por que você odeia tanto ele, afinal?
- Eu não confio nele.
- Parece um pai cuidando da filha de quinze anos.
- Tenho razões. Não vou implicar com cada lance amoroso dos meus funcionários. Apenas não gosto que haja casos entre eles, assim como não gosto que haja casos com pessoas suspeitas, que estão acostumadas a passar a polícia para trás. Faz perder a credibilidade do departamento.
- Hummm... E que razões seriam essas, tenente?
- Ele é amigo do Chapman...
Joey me encarou desdenhosamente, batendo a xícara no tampo da mesa.
- Sério, Henry? Até nisso você vai implicar com o Cole?
- O Chapman não é confiável. Aquela carcaça solícita é uma fachada.
- Não tem nada com o Cole, tenente.
- Você não sabe nada sobre ele.
Joey ia responder, mas apenas abriu a boca e em seguida fechou. Eu expus uma consideração:
- Não se pode confiar nos agentes novos dessa maneira, Joey. Lembre que a polícia é corrupta. Qualquer agente que tenha muito envolvimento com os demais departamentos, ou o que é pior, com um partido político, deve ser contemplado com cautela.
- Você confia na Lowe.
- É diferente. Ewalyn... Lowe trabalhou junto com Sarah durante o período que ela esteve fora. Os contatos de Sarah são confiáveis.
- Ewalyn? Ele ia dizer Ewalyn? Hummm...
Cocei minha costeleta.
- Eu me confundi, apenas isso. E o que tem de mais? Eu te chamo de Joey e não Meyers o tempo todo.
- Você chama a Emma de Crane desde que ela começou a trabalhar na central. Lowe está no DCAE há o que? Dois dias? O que é isso, tenente? Será que enxergo uma atitude tendenciosa? Poderia ser por causa do corpo dela?
- Eu sou casado, Joey.
- Bem que eu percebi que o tenente estava um tanto diferente ontem à tarde... Mais prestativo...
Aquele papo estava já me enrubescendo. Precisei de outro cigarro.
- Joey... O único que sai por aí se envolvendo com toda a mulher nova que vê pela frente é você. Inclusive deveria parar com isso.
- O que posso fazer? As garotas me adoram...
Ele proferia aquele tipo de sentença sem a menor reserva.
- Já sei! – Disse ele decisivamente – Já que o tenente está amarrado, vou ver se Lowe cai na minha rede. Uma ruiva não é nada mal.
Me olhou de soslaio novamente com aquela mesma careta manhosa. Estava esperando uma resposta minha?
- Nada de engajamento entre os agentes. – Repliquei, resoluto.
Joey apenas deixou sair um microsorriso, sem mudar de feição.
Naquele momento recebi uma mensagem no meu celular. Era Sarah.
- A capitã está nos apressando. Temos que ir para a central.
- Crane vai estar lá... Isso vai ficar um tanto embaraçoso... Você devia pedir desculpas para ela, tenente.
- Desculpas por quê? Eu não fiz nada.
II
Cerca de quarenta minutos depois, estávamos os quatro (que deveriam ser cinco) investigadores e mais a capitã na pequena sala de reuniões da central. A central tinha sim uma salinha de reuniões, ficava depois da sala de treinamento, no final do corredor com a janela grande, do lado esquerdo. Era um cômodo estreito e abafado com umas cadeiras organizadas em roda e um projetor de slides apontado para uma parede branca de material gravável com pincel atômico.
Sarah, ou melhor dizendo, a famosíssima Sarah Harmon, condecorada três vezes com título honroso por resolver os mais complicados casos de natureza especial, aquela que já tinha trabalhado como convidada em North K Hill, Wheasfield e St Hermburg, essa famosa investigadora era nossa capitã, quem estava liderando aquela conferência. Por fora parecia uma garotinha de uns quinze ou dezesseis anos. Isso porque ela também não era humana, envelhecia de maneira diferente.
No mundo paranormal não era comum ficarmos contando uns aos outros nossas finesses, raças e peculiaridades só porque trabalhamos no mesmo local. Em geral só aqueles que trabalhavam de parceiros sabiam sobre os detalhes um do outro. Esta política ajudava porque se algum dia acontecesse de haver agentes infiltrados ou traidores entre nós, podíamos contar com todos os truques que possuíamos na manga. Adicionalmente se algum agente fosse capturado e torturado, não poderia revelar tudo sobre os demais se não os conhecesse completamente.
É claro, estes segredos iam se acabando com o tempo à medida que trabalhávamos juntos por muito tempo. Eu sei tudo sobre o Joey, por exemplo. Só quer dizer que não havia uma seção no contrato requisitando que precisávamos indicar todos nossos atributos quando adentramos o DCAE.
Digo isto para explicar o motivo pelo qual não sabíamos exatamente a natureza de Sarah. Sempre supus que ela era uma alienígena. Mas uma coisa era certa: com aquela fisionomia não era humana alterada, como eu.
O time de cinco investigadores ficou completo após a entrada atrasada de Cole Chapman, que invadiu a sala com seu fedor e sua presença, atravessando-se na minha frente.
- Desculpe, senhor tenente. – Disse ironicamente quando esbarrou em meu braço.
- Até que enfim você veio.
- Opa. Sempre estamos aí. À sua disposição.
- Escutem... – Interrompeu Sarah enquanto ele procurava um assento para se estabelecer – Estou aqui para falar sobre o caso dos Johnson... E de Arthur Cooper.
- Quem é Arthur Cooper? - Perguntei
- Era o nome do velho não identificado? – Arriscou Joey.
- Já chego lá – Disse ela, impacientemente. – Como vocês já sabem, o suspeito foi avistado pela primeira vez na madrugada entre quarta feira e ontem pelo cidadão Gelson Hernandez, e depois visto pela segunda vez por seus próprios olhos durante o conflito de ontem de manhã. Tudo indica que é um alienígena. Reuni vocês aqui porque eu queria ver com vocês como vamos distribuir as tarefas... Considerando isto aqui temos vários casos pendentes. – Ela se referia ao envelope derrubado pelo alien na mão. Estava aberto.
- O que tinha nesse envelope, afinal?
- Vou ler uma passagem: "é com grande honra que o comitê de entretenimento de Arena vem informá-lo que o sr Arthur Cooper foi escolhido para participar do torneio de Uahmyr, cabe a cada participante escolher um material orgânico principal para a inscrição que deverá ser terminada em até 25 de março deste ano." Depois tem mais umas regras adicionais. – Sarah nos mostrou o papel rapidamente, balançando-o na nossa direção. Era completamente diferente de um papel comum. Todo em detalhes oficiais, com uma cor de tinta estranha e diversos carimbos na parte de baixo, perto das assinaturas.
- O que é isso? – Perguntou Joey – Um torneio? Do que exatamente?
- Material orgânico? Uahmiur? Então isso deve ser... – Começou Lowe.
- ...Um torneio ilegal de seres paranormais. Briga de galo. Exceto que com galos de maior escala. – Completou Sarah. – E se pronuncia Uahmyr.
- Uau! – Exclamou Joey.
- Isso existe?
- Tudo na Arena existe. – Disse eu.
- Embora seja uma prática ilegal, o torneio de Uahmyr não é da jurisdição de Sproustown – Sarah jogou o papel em uma cadeira vazia – o que me intriga é o fato de eles terem chamado alguém daqui... Vocês sabem, essa competição não é pouca coisa. Existem muito mais seres paranormais perambulando pelo mundo afora do que se imagina, quem dirá na Arena, que é a casa deles. Chamar alguém daqui indica que tem algum "material orgânico" muito valioso à solta. E por valioso quero dizer ameaçador.
Sarah fez uma pausa, observando separadamente cada um dos presentes na sala, então continuou:
- Nunca escolheriam nenhum de vocês, por exemplo.
- Espere... Quer dizer que há alguém tão forte assim em Sproustown? – Perguntei. – Poderia ser... Aquele alien de ontem era Arthur Cooper?
- Não necessariamente. O nosso suspeito da capa voadora pode ter roubado o convite de alguém chamado Arthur Cooper, na verdade diria que é a hipótese mais provável.
Ficamos esperando maior elaboração. Sarah atendeu à expectativa:
- Como eu disse, o torneio de Uahmyr não é pouca coisa, é uma oportunidade que é concedida a apenas poucos líderes do submundo presentes na Terra, Arena e demais planetas que consigam chegar ao destino a tempo. Por ter muitos concorrentes e poucas vagas, um papelzinho destes pode chegar a valer mais de milhões. Mas ainda assim, creio que ninguém venderia o direito da participação. Apenas o fato de competir no torneio serviria para aumentar e muito a reputação de qualquer um que inscrevesse um galo de briga.
"E o que isso tem a ver com o alien?" Vocês perguntam. Escutem: se esse papel é tão valioso assim não haveria motivo para ficar esvoaçando com ele no bolso por aí na madrugada. Se eu pertencesse ao alto escalão de uma organização mafiosa teria ela muito bem trancada em uma caixa com alguns cadeados e guardas em volta. Ou seja... Esse convite foi roubado.
- O que significa que Arthur Cooper ou era o velho morando com a srta. Johnson ou tinha deixado o convite na casa dela sob os cuidados do velho. – Concluí.
Sarah apenas me encarou reflexivamente por um instante.
- É... Pode ser... Razoável... Sim... É de se pensar que deve ser uma dessas duas alternativas...
- Isso explicaria por que ele estava com o convite no bolso, porque tinha acabado de toma-lo à força usando algum método que não sabemos como. – Completei.
- Essa é outra questão. Sabemos que não foi ductu. Deve ter sido alguma finesse dele... – Especulou Lowe.
- O método utilizado para o assassinato é algo a se considerar. Seria mais fácil analisar se eu pudesse saber exatamente de onde o envelope foi retirado, afinal ele conseguiu entrar e sair da residência não só sem deixar digitais, mas sem deixar vestígio nenhum de que houve arrombamento. Se ele tirou o envelope de lá deve haver alguma coisa. Vou pedir para o agente Chapman – Sarah olhou Chapman sentado entre Lowe e Crane que estava quieto durante toda a reunião- fazer a averiguação, agora com esse objetivo em mente.
- E quanto a nós? – Perguntei.
- Você tem a segunda-feira de folga, não é mesmo?
Eu tinha me esquecido. Hoje já era sexta.
- Sobram só os outros quatro. Eu tenho que ir até Silverbay e tomar mais algumas medidas a respeito disso – Ela apontou com a cabeça para o envelope em cima da cadeira – À dupla do Joey vou pedir que investigue sobre o paradeiro desse tal de Arthur Cooper. Olhando nos registros e fazendo alguns telefonemas devemos descobrir alguma coisa.
- Minha dupla é o tenente, capitã... – Objetou Joey
- Então vá com a detetive Lowe.
Eles se entreolharam estranhamente. Sarah prosseguiu:
- Existe ainda mais um ponto que não foi considerado: se o alien roubou o convite ele tinha um motivo. Ele é um chefe da máfia? Um líder de uma organização criminosa de Sproustown? Difícil, pois um líder não teria pegado o convite com as próprias mãos, mas teria mandado um capacho... O que me leva a concluir que o alienígena é apenas um capacho e há mais alguém por trás disso. – Sarah dirigiu-se novamente à Chapman – Você disse que havia o quê? Três grupos de Deluxe restantes?
- Não é bem três grupos, senhora capitã... Eu disse que tinha três postos de venda de Deluxe aqui na cidade. Uma é na parte de baixo da cidade, que é infestada de gente dopada. Tem outro quase aqui no centro da cidade, perto daquele beco onde comeram aquele Gerald em plena luz do dia e um terceiro relacionado a um vendedor que fica pelas bandas do nordeste, perto daquele shopping grande que tem lá, sabe senhora capitã? Ele está lá só de vez em quando, pelo que ouvi.
- Hunf. E o DEA não faz nada a respeito disso? – Murmurei.
- Difícil fazer alguma coisa, senhor tenente... Difícil fazer alguma coisa porque todo esse papo de vendas que escuto dos meus contatos se passa por apenas boato. O DEA revista e revista, mas mesmo que achem os dopados sob o efeito da balinha, a balinha mesmo... Ninguém nunca vê. Apreenderam só duas amostras junto com uns adolescentes esse ano. Querem saber o que é interessante?
Chapman olhou ao redor.
- As amostras eram de fabricantes diferentes. Uma foi achada no norte, outra foi achada aqui no centro.
Sarah refletiu por um instante.
- Isso indica que apesar dos proeminentes esforços do DEA nos últimos anos, ainda parecem existir alguns postos de venda ilegal de Deluxes em Sproustown. – Ela deu de ombros – Com esforço policial a venda diminui bastante, mas difícil acreditar que vai parar de uma hora para outra. O que é mais preocupante é o fato de ter um alien envolvido. Deixamos as drogas com o DEA. Temos que colocar a investigação do envolvimento do homem da capa voadora com o tráfico na nossa lista, mas não vamos fazer isso na segunda porque alguém tem que ficar aqui caso haja uma emergência. E aquela que sobrou é você, Crane.
- Sim, senhora! – Assentiu Crane.
- Então estamos combinados. – Sarah finalizou e o pessoal começou a se levantar. Dirigiu-se a mim, fazendo também um sinal para Chapman com a mão:
- Vocês dois, têm um minuto?
Assim que os demais saíram, ficamos só eu, Chapman e Sarah na sala. Ela encostou a porta.
- É sobre Jeffrey Sprohic... Como esperado os oficiais de Silverbay disseram que vão tomar o caso visto que é a jurisdição deles... Não vou conseguir nenhuma palavra com ele.
- E isso é ruim? – Perguntou Chapman.
- Eu estava esperando que conseguíssemos alguma informação sobre quem o contratou para fazer o roubo de Club Jewel. Como tenente Dotson reportou há dois dias atrás – ela virou-se para mim – É difícil que Jeffrey Sprohic tenha pensando em todo o plano de fuga sozinho, então ele pode estar trabalhando sob o comando de alguém envolvido com o tráfico. E se for verdade... Visto que os dois incidentes ocorreram na mesma semana é de se pensar que um tenha relação com o outro, já que a motivação deles é parecida.
- Opa, acho que entendi, senhora capitã. Se o zumbi abre a boca... Capturamos o alienígena?
- Mais que isso. Talvez cheguemos ao contratante.
- Mas como você mesma disse... Agora não podemos entrevistar o Sprohic.
- Certamente não, tenente Dotson. A pancada que você deu na supra espinhal o deixou imobilizado por tempo demais e perdemos a chance. – Ela me dirigiu um olhar de reprovação.
- Ora... Ele era gigante e estava fazendo vítimas. Como eu saberia qual a força certa que deveria aplicar para imobilizá-lo pelo resto da viagem sem exagerar?
Quando se tranca o funcionamento da espinha o corpo todo se paralisa. Visto que zumbis não podem ser desacordados é a única maneira de capturá-lo. Mesmo que o sano de Sprohic não o permita restaurar o osso quebrado sozinho ele pode ser recuperado via cirurgia, e a cirurgia pode ser aplicada no zumbi diretamente, sem precisar de anestesia, já que ele não sente dor. Então não tem por que se segurar quando se luta com um deles.
- Que seja. Agora o que temos é o que temos. Por isso Chapman, queria pedir que você verificasse seus contatos para descobrir qualquer coisa sobre Jeffrey Sprohic. Não é possível que ninguém envolvido com os Deluxes tenha visto um gigante de mais de dois metros por aí durante a semana se ele estava realmente trabalhando neste sentido.
- Entendido, senhora capitã. – Chapman fez uma continência e saiu da sala.
Qual é? Ela ia deixar este trabalho justo com o Chapman?
Quando Chapman abriu a porta da sala eu saí para o corredor ao mesmo tempo. Sarah deu meia volta para pegar o papel que ela tinha deixado na cadeira. Sussurrei para Chapman:
- Esse fedor... Eu fumo e mesmo a mim o cheiro incomoda de longe.
- Eeei, senhor tenente... Me dê um pouco de crédito. Isso não é meu. Sabe que muita gente usa essas coisas nos lugares por onde eu ando. Sabe como é, não? Um agente tentando se infiltrar no meio da turma das noites e tentando receber confiança... Eu preciso aguentar muita coisa ali.
- É... Sabe-se lá quem está se infiltrando no meio de quem... Descubra quem é Sprohic. Não vou aceitar que você ferre com o caso.
- É o que pretendo, senhor tenente. Até depois. – Chapman bateu uma continência de modo sarcástico e foi na direção do pátio.
A sexta-feira acabou mais rápida do que nunca. Temos o fim de semana livre e eu, adicionalmente, a segunda feira livre. Bem agora que a investigação estava ficando interessante.
Voltei para minha casa andando, o que não é grande coisa. Bastam apenas uns trinta e cinco minutos de caminhada. Enquanto fazia o percurso fiquei pensando sobre a situação que tínhamos até então: tínhamos nas mãos um convite para um torneio ilegal em nome de alguém provavelmente importante no submundo. Por outro lado, não tínhamos conhecimento de quem era esse alguém. Tínhamos um caso de assassinato cuja análise preliminar foi morte natural, embora tenhamos avistado o culpado não tínhamos pista dele. Faltava investigar a casa novamente por busca de pistas, o que Chapman ia fazer, e faltava verificar se alguém sabia sobre a ação de Sprohic antes que ela aconteceu para formar uma ligação entre os dois casos, o que o Chapman também ia fazer.
Chapman e Chapman.
Por ser o agente infiltrado ele mantinha contato com pessoas de reputação duvidosa, mas que forneciam a ele informações interessantes sobre os mais variados casos de Sproustown, muitas vezes nos dando dicas de coisas que podem ser obras de seres de interesse do DCAE. No caso, claramente qualquer informação a respeito do tráfico de Deluxes era informação valiosa.
Mas acontece que por ser muito ligado a esses contatos existia a possibilidade de Chapman ter ficado amigo demais de pessoas que têm as informações e resolver não passá-las porque elas delatariam algum de seus conhecidos que ele gostasse.
Qualquer agente íntegro não faria isso, mas eu não atribuía essa qualidade a Cole Chapman.
"Talvez eu devesse confirmar alguma dessas duas coisas por mim mesmo durante o fim de semana. Não exatamente tenho contato com ninguém remotamente ligado com drogas e nem ando pelos bares por aí ouvindo conversas. Creio que minha aparência assustaria pessoas desse tipo ao invés de incentivá-las a me dizer qualquer coisa, então creio que deveria ao menos voltar para a casa dos Johnson e ver se descubro alguma coisa sobre o envelope e o alien."
Foi o que pensei durante o percurso.
Quando cheguei na escada fora de casa eram quase seis da tarde. Minhas botas fazem um pouco de barulho então Jane sabe quando estou chegando. Antes de abrir a porta podia ouvir sua voz irritante:
- Henry? Henry? É você?
Ouvi a voz ficando mais e mais próxima da porta
- Eu liguei para você e você...
Ela continuou a frase do outro lado da porta mas eu não ouvia mais. Pensei comigo mesmo naquele momento: se eu tiver que ficar ouvindo Jane e suas asneiras durante três dias seguidos provavelmente vai ser o fim da minha vida. Não quero voltar.
No outro dia tinha dito para mim mesmo que ia começar a beber de verdade para fazer jus à paranoia idiota dela. Hoje passei em frente ao bar e não entrei.
Ainda eram cinco para as seis.
Ao invés de chavear a porta e entrar como todos os dias, usei a indarra para saltar por cima da escada e cair do outro lado, com o que corri rapidamente para a grama, ficando invisível para quem abria a porta, visto que ela abria para o lado do fim da escada.
Jane abriu a porta e me procurou por uns segundos:
- Henry?
Sua voz estava numa mistura de monotonia e irritação.
Ela olhou a seu redor e então fechou a porta atrás de si após entrar na casa novamente, deve ter achado que foi sua impressão.
Andando sobre a grama para não fazer barulho me dirigi ao bar e escapei aquela noite.