10 Capítulo 9 - Guarda-costas

— Me desculpa, mas oi?! — sorriu desconcertada enquanto encarava com um certo tom de raiva o homem diante dela. "Se me aparecer um perigo do qual Tânia Gardnif é incapaz de me proteger, vocês é que não vão dar conta", pensou, ficando em silêncio apenas para evitar a fadiga.

Mesmo discordando deles, ela conseguia entender de onde partia tal ideia e presunção. Tânia ainda não era a poderosa guerreira capaz de afastar uma matilha de lobos apenas com seu olhar.

— Curoni Marfímus! — Develine sorriu. — Ouvi muito sobre você no pouco tempo em que estive no palácio imperial — disse.

O homem que jazia abaixado, ajoelhado sobre sua perna direita assim como pede a etiqueta dos cavaleiros, levantou apenas sua cabeça, e mantendo seu olhar baixo, se prestou a responder:

— Fico lisonjeado em ter meu nome reconhecido por uma das princesas imperiais — disse com educação.

Develine soube na hora que aquela afirmação foi feita sem peso. E o olhar de desdém dos demais cavaleiros que estavam acompanhando aquela pessoa, era o suficiente para ter certeza de que era esse o caso.

Ela se sentiu como uma ferramenta. Ela sentiu que eles estavam encarando um objeto. Principalmente um certo homem de meia-idade, de cabelos negros, curtos e barba por fazer, posicionado logo atrás, com a mão direita no peito assim como seus demais companheiros.

— É apenas natural, senhor Curoni. Pelo que ouvi, és um dos maiores cavaleiros atualmente ativos na corte imperial, e se minhas informações estiverem certas, está a ponto de alcançar o sétimo nível de cultivação. Algo impressionante para alguém que acabou de chegar os vinte e três anos. — Fez uma pausa breve para analisar o semblante do homem ajoelhado diante dela. Ele se deixou levar a ponto de sua feição ter se tornado arrogante e orgulhosa. Develine sentiu vontade vomitar. — Segundo meu pai, suas capacidades são dignas de um posto de capitânia, não tendo se tornado um comandante de pelotão apenas por falta de contribuição, estou certa? — sorriu.

O rosto do homenzarrão corou. Develine quase podia escutar seus pensamentos egocêntricos voando alto. O semblante altivo que ele exibiu ao ter seu ego inflado, denunciava sua arrogância.

— De fato minha senhorita, dito isso, posso supor que repensou sua escolha — afirmou com convicção.

Develine deu uma leve olhada para Tânia, encarando sua companheira por algum tempo. Por mais que sua nova amiga tenha tentado disfarçar, o desconforto provocado por aquela conversa ficou evidente em seu rosto.

"De fato a Tânia ainda não está pronta, ela acabou de chegar no topo do nono nível de cultivação" Develine entendia o quão significativo era o nível do cultivo de um guerreiro.

Pelo que sabia, existiam um total de doze níveis, sendo o nível doze o iniciante, e o nível um, uma divindade marcial. Apesar da diferença entre Tânia e aquele cavaleiro ser de apenas dois níveis, era de conhecimento geral que cada nível alcançado fazia uma enorme diferença.

A mulher de olhar feroz e capacidades ofensivas inimagináveis era apenas uma probabilidade futura. Quando voltou para o passado, as chances de tudo mudar ficaram bem altas. Talvez aquela Tânia nunca se tornasse a mulher poderosa que ajudou a matá-la.

— Sim, eu repensei — Develine respondeu.

Tânia engoliu em seco e o cavaleiro acenou positivamente com sua cabeça. "Naturalmente", foi o que ele pensou.

— E após repensar, minha resposta continua sendo a mesma — Develine sorriu com tranquilidade enquanto se levantava. — Tânia ainda é a guarda-costas ideal para mim — deu tapinhas no ombro do homem ajoelhado diante dela.

O contrário também era valido. Conhecendo o futuro, Develine tinha a possibilidade fazer Tânia ficar ainda mais poderosa do que a versão que lhe matou.

"Dessa vez ela pode alcançar o nível um." Sorriu diante da probabilidade.

Pelo que sabia, a Tânia responsável pela sua morte era uma guerreira de cultivação nível três, o nível de proto-deus marcial. Poucas pessoas na história alcançaram o nível dois, os chamados semideuses marciais, e apenas os famigerados deuses marciais completos chegaram ao nível um.

Mesmo Eliseline e Darizio, que foram reconhecidos pelas divindades como heróis verdadeiros, alcançaram apenas o ápice do nível três.

— O quê? — Curoni ficou confuso.

— Não se faça de sonso, senhor cavaleiro — Develine o encarou com um olhar dúbio e penetrante. — Cá entre nós, sabemos o motivo pelo qual está aqui. Como eu disse antes, você apenas precisa de contribuição para receber seu próprio pessoal e ser um comandante. Algo que tenho certeza de que é uma grande vontade sua — se aproximou dele, com seus lábios curvados compondo um sorriso fino. — E nós dois também sabemos que escoltar a sétima princesa imperial e ser o seu guarda-costas, conta como contribuição — encarou-o nos olhos, quase sussurrando ao final. — Para ti, eu sou apenas um número que você precisa na sua ficha — levou sua mão até o rosto áspero do rapaz e brincou com a pontinha do nariz do mesmo.

Curoni ficou boquiaberto enquanto via a princesa imperial se levantar, emitir um sorriso malicioso, virar de costas e sair andando como se nada tivesse acontecido.

— Quem é você?! — o cavaleiro perguntou por puro espasmo. "Essa não parece a princesa que eu conheci semanas atrás", ficou em choque.

— Develine, a sétima princesa imperial e futura filha de Ashiria Dargran, a maga mais poderosa do Império — respondeu com orgulho genuíno enquanto se afastava, sem sentir qualquer necessidade de se virar para olhá-lo nos olhos.

— Mentira, a senhorita Develine jamais teria apego a simples plebeus — irrompeu, alterando seu tom e ficando novamente de pé. — A verdadeira senhorita Develine jamais negaria a presença dos digníssimos cavaleiros imperiais — afirmou com convicção.

"Vocês são uma dor de cabeça" Seus ombros tremeram e ela parou. Se virando para o homem de cabeça erguida e peito estufado, suspirou: — E o que você sabe sobre mim, senhor cavaleiro? — encarou Curoni nos olhos. — Nos conhecemos a apenas duas semanas, ou melhor, mal nos conhecemos a apenas duas semanas.

O homem engoliu em seco.

— A menos que você esteja considerando os rumores sobre a minha pessoa como uma fonte confiável de informação — disparou, estreitando os olhos enquanto encarava o rapaz suar frio.

— Jamais faria tal coisa, apenas desejo o melhor para a senhorita — Curoni respondeu, tentando manter sua convicção erguida.

— Pois não é o que está parecendo. Ou o senhor está tentando insinuar alguma coisa quando diz: "verdadeira senhorita Develine". Se é o caso, então diga logo o que deseja e pare de rodeios — disparou.

— Lady Ashiria nunca gostou do seu digníssimo e honrado pai, princesa — ele apontou o óbvio e Develine revirou os olhos. — Mas de repente, soube que ela planeja adota-la. Que a senhorita tem agido estranho, ficado próxima de reles empregadas e fazendo escolhas duvidosas — encarou Tânia com ar de superioridade. — Isso me parece absurdo, está claro que há algo de errado nessa história — afirmou com altivez.

— Senhor Curoni, não ouse falar merda da minha mãe e da minha melhor amiga com essa sua boca suja — os olhos de Develine ganharam um brilho diferente e o cavaleiro recuou um passo, engolindo em seco.

Ele reconheceu aquele brilho, pois já o viu diversas vezes no campo de batalha. Era um brilho intimidador, o brilho que somente o olhar daqueles que possuem sangue em suas mãos conseguem emitir.

Develine adoraria ter o poder de resolver aquilo com seus próprios punhos. Adoraria poder, ela mesma, proteger a honra daqueles que ama, porém, mesmo que fosse incapaz de lutar de forma física, sabia falar de forma incisiva. Develine sempre soube. Foi um dos poucos benefícios que ganhou ao observar os nobres parasitários, lascivos e gananciosos que se instalaram ao seu redor.

— Você sabe que seria péssimo caso eu conte para a minha mãe o que você está fazendo, certo? — Develine retrucou com seriedade, desejando verificar até que ponto aquele homem estava pensando sobre suas próprias ações.

Parecendo acordar de um surto, compreendendo o ponto da garotinha, abaixou sua cabeça.

— S-sim, entendo — o cavaleiro que trajava uma armadura leve, de couro firme, emitiu uma resposta fraca.

O semblante sério, odioso e convicto daquela garotinha, não o intimidou no sentido literal da coisa, mas o fez questionar quanto ao que ela teve de passar para conseguir fazer tais expressões assustadoras.

"Será que... era real?" Curoni se recordou de alguns bochichos.

Apesar de nunca ter presenciado, ouviu rumores sobre a sétima princesa levar uma vida sofrida. Por jamais ter visto qualquer sinal disso, nela; os ignorou, considerando-os como apenas isso, rumores descabidos. Por ter uma ótima família, Curoni acreditava que todos os pais biológicos eram iguais, um poço de confiança.

— Muito bem! Então peço que se retire e nunca mais me incomode quanto as minhas escolhas e decisões — pediu, espanando o ar com sua mão direita como se aquelas pessoas fossem um irritante montinho de poeira que desejava afastar.

Curoni se levantou em silêncio.

— Mi-minha senhorita, então que tal um de nós? — um dos homens que jaziam atrás, escutando a conversa, disparou assim quem viu a chance de se beneficiar com aquilo.

Por Curoni ter sido o líder da expedição, aquele soldado deu por certo que o mesmo conseguiria a posição de destaque como guarda-costas de um membro da família imperial. Mas ao ver o líder ser rejeitado com tanta veemência, um sorriso malicioso surgiu em seu rosto.

"Quem sabe eu não consigo fazê-la se apaixonar por meu filho", ele pensou sem nenhum escrúpulo. "Eles já têm uma certa relação", se lembrou de um acontecimento que observou no passado. "Com a ajuda dos príncipes, ele deve conseguir dominar esse diabinho orgulhoso com alguma facilidade" Seu bom humor foi inflado.

Quando Develine encarou o responsável pela pergunta, gargalhou sem qualquer pudor.

— Senhor Eliseu Dranify, isso é uma piada, certo? — debochou.

O homem de meia idade, de cabelos negros e barba por fazer, que até então estava perdido em devaneios, imaginando um futuro brilhante pela frente, ficou vermelho de vergonha.

— O-o que quer dizer, minha senhorita? — ele lutou para manter sua postura.

— Tânia — Develine disparou.

— Sim! — a jovem guarda-costas prontamente respondeu.

— Se por um acaso visse os meus irmãos mais velhos me espancando para aliviar suas frustrações, o que você faria?

Eliseu vacilou e Tânia encarou a jovenzinha ao seu lado com seus olhos arregalados, assustada com o conteúdo da pergunta.

— Mesmo que custasse meu emprego ou minha vida, protegeria a senhorita a quem jurei lealdade — respondeu com firmeza.

— De fato, pois Tânia é um verdadeiro cavaleiro — afirmou com um sorriso pleno e depois se voltou para o homem que lhe questionou: — Você sabe onde quero chegar, certo, senhor Eliseu?

Develine estava usando seu lado adulto para manipular a conversa, colocando os cavaleiros que conheciam sua situação em uma sinuca de bico, enquanto, gradualmente, Tânia compreendia o que estava acontecendo. Essa era a sua principal vantagem como adulta em pele de criança.

— Minha senhorita, eu não sei a que se referem suas palavras — Eliseu insistiu, com o rosto lutando contra o pânico.

— Não sabe? — Develine riu. — Então vou te esclarecer, senhor Eliseu — mesmo com seu corpo reagindo aquelas memórias, tremendo e suando frio, encarou a pessoa diante dela com uma expressão composta e assustadora.

Tânia ficou dividida, sem saber se impedia ou se deixava acontecer. Em sua visão estava claro que aquilo a machucava.

"Senhorita..." Seu olhar se encontrou com o da jovem, sentindo um nó em sua garganta impedi-la de se pronunciar, pois no mesmo instante percebeu que a garotinha tinha um semblante de resoluto.

Com o encontro de olhares, sentindo a preocupação de sua guarda-costas, Develine sorriu.

"Está tudo bem" Sem ela precisar verbalizar, Tânia compreendeu a intenção e continuou em silêncio, pronta para escutar.

Depois de um longo suspiro pesaroso, Develine começou:

— Na última festa de gala que ocorreu na mansão. A mesma na qual encontrei o Eduard, meu tão falado prometido, me traindo com uma nobre aleatória — se esforçou para ficar firme. — Eu fugi de casa e o meu pai mandou que aqueles desgraçados me achassem! — disparou. — Porém, dessa vez eles tinham um amiguinho para me apresentar. Oh nossa, como meus irmãos são prestativos. Loucos para apresentar seus amiguinhos para a sua irmãzinha solitária, certo? — debochou, fazendo uma atuação exagerada como acompanhamento. — E quer saber, eles me apresentaram. Enquanto eu estava quieta no meu canto, remoendo a maldita traição, eles foram me perturbar com o seu novo amiguinho, um tal de Ilinor. — Se voltou para Eliseu. — Eu penso que o senhor Dranify o conhece bem, certo? Afinal de contas, é o seu filho — disparou.

— Se-senhorita, há um mal-entendido nessa história, eu... — o cavaleiro gelou.

— Que tal esse mal-entendido, então?! — Develine o cortou, se virando e abrindo seu vestido no intuito de expor suas costas.

Tânia estremeceu, ficando sem palavras. Havia um enorme hematoma no formato de um pé cravado na pele jambo da garotinha.

— Que tal o mal-entendido de ter pisado em mim enquanto eu estava encolhida no chão, hã? — Develine continuou. — Que tal, após ter me chutado várias vezes, ele perguntar se não podia fazer algo a mais comigo, enquanto o senhor, o pai do mesmo, simplesmente deu de ombros para a situação afirmando que deixaria as crianças brincarem sossegadas. Que tal esse mal-entendido?! — disparou, perdendo as estribeiras enquanto gritava. Permitindo as lágrimas que segurava escorrem como um rio.

A feição de Tânia escureceu.

— Então é para esconder essas marcas que a senhorita não me deixou ajuda-la? — perguntou, com seu olhar fixado nos diversos machucados que haviam por todo o tronco da pequenina.

~Me deixe ajudar a senhorita com o banho.~ Pediu para Develine.

~N-não, está tudo bem, eu me viro.~ A garotinha rejeitou e sorriu.

~Pelo menos me deixe ajudar com suas roupas.~ Tânia insistiu, pegando nos ombros da pequenina que, por espasmo, como um filhote assustado, se desvencilhou rapidamente.

~N-não, por favor, está tudo bem Tânia.~ Eu faço isso sozinha. Sorriu desconfortavelmente.

As memórias de pouco tempo atrás vieram a mente da guarda-costas.

— S-sim, eu fiquei com vergonha disso. De ser tão fraca, de ser tão frágil — Develine respondeu com um sorriso bagunçado, doloroso, desmoronado, lutando para se formar em seu rosto.

O semblante de Tânia ficou ainda mais obscuro.

~Eu sou um estorvo... uma inútil... frágil... fraca...~

As palavras que a garotinha falava com certa frequência, foram se acumulando na mente da guarda-costas.

— Senhor Eliseu, eu te desafio para um duelo — levantou seu rosto e com um olhar frio, parou de tremer devido ao ódio que açoitava seu âmago e disse sem hesitar. — Eu posso não ser extremamente qualificada, mas sou o suficiente para ensinar uma lição a um bando de lixos como vocês — O nível de desprezo e raiva com o qual encarou aquele homem, era impossível de ser colocado em palavras.

— Tânia... — Develine se assustou, se virando para sua nova companheira no intuito de tentar impedi-la.

Ela sabia que Tânia ainda não estava pronta e o poder daqueles homens era real. Apesar de suas personalidades, todos eram guerreiros qualificados. Exceto Curoni, que era um nível sete, todos os demais estavam pelo menos no ápice do nível oito, um nível a mais que Tânia.

Porém, quando viu o olhar daquela mulher, desistiu no mesmo instante, pois conhecia aquela fúria enjaulada capaz de dividir o mundo em dois. Naquele momento ela reconheceu o semblante assustador de Tânia Gardnif, o semblante que viu logo antes de morrer. O olhar de um predador sem igual.

Tânia estava puta. Verdadeiramente puta.

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