9 Capítulo 8 - Nova aliada, senhores arrogantes

Era quase hora do almoço. O sol estava a pico, o piar dos pássaros se tornou constante e a morosidade vespertina batia a porta.

Porém, uma criança permaneceu animada.

"Isso!" Develine comemorou assim que viu Leifea se afastar o suficiente. "É disso que eu precisava." Levou o frasco de vidro em suas mãos até o rosto e o acariciou com suas bochechas como se fosse um tesouro.

A conversa que teve com aquela mulher foi longa e prazerosa, apesar de um pouco arrastada no começo, eventualmente a garotinha sagaz se aproveitou de uma brecha para obter o que desejava. Observando atentamente sua presa, ela fez a pergunta que lhe garantiu aquele frasco.

— Leifea, sua pele é muito bonita, por um acaso você veio de uma família nobre? — perguntou sem parcimônia.

A jovem ficou surpresa.

— Na-não, senhorita, é apenas sorte da minha parte — ela sorriu envergonhada.

— Então sua genética é ótima — disparou, fingindo estar pensativa. — Vendo o quanto sua pele é perfeita, bonita e sedosa, pensei que utilizasse algum item mágico de embelezamento — elogiou com sinceridade.

— Be-bem — a moça abaixou o olhar e encarou a mesa, um pouco nervosa. — A senhorita está certa quanto a isso — disse. — Eu venho de uma família que viveu muito tempo na floresta, minha avó conhecia ervas como ninguém — afirmou.

— Uma herbalista? Que incrível! — afirmou, fingindo surpresa. "Espero que tenha ficado natural." Temeu que suas reações estivessem soando falsas e artificiais.

Develine conhecia muito bem aquela pessoa, já que foi uma das suas clientes. Ela estava diante de Leifea, uma jovem herbalista que começou a se tornar famosa no período de calmaria antes da grande guerra.

"Se o país estivesse estável o suficiente para algum investidor te achar, certeza que teria ficado rica", relembrou a complicada situação política na qual encontrou aquela pessoa.

— Isso mesmo, minha avó era incrível. Foi com ela que eu aprendi sobre o poder das plantas — a moça sorriu, acometida por uma memória feliz e nostálgica. — Normalmente as pessoas pensam que ervas servem apenas para poções mágicas, e que somente ervas mágicas são úteis, mas isso é falso. Existe uma infinidade de coisas que dá para se fazer com plantas comuns. Por mais que seja um processo lento quando comparado as plantas com algum nível de magia, ervas normais também agem no organismo das pessoas — explicou com paixão.

— Você realmente ama muito essa área — Develine disse, se deixando levar pela animação da jovem enérgica.

Leifea congelou ao perceber que estava falando à vontade demais diante da sétima princesa, um dos membros da família imperial. Sentindo vergonha pelo seu ato, a empregada levantou e fez uma mesura.

— Me-me desculpe, senhorita — disse.

— Mas como assim? Eu estou adorando sua aula. Eu não fazia ideia de que as plantas normais também possuem poderes — sorriu, fazendo o seu melhor para manter sua atuação crível.

Era claro que ela sabia sobre tudo aquilo. Após fugir de casa, tendo perdido seus itens mágicos embelezadores, ela foi obrigada a recorrer aos "cosméticos plebeus", que é como ficaram conhecidos aqueles produtos.

Por mais que os nobres tivessem certa ojeriza aos produtos de Leifea, que não eram mágicos e nem custavam centenas de moedas de ouro, a moça acendeu relativamente rápido. Apesar de um plebeu ter menos dinheiro, a maior parte da população é plebeia, logo, os produtos de Leifea se tornaram incrivelmente populares.

— Bem, é diferente da magia, é algo mais natural — respondeu.

— Então é devido ao poder das plantas que a Leifea é tão bonita? — questionou com uma perfeita demonstração de sinceridade infantil, com seus olhinhos brilhando e tudo mais.

A moça ficou envergonhada.

— B-bonita? — estremeceu.

— É claro, a Leifea com toda certeza é uma das mulheres mais bonitas na mansão, empatada com a Tânia — respondeu com convicção e Develine não tinha problema algum em admitir a realidade. — Perdendo apenas para a mamãe, que está em primeiro lugar — disse com orgulho.

— Prin-princesa — Tânia quase engasgou ao ouvir seu nome ser introduzido naquele tipo de discussão.

— Mamãe? — a herbalista ficou curiosa.

Até onde Leifea sabia, a mãe da sétima princesa havia morrido no parto. Era uma informação conhecida, além de que a rádio funcionários era a mais rápida do império, sempre em primeiro lugar nas paradas quando se trata de fofoca.

— Sim, a tia Ashiria vai me adotar e eu serei sua filha — sorriu.

Leifea arregalou os olhos: — Sério? — perguntou por puro impulso.

Vendo o choque da mulher, Tânia sorriu com orgulho: "Eu já sabia"

— Jamais mentiria com algo assim — inflou suas bochechas, fingindo estar nervosa.

— É isso mesmo, a princesa é um anjo perfeito e irretocável — Tânia disparou em seguida, franzindo seu cenho.

"Anjo?" a mente da jovem herbalista demorou a processar.

Leifea nunca convivera com Develine, mas as histórias que ouviu sobre a maldade da garotinha eram todas cabeludas. Porém, analisando a criança que conheceu nas últimas duas horas, com suas expectativas sendo quebradas uma após a outra, ela tendia muito mais a concordar com a comparação angelical.

"Será que mentiram para mim?" Encarou a criança que conseguia brilhar pelo simples fato de existir.

O olhar sincero, o sorriso genuíno, em sua visão, nada daquilo caracterizava um demônio.

— Me desculpe, eu não sabia — tudo que lhe restou foi pedir desculpas.

— Você pede desculpas demais. — Develine sorriu. — É natural que não saiba, está tudo bem. Eu queria que nos tornássemos amigas, então essas desculpas recorrentes são um pouco chatas, pois acaba nos afastando — explicou.

Leifea ficou boquiaberta.

— Amigas?! — repetiu a palavra em voz alta, chocada; tentando confirmar a informação.

— Isso — Develine respondeu com naturalidade.

"A princesa me quer como amiga?" A ficha demorou a cair.

— Você faz muito estardalhaço por pouca coisa — Develine brincou.

"Pouca coisa?" Leifea continuou em choque, sentindo dúvidas sobre os parâmetros daquela criança. — Isso é muita coisa, princesa — respondeu.

Tânia concordou balançando sua cabeça positivamente enquanto comia o último biscoito.

— Está tudo bem, em pouco tempo eu serei uma Dargran, não uma princesa imperial — sorriu. "Apesar de que isso é muito melhor para mim, foda-se o título imperial", pensou.

— Bem, mesmo assim. Ser amiga da futura filha da maga mais poderosa que já existiu, ainda é muito absurdo para uma simples plebeia sem sobrenome como eu — Leifea insistiu.

— Então pense em mim como uma criança normal — disparou. — Eu nem tenho habilidades como você. Entender as plantas e fazer cosméticos com elas; sem necessidade de magia, é simplesmente incrível! — Abaixou sua cabeça. — Eu não posso me comparar a isso — completou, expressando admiração sincera em seu ponto.

— Eu tenho certeza de que a senhora Ashiria vai conseguir salvar a princesa — Tânia disparou.

— Salvar? — Leifea estranhou a escolha de palavras e uma ideia logo atingiu sua mente. — A princesa está doente? — perguntou genuinamente preocupada.

— Não exatamente — Develine respondeu desconcertada. — Aparentemente eu não posso usar magia e por causa disso meu corpo é frágil, a mamãe está tentando conseguir um teste de aptidão mágica para mim, para ver o que podemos fazer, então não precisa se preocupar — emitiu um sorriso fraco.

Mesmo que conseguisse esconder muita coisa, aquilo ainda lhe causava desconforto. A dor da garotinha era perceptível em sua face, ter se machucado tanto por ser considerada uma inútil era algo que mesmo sua capacidade de atuação falhava em encobrir.

— Bem, se eu puder ajudar a princesa em algo, é só me pedir — disse.

— Se a Leifea puder me ajudar a ter uma pele tão bonita quanto a sua, já seria bom, pelo menos me casar para ajudar a mamãe eu ainda posso — disse em tom de brincadeira, gozando da situação.

Por vezes a voz do seu pai fazia questão de incomodar seus sonhos, os tornando pesadelos. ~Pelo menos para ser um objeto de decoração esse seu rostinho bonito ainda serve~, foi o que ele disse no momento em firmou um contrato com um dos seus parceiros, oferecendo Develine ao filho mais novo de um influente nobre imperial.

— Minha senhorita, nunca diga isso — Leifea irrompeu, se ajoelhando diante da garotinha para olhá-la nos olhos.

Leifea ficou chocada com aquela afirmação. Mesmo que ela conhecesse essa faceta dos nobres, ver uma criança falando sobre casamento político a feriu profundamente.

— Uma mulher não deve se relegar a posição de ferramenta, somos muito mais que isso, acredite. Eu tenho certeza de que a senhorita pode ser tudo o que quiser. — Pegou as mãos da pequenina e sorriu com ternura. — Vai dar tudo certo, acredite.

Tânia concordou balançando sua cabeça freneticamente.

Develine ficou tocada, e sem saber como responder, envolveu Leifea em um carinhoso abraço apertado — Obrigada! — respondeu, sentindo o doce aroma de ervas que permeava a pele da mulher.

Após alguns instantes de silêncio e ternura, Leifea olhou para o céu e finalmente se atentou a um ponto importante.

— O sol está bem alto! — disparou em pânico. — A cozinheira chefe vai me matar! — Ficou visivelmente preocupada com o fato.

Quando Leifea saiu com a jovem dama, prometeu que voltaria logo.

— Pode ficar tranquila, você estava comigo — Develine disse. — Além de que me parece um desperdício ter você na cozinha. Você ama plantas, certo? Que tal se você cuidasse do jardim?

— Eu adoraria minha senhorita, mas fui contratada como auxiliar de limpeza e ajudante de cozinha — respondeu.

— Não se preocupe, eu vou falar com a minha mãe sobre isso — Develine respondeu, desconsiderando a preocupação da herbalista.

— Mas assim a minha dívida com a senhorita nunca poderá ser paga mesmo que eu viva duas vidas — Leifea fez uma feição complicada.

— Eu seria idiota se lhe negasse o ambiente perfeito para suas verdadeiras habilidades brilharem — Develine insistiu. — Pelo que sei, o velho Tom está prestes a se aposentar, então é de suma importância ter alguém para substituí-lo em suas tarefas.

— Mesmo que seja lógico, após perdoar minha insolência e me indicar para um trabalho melhor, eu devo fazer algo pela senhorita — Leifea disse, apalpando os bolsos do seu uniforme de empregada até encontrar um frasco de vidro. — É pouco, mas peço que aceite minha nova mistura. Além de ter poderes curativos e cicatrizantes, é ótima para a pele e possui capacidade de proteger contra o sol. — Ela ofereceu um potinho para Develine.

"Finalmente! Aqui estão os frutos do meu esforço." Sentiu seu coração tamborilar de alegria. — Obrigada Leifea, isso é incrível, juro que o usarei com carinho — Ela pegou o potinho sem hesitação.

— Fico feliz que tenha gostado, senhorita — Leifea disse, se curvando brevemente. — Se me der licença — ela sorriu antes de começar a correr em direção a cozinha da mansão.

Develine permitiu com um maneio de cabeça e em seguida se voltou para o precioso frasquinho que recebeu. "Com isso" levantou o item diante de seus olhos. "Eu posso convencê-lo" ficou orgulhosa.

Enquanto ainda acariciava o recipiente, feliz com o seu ganho, uma sombra humana foi projetada em sua direção.

— Minha senhorita, ouvi dizer que escolheu essa moça como sua guarda-costas, é verdade? — um homem que tinha por volta dos vinte e cinco anos, alto e careca, dono de um bigode grosso com voltinhas em suas pontas, apontou para Tânia e fez questão de ir direto ao ponto.

— Sim. — Develine confirmou, curiosa quanto ao possível desenrolar daquela abordagem repentina.

— Minha senhorita, peço que perdoe minha insolência, mas como um dos cavaleiros imperiais que escoltou sua jornada, sou contra a sua decisão e devo adverti-la que foi precipitada em sua escolha — o homem se ajoelhou diante dela e abaixou sua cabeça. — Me permita assumir esse papel importante, pois temo que a moça em questão é incapaz de protegê-la — completou, inteiramente convicto no que disse e sem nenhuma vergonha em sua cara.

"Que moço arrogante!" Develine ficou passada.

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