7 Capítulo 6 - Gatilho

"Não posso praticar?!" Develine bufou insatisfeita enquanto andava pelos corredores da sua nova casa.

Depois do seu episódio de desmaio, sua mãe a proibiu de treinar esgrima por algum tempo.

"O dia começou tão bem, parecia que o futuro seria tão brilhante, mas..." *booom*, fez um barulho alto com a boca "meus sonhos foram esmagados", suspirou, relembrando os acontecimentos de mais cedo e ficando melancólica.

No dia seguinte ao seu desmaio por esforço excessivo, sua mãe decidiu que ela precisava de uma guarda-costas para ficar o tempo inteiro ao seu lado e protegê-la das suas quedas. "É a oportunidade perfeita", Develine ficou alegre com a possibilidade de ter aquela pessoa ao seu lado.

Antes que sua mãe definisse seu acompanhante entre os guardas da mansão, esperneou pedindo para que Tânia fosse a escolhida.

Seu plano era simples: "Manter a poderosa guerreira por perto e usar seu chaeme para conquistá-la", desejou com todas as suas forças.

Por mais que aquela Tânia estivesse aquém da versão que a derrotou, ainda era Tânia Gardnif, A Presa Marrom, e Develine jamais deixaria a oportunidade de angariar a lealdade de uma figura lendária passar.

"Me desculpe Eliseline, mas conquistarei a Tânia", sorriu, se recordando do fato de que sua atual guarda-costas fez parte do grupo da heroína que lhe matou.

Quando se lembrou do rosto daquela pessoa, um traço de melancolia atingiu sua face.

"Depois de como tudo acabou...", suspirou consternada. "Se eu soubesse onde você está agora, também iria atrás de você, Lise"

Quando seu olhar vacilou, ela estapeou suas próprias bochechas.

"Não é hora para ficar triste." Se recompôs, correndo pelos corredores da mansão.

Ela tinha um destino para mudar e boas novas para reportar, Develine estava muito animada essa manhã.

— I-isso é muito pra mim — Tânia gaguejou.

— Deixa disso, ficou muito legal! — a garotinha, que estava sentada sobre sua própria cama e com um olhar de expectativa no rosto, irrompeu, encarando a mulher diante dela com um enorme sorriso. — Inclusive, o laço vermelho fui eu quem escolhi. — Apontou para o item que Tânia usou para amarrar seu cabelo castanho em um rabo de cavalo.

A poderosa guerreira que até a pouco serviu de empregada, tinha acabado de vestir o seu novo uniforme de trabalho. Uma vestimenta especial na cor vinho, um traje social discreto, leve e altamente resistente. A roupa perfeita para o seu novo cargo.

Fazia apenas alguns minutos desde que Develine praticamente obrigou sua empregada a mudar de uniforme. Tânia ainda estava chocada com tudo que a garotinha lhe disse e ela mal processou metade das informações.

Ser uma guarda-costas estava bem além da sua função de empregada. Servir como a defesa do seu senhor era uma honra inestimável para aqueles que perseguem o caminho de um cavaleiro.

— E-eu não mereço tanto — a jovem Gardnif disparou emocionada enquanto se olhava no espelho, conferindo o caimento e percebendo a qualidade consideravelmente alta daquelas peças.

Parecia uma simples roupa social, mas como uma guerreira experiente, Tânia reconheceu o valor do que estava usando.

Quando ela colocou aquelas peças, sentiu o traje se adaptar perfeitamente ao seu corpo como em um passe de mágica. No mesmo instante ela soube que se tratava de uma roupa especial e suspeitou que, mesmo sendo feita de tecido, fosse muito melhor do que uma armadura de placas genérica.

— Mas deixe de bobagem, Tânia! É claro que merece, a senhorita só está viva por sua causa — Marlly irrompeu.

Develine arregalou os olhos, curiosa com a informação que desconhecia: — Como assim? — se apressou em questionar.

— Ninguém te contou? — Marlly ficou surpresa.

— N-não precisa contar, n-não foi nada de mais — Tânia ficou envergonhada e isso apenas atiçou a curiosidade da diabinha.

— O que é? Conta — a pequena se voltou para sua cuidadora com um olhar de expectativa.

— A nossa Tânia aqui — Marlly apontou para a mulher que ainda estava na frente do espelho admirando seu uniforme novo — foi quem mitigou os danos em seu acidente. Ela viu o exato momento em que a senhorita caiu da árvore. E para impedi-la de se chocar contra o chão, ela se jogou para protegê-la — respondeu. — Infelizmente vocês acabaram batendo suas cabeças — completou, rindo alto quando se lembrou do enorme galo que ambas as jovens adquiriram no acidente.

— É sério? — Develine pulou em pé sobre sua cama.

— S-sim — O rosto da sua nova guarda-costas corou.

— Que incrível, bem que eu fiquei pensando nisso. Como alguém frágil como eu poderia sobreviver a uma queda daquelas? — disparou. — Mas agora eu tenho a resposta — sorriu. — A Tânia é o meu anjo da guarda! — Pulou sobre a mulher de cabelos castanhos, que com o seu reflexo ágil advindo do seu treinamento árduo, pegou a pequenina em meio ao ar e lhe concedeu um lugar em seu colo. — Agora eu só preciso praticar o suficiente para ficar forte igual a você e nunca mais te preocupar — Se enterrou nos ombros da sua salvadora.

Sentindo o carinho da pequenina, Tânia retribuiu o gesto.

— Eu juro que vou te proteger como se fosse minha irmãzinha, senhorita — sussurrou com ternura.

Após a animada conversa que tiveram, às duas saíram do quarto, rindo de orelha a orelha. Elas mal deram cinco passos pelo corredor quando ouviram uma voz familiar.

Aquele foi o começo do pesar.

— Onde você pensa que está indo, mocinha? — Ashiria cruzou seus braços, encarando às duas com suas sobrancelhas arqueadas.

Develine congelou no mesmo instante.

— Pra-praticar? — estremeceu, duvidando do que deveria dizer.

— Depois do último incidente? — disparou. — Nem pensar. Nada de praticar até descobrirmos qual é a situação do seu corpo — Ashiria respondeu, irredutível.

— Mas mãe... — Develine protestou, frustrada com o impedimento.

Mesmo que seu corpo fosse frágil, ela queria se esforçar para conseguir mudar isso o quanto antes.

— Mas nada! Filha, por favor, o doutor disse que você tem que descansar. Você caiu de uma árvore e apagou por dois dias, quando conseguiu se levantar, a encontrei jogada no chão e no dia seguinte a senhorita me fez o favor de sofrer um desmaio — lembrou-a dos incidentes encarrilhados.

A garotinha suspirou, enfezada, porém, compreendendo o ponto.

— Ao menos posso assistir a Tânia praticar? — pediu com jeitinho.

Ashiria encarou-a por alguns instantes antes de desistir e deixar um sorriso carinhoso escapar: — Tudo bem — andou na direção da pequenina e a abraçou. — Mas nada de tentar você mesma, ouviu Tânia?! — colocou bastante ênfase naquele ponto. — Você agora é guarda-costas da minha bebê, então preze pelo bem-estar dela, entendido?

Assustada com a chamada, Tânia bateu continência.

— Entendido! — respondeu com firmeza.

Esse acontecimento ainda lhe provocava desconforto. Develine queria proteger sua nova vida com as próprias mãos, mas o destino parecia ter outras ideias para ela.

"Se não fosse pela interferência do doutor, certeza que a mamãe teria me impedido de praticar para todo o sempre", reclamou com desânimo. "Maldito corpo frágil", esbravejou. "Pelo menos ainda tenho permissão para ver a Tânia praticar" Encarou a mulher que a seguia de perto.

Percebendo a olhadela repentina de Develine, a guarda-costas sorriu e a garotinha devolveu o gesto.

"Isso não importa tanto agora", colocou sua mente no lugar. "Eu só preciso por meus planos em prática. E se estiver certa, ela entrou com a Tânia, já que a Dina citou seu nome", sorriu, se lembrando do motivo pelo qual estava andando em direção a cozinha.

***

O clima na cozinha estava intenso, a cozinheira chefe e suas ajudantes corriam de um lado para outro enquanto preparavam a refeição. Além do almoço dos seus patrões, a comida dos funcionários também era feita ali, ou melhor, era a mesma comida preparada para a dona da casa e seus convidados. Ashiria era um dos poucos nobres que permitia tal coisa.

Sondando o ambiente tumultuado através de uma janelinha na porta a qual alcançou com a ajudinha de Tânia, logo identificou sua presa. Em um cantinho recluso, próxima a uma janela aberta, viu uma jovem de cabelos negros presos em um coque descascando as batatas que lavadas de um cesto logo ao lado.

"Achei" Develine sorriu. — Vamos! — se virou para sua companheira e disse energicamente, pedindo para que a mesma lhe colocasse no chão.

Observando as ações repentinas daquela criança, Tânia ficou inquieta.

— A senhorita não deseja fazer nada que vá colocá-la em perigo, pretende?

— Claro que não, até parece. Confie em mim! — piscou, emitindo o seu sorriso travesso de sempre como acompanhamento.

Tânia estremeceu: — Eu vou ser demitida — sussurrou desanimada.

Com seu alvo identificado, Develine colocou seu plano em ação. Sem demoras ela rodeou a casa pelo lado de fora e se esgueirou, aproveitando da sua estatura diminuta para se aproximar da janela que queria sem ser percebida.

— Ooooláááá, senhorita Leifea!!! — com um grito empolgado, Develine saltou, aparecendo de supetão na frente da janela.

A mulher que descascava tranquilamente algumas batatas, perdida em pensamentos, teve um microinfarto e gritou:

*ahhhhhhh*

Arremessou a batata em sua mão por puro reflexo.

Várias cozinheiras imediatamente se voltaram para o ocorrido a tempo de ver a responsável pelas batatas cair sentada no chão.

— O que aconteceu? O que foi? — uma cozinheira logo ao lado reagiu energicamente, assustada com o grito e estranhando o acontecimento repentino.

— Me-me a-assustei — Leifea respondeu, apontando para a janela.

Foi um arremesso consideravelmente bem executado. Quando a garotinha apareceu de repente, a cozinheira não hesitou e atirou o alimento que estava em suas mãos. Já era tarde quando percebeu seu erro. A batata voou a toda velocidade e parecia certo que atingiria o rosto daquele diabinho travesso.

*Fiiiiu*, Develine assoviou, encarando a mão enluvada que se tornou uma parede diante do seu nariz.

No último instante sua confiável guarda-costas aparou o tubérculo a milímetros do rosto dela.

— Você enlouqueceu?! — Tânia fulminou com o seu olhar a cozinheira responsável pelo arremesso.

Leifea, que ainda se recuperava do tombo que levou, congelou diante do olhar ameaçador que recebeu.

"Morri" Lágrimas começaram a se organizar nos olhos da mulher. Sem conseguir pensar muito bem sobre o assunto, ela saiu da cozinha e correu em direção a garotinha, torcendo para que pedir desculpas fosse o suficiente.

— Eu estou bem, foi só um susto — Develine riu de forma descontraída.

— Me perdoe — Leifea se ajoelhou, desesperada, lutando para se manter firme o suficiente e implorar por sua vida — Por-por fa-favor, n-não me chicoteie — implorou, lançando-se no chão. — Eu beijarei os seus pés se for necessário — completou, desesperada.

Develine se encolheu, perdendo o sorriso e ficando assustada.

"Chi-chicote..." Memórias ruins possuírem sua mente.

Aquela palavra foi o gatilho de um pesadelo.

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