5 Capítulo 4 - Mal-ouvida!

— Tânia... — uma jovem ofegou — ... eu... — sentiu sua visão embaçar — ... vou morrer! — afirmou enquanto seu coração ameaçava fugir a galope.

— Princeeeesa! — A última coisa que ela ouviu antes de tudo ficar escuro, foi a voz da sua treinadora.

Em meio um vasto campo gramado, com uma frondosa árvore frutífera como única sombra por perto, uma jovenzinha que carregava uma espada de madeira viu estrelas surgirem no céu diurno.

"Eu realmente sou muito frágil", se lamentou enquanto sentia sua pressão subir de repente e pôr fim abraçar a escuridão.

Era para ser um simples café da manhã. Depois dos eventos que viveu na noite anterior, quando despertou no passado e percebeu ter ganhado uma segunda chance, dormiu por horas a fio após sentir o carinho da sua tia.

Quando acordou no dia seguinte, varada de fome, fez o seu melhor para pedir perdão a uma boa parte daqueles que um dia ofendeu.

— Que chá delicioso, Dina — disse com uma expressão alegre, sorrindo de orelha a orelha enquanto a empregada que lhe serviu ruborizava ao ser cumprimentada pelo nome. — Quem fez algo tão bom? — disparou com entusiasmo.

— Fo-foi a empregada Leifea, minha senhorita — ela prontamente respondeu a sétima princesa.

— Delicioso, dê a ela meus cumprimentos. — Develine sorriu com educação.

— Fico feliz que tenha gostado, pequenina — sua tia, do outro lado da mesa, respondeu aos seus gracejos.

"Essa é a oportunidade perfeita" Develine lutou para seu rosto jovial e inocente se manter puro enquanto internamente mal continha sua ganância.

Aproveitando estar junto a sua tia na mesa do café, ela não perdeu a oportunidade.

— Titia, eu quero ser forte como você, eu quero aprender magia! — Fez seu melhor para conter sua crescente empolgação.

Em sua vida anterior, esse sempre foi um dos maiores sonhos de Develine. O principal motivo pelo qual entrou na Legião do Mau, foi a promessa de que a ensinariam magia.

Desde pequena Develine foi treinada para ser uma dama. Ela sempre teve ódio disso, pois queria ir além, queria ser como seus tios e tias, principalmente, ser como aquela poderosa maga ruiva.

Em sua primeira vida ela sentiu muita inveja de Ashiria e por esse motivo a tratou tão mal. Pois, mesmo seu pai, arrogante como era, tinha que medir suas palavras diante daquela mulher.

Develine estava na presença de uma das magas mais poderosas vivas e queria muito ser ensinada por ela. Infelizmente, a reação que recebeu foi bem diferente da que estava esperando.

Sentadas junto aquela enorme mesa cheia de guloseimas, grande demais para apenas duas pessoas aproveitarem seu conteúdo, sua tia parou de comer e a encarou com pesar.

— Pequena, nunca te contaram?

"Contaram o quê?!" Era o que Develine realmente queria perguntar, mas evitando ser rude; se conteve: — Talvez minha mente ainda esteja um pouco confusa devido ao acidente, titia. Se puder me esclarecer — ela sorriu —, ficaria imensamente grata. — Se esforçou para ser educada e parecer tranquila.

— Pequena... — Sua tia abaixou a xícara de chá que estava levando até a boca. — Você foi reprovada no teste de aptidão mágica, s-seu pai nunca lhe contou?

O tom de pele de Develine é algo entre o jambo e o caramelo, porém, naquele instante, a mesma ficou mais branca que sua tia. Branca como neve.

"Reprovei?" Remoeu a informação, atordoada com a mesma. "Como assim, reprovei?" Aquela resposta foi um baque. "Eu usei magia, eu me lembro disso, me lembro da sensação!" Ruminou suas memórias.

Lá pelo final da sua vida Develine conheceu a Legião do Mau. Os mesmos disseram poderem ajudá-la a realizar seus sonhos e foi assim que a atraíram.

Apesar do preço que teve que pagar, ser usada como uma arma descartável, de fato ela conseguiu usar magia por algum tempo.

"Impossível, isso é uma piada, não reprovei", se perdeu em negação e... "Meu avô me disse..." tirou conclusões precipitadas.

~Vovô, eu quero ser como você! Eu posso ser como você?~ A pequeniníssima Develine do passado perguntou.

Aquela foi uma das poucas vezes que conseguiu ter contato com aquele homem. Como Imperador, ele sempre foi muito ocupado.

Em resposta ao senhor de cabelos ondulados e brancos, que mesmo já tendo ultrapassando os sessenta anos permanecia belo e elegante, respondeu com um sorriso:

~Magia depende de sorte ou herança, se os seus pais são fortes, os filhos serão tão fortes quanto. Seu pai é meu filho e você é minha neta, acredito que isso responda sua pergunta.~

"Sim, foi o que você me disse, então...!" Irrompeu para si mesma após recordar aquela breve conversa, de se lembrar do olhar expectante do seu avô. "Eu sou Develine Hydess, filha de Dalfoy Hydess, neta de Hausturio Hydess, o grande imperador de Calderuim e o mago mais forte que já existiu!" Ficou irritada, recordando suas origens e se apoiando nelas assim como fez tantas vezes ao longo da sua vida.

As risadas disfarçadas dos nobres que estavam cursando o ensino formal mesmo tendo a mesma idade que ela, sempre fazendo questão de questioná-la quanto a suas capacidades, ressurgiram para atormentá-la.

~Inútil~, era o que eles sempre diziam.

"Eu não posso ser uma inútil!", afirmou com mais raiva do que convicção.

Por um instante sua mente anuviou e ela quase socou o tampo da mesa por puro impulso. Ela queria questionar sua tia, mas ao perceber o que estava prestes a fazer e o pensamento que teve, se controlou antes de perder as estribeiras.

Uma miríade de olhares preocupados e receosos estavam sobre ela. Develine era famosa pelas suas reações exageradas.

"Droga!", praguejou, suspirando; entristecida consigo mesma.

Envergonhada com seus atos colocou de lado o garfo que apertou com força.

Apesar de ter mudado bastante ao longo da sua vida, ter sido criado pela família que teve, foi algo que a impactou ad eternum. Mesmo seu fim foi definido pelo ódio que sentiu, e ainda sentia, por aquelas pessoas.

Prometer que não seria tão orgulhosa e prepotente estava diretamente ligado ao quão sufocante foi o caminho autodestrutivo pelo qual trilhou. Tudo se entrelaçava em uma espiral de ódio e desgraça.

"Não são apenas hábitos ruins...", se martirizou pelo ato inconsciente.

Invocar o nome do seu pai e avô foi uma das coisas que mais fez. Sempre que não conseguia resolver algo, ou era desafiada por alguém, usava seu sangue como desculpa para insultar e humilhar.

"Achei que tinha superado isso", estremeceu.

Ao perceber o desânimo crescente da jovenzinha, Tânia se apressou na tentativa de tentar animá-la. Apesar de ter mantido tudo para si, em seus pensamentos, as microexpressões de Develine denunciaram o quão caótica e abalada sua mente estava.

— T-talvez a senhorita Develine ainda possa ser uma guerreira — disse a jovem empregada, tentando iluminar a feição pesarosa da pequenina.

Ashiria quase se engasgou com o biscoito que comia, arregalando os olhos no mesmo instante. Após se recuperar do susto, tentou manter a elegância enquanto enviava um olhar ameaçador em direção a Tânia.

"Você enlouqueceu?" Era o que seus brilhantes olhos safira-azulados queriam dizer.

"O-o que foi?" Tânia ficou confusa, sem entender muito bem as entrelinhas, mas entendendo que foi repreendida por algum motivo.

Se agarrando aquela corda salva-vidas, espantando a amargura das suas frustrações, Develine se voltou para a jovem empregada.

— Estou ansiosa pelas suas aulas de espada, Tânia — sorriu para a moça. — Inclusive, titia! — se voltou para Ashiria. — Eu queria pedir para que deixasse a Tânia me ensinar esgrima.

— V-você tem certeza? — A imponente maga ruiva de cabelos ondulados vacilou em esconder sua preocupação.

— Por que não? — Develine começou a ficar receosa com as reações negativas que sua tia estava tendo.

Ao perceber o rosto confuso e expectante da pequenina, Ashiria suspirou. — Infelizmente eu não sei todos os detalhes. O seu pai nunca quis mostrar os resultados dos seus exames de aptidão para ninguém, mas sei que, devido à condição do seu corpo, seria difícil para você praticar qualquer atividade física — explicou. — Até por isso creio que ele nunca a tenha incentivado nessa direção, mesmo sua irmã mais velha sendo uma notória espadachim.

Develine ficou em choque diante da revelação. A imagem que tinha de si mesma, a imagem de uma mulher forte que um dia liderou um grupo de elite na Legião do Mau, estremeceu, pois talvez fosse falsa.

"Mas como?", se perguntou enquanto sentia seu coração apertar, procurando alguma lógica e tentando se manter em pé diante de tudo aquilo.

Quando foi acolhida pela legião do mau, um grupo radical que decidiu se aproveitar dos poderes ocultos e proibidos para se opor as ações da Santa Igreja, os mesmos lhe disseram que ela possuía um grande potencial adormecido.

"Será que só a legião pode despertar os meus poderes?", estremeceu.

No fim, após a legião falhar, Develine foi sacrificada. O líder da legião usou um item chamado de "Coração do Primeiro Pecador" e ela enlouqueceu, morrendo nas mãos da heroína.

Ao se lembrar disso, uma dúvida ainda mais pertinente atravessou sua cabeça. "Será que eu realmente já tive algum poder?" Considerou a possibilidade.

Apesar de ter estudado um pouco de magia com a legião, Develine estava longe de ser considerada uma expert nas artes ocultas. Pensar que de alguma forma a fizeram acreditar ter poderes, passou pela sua cabeça, fazendo-a amargar de raiva diante da possível enganação.

"Sem talento algum para lutar ou usar magia, é sério? Logo eu que sempre sonhei com isso?", bufou, tão irritada quanto desanimada.

Se lembrando do passado, sentiu o olhar de desgosto do seu pai, que a considerava uma inútil. Dos seus irmãos, que queriam ter alguém para humilhar. A ganância nos olhos do líder da legião, que a usou como uma arma. O desprezo dos membros da igreja, desejando sua morte.

Relembrando todos esses olhares, sentiu seus ombros penderem.

"Desde o princípio, fui só uma ferramenta...", suspirou.

Perdida em meio a suas frustrações, acabou, sem querer, externalizando suas emoções: — Então, eu só posso continuar sendo um estorvo... — afirmou, manifestando desgosto em seu olhar, abaixando sua cabeça e encarando o chão.

De todos os olhares violentos que recebeu, o que mais doeu foi o seu próprio olhar. O olhar de uma jovem perdida que todos os dias era obrigada a encarar sua própria imagem no espelho. A imagem de uma fracassada.

Sentindo a densidade de todo aquele pesar, a boca de Ashiria abriu e um aperto esmagou seu coração. Sua voz tardou em sair, havia um nó em sua garganta. Ela se lembrou de uma cena. De ver, em uma festa de família, o irmão do seu marido brigar com aquela pequenina.

~Você é só um estorvo Develine, morra como a puta da sua mãe e me deixe em paz. Se é para ser uma inútil, que seja longe de mim, não venha estragar a linhagem da minha família.~ Ele agarrou a pequenina pelo cabelo, sacudindo-a como se fosse um brinquedo quebrado. ~Você não é minha filha, você não é um Hydess, você é o fruto indesejado de uma diversão inconsequente. Se entende isso, então suma.~ Largou a garotinha no chão, virando suas costas para a mesma enquanto a pequena chorava copiosamente.

Sentindo um ódio fulminante pulsar em seu peito, Ashiria socou o tampo da mesa de jantar sem conseguir lidar corretamente com a ira que sentiu ao se lembrar do quão deplorável seu cunhado era.

— Você não é um estorvo! — se pronunciou. — Você é um presente inestimável que o imbecil do seu pai é incapaz de compreender — vociferou, se segurando para controlar sua postura.

Ashiria tinha uma visão muito objetiva de família.

Apesar de serem plebeus e possuírem lá seus defeitos, seus pais sempre lutaram contra as adversidades no intuito de protegê-la da crueldade do mundo.

Em seu ponto de vista, o dever de uma família é amar e apoiar seus semelhantes. Se tal apoio é inexistente, quer dizer que não se trata de uma família.

Com aquelas palavras, diante de tal sinceridade, Develine se lembrou dos momentos positivos. Se lembrou do sorriso da sua mãe, do carinho e preocupação demonstrado por sua tia, dos afagos de Marlly e da sinceridade da heroína.

"Talvez..." Se dando conta do descontrole momentâneo da sua tia, da ira clara e fulminante em seus olhos azuis, Develine sentiu vontade de dizer algo. "Eu não deveria, mas..." Seus olhos encheram de lágrimas. "Eu só queria ser amada um pouquinho, é egoísta demais?" Se questionou, sentindo-se culpada por simplesmente desejar.

Perdida, com seu olhar vagando a esmo, eventualmente seus olhos se cruzaram com os da sua tia e seu corpo correspondeu por instinto.

— T-tia, você gostaria de ser a minha... — A dúvida crescente imobilizou-a no ato. Assim que percebeu o que estava prestes a fazer, seus lábios congelaram.

Percebendo o conflito da jovenzinha, Ashiria sorriu com ternura.

— Não tenha medo, diga — encorajou-a.

— Tia, você gostaria de ser a minha mamãe? — Enfim questionou, enfim teve forças, e abaixando sua cabeça, suspirou desanimada: — S-sinto que o meu pai não quer ser o meu pai.

Ashiria ficou em silêncio por alguns instantes.

Apesar de ter se descoberto como uma atriz, possivelmente devido à influência das máscaras horrendas da nobreza, aquilo foi genuíno, Develine realmente queria ficar naquela casa e desfrutar da companhia daquela mulher. Ser amada um pouquinho.

Mesmo em sua vida anterior, ela desejou ter ficado ali, porém, foi orgulhosa demais para pedir ajuda. Agora que recebeu uma segunda chance, prometeu para si mesma que seria mais sincera com seus sentimentos.

Se ela voltasse para casa, já sabia o seu destino. Seus irmãos a maltratariam e seu pai a ignoraria. Desde que não ferissem seu belo rosto, útil para um casamente arranjado, seu pai jamais os repreenderia.

Estando frágil como estava, o que lhe restaria era apenas aceitar calada toda aquela humilhação descabida. Ela conseguia facilmente se imaginar tomando o mesmo caminho novamente, odiando sua família e tentando a todo custo se vingar.

Além de que a mulher diante dela era Ashiria Dargran, a maga mais poderosa do império e uma das poucas pessoas que lhe mostrou algum carinho. Uma das poucas que em vez de mordê-la de volta, estendeu sua mão.

Uma mulher que era igual, seja em aparência ou em quantidade de afeto, a pessoa que a amou desde que era apenas uma sementinha em uma barriga.

— Eu adoraria ser sua mãe, pequenina — Ashiria respondeu com ternura. — Mas e você, gostaria de ser minha filha? — sorriu.

Desde sempre Develine ansiava por escapar da maldita casa onde nasceu e cresceu. Ela só tinha dificuldade para admitir e vergonha de pedir ajuda. Contudo, depois de tudo que passou, percebeu que seu orgulho exacerbado era o mesmo que nada.

"Foda-se a aceitação do meu pai!", rugiu internamente, criando coragem para perseguir seu desejo genuíno de felicidade.

Sem nada para lhe conter, levantou, correndo em direção a mulher de longos cabelos ruivos. Entre fungadas que mesmo ela tinha dificuldades em entender, saltou sobre sua tia.

Uma emoção estranha tamborilava em seu peito, uma espécie de ato infantil, um que era fruto de um corpo que ansiava por amor, mas que jamais o recebeu.

— Sim, com todas as minhas forças, é isso o que mais desejo — respondeu, enterrando seu rosto no ombro da elegante mulher e sentindo o aroma adocicado do seu cabelo.

— Então eu lutarei por você, minha pequena Develine — Ashiria completou, com uma certeza sem igual do que faria a seguir. — Tânia, chame o senhor Deinos, preciso acertar as papeladas de uma adoção.

O coração de Develine pulsou agitado, com uma felicidade imensurável possuindo seu corpo.

— Obrigada, mãe — abraçou-a mais forte.

— De nada, minha peque... — se conteve, sentindo o clima e permitindo que seus verdadeiros sentimentos fluíssem: — De nada, minha filha!

Após alguns segundos, abraçadas com ternura, *hump, hump* Develine pigarreou levemente. — É... mãe, eu poderia praticar esgrima com a Tânia? — perguntou com seu rosto ainda estando enterrado no ombro dela.

Ashiria considerou por um instante, visivelmente preocupada com a ideia. Porém, diante daqueles olhinhos vermelho-azulados cobertos de expectativas, acabou cedendo.

— Só não exagere — respondeu.

"Isso" Develine comemorou em silêncio.

— Espera, senhora! Ela precisa de um capacete — Marlly irrompeu.

Todos os presentes no recinto encararam a empregada, surpresos com o ato repentino.

Percebendo os olhares confusos, Marlly corou como um tomate maduro e rapidamente abaixou sua cabeça: — M-me desculpa, minha senhora!

— T-tudo bem... — Ashiria ficou momentaneamente sem saber como responder.

Naquele mesmo dia a matriarca Dargran reconsideraria as palavras de Marlly.

Como água passando por um cano furado, o conselho da sua mãe trespassou a mente de Develine. A pequenina fez justamente o contrário do que lhe foi pedido. Sem reconhecer seus próprios limites, ela exagerou.

Sem a resistência física necessária, a mesma desmaiou após alguns minutos de treinamento.

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