3 Capítulo 2 - Acordando com o pé direito

— Booom diiiiia, moooça — uma garotinha irrompeu de repente, rindo sozinha enquanto se espreguiçava com energia; enquanto alegremente encarava o sol através da enorme janela do quarto onde estava.

Aquela pequena havia cordado de bom humor.

— B-bom dia, j-jovem mestra — uma empregada, de cabelos e olhos castanhos, com franja, estando por volta dos vinte anos, respondeu com receio. — E-eu juro que não fiz por querer — a moça tremia enquanto tentava se explicar.

— Fez o quê? — Develine ficou confusa, olhando preguiçosamente ao redor.

Ao perceber que a moça estava enrolada no enorme pano vermelho que deveria proteger as janelas, suas cortinas, acabou sorrindo diante da cena. Ela novamente teve um estalo e memórias nostálgicas cortaram seus pensamentos ao meio.

"É igual!" Develine ficou a ponto de gargalhar.

Apesar de diversas confirmações lhe indicarem que voltou no tempo, ainda parecia loucura.

As memórias daquele dia ainda eram relativamente vivas, pois futuramente ela se arrependeu do que fez. No passado, Develine brigou com aquela mulher, humilhando-a tanto que a mesma preferiu se retirar da mansão e seguir sua vida.

"Tudo por causa de uma maldita cortina", esbravejou internamente. "Você era uma retardada, Develine, retardada", reclamou de si mesma.

— Fi-fico feliz que a jo-jovem mestra tenha acordado tão disposta. — A empregada engoliu em seco, sentindo sua vida por um triz e emitindo um sorriso amargo e temoroso.

"Quer dizer, quase igual!", ela sorriu.

No passado, por odiar ter sido enviada para aquele lugar, Develine religiosamente acordava extremamente mal-humorada. Ao ter sido acordada pela luz forte e repentina batendo em sua face, viu aquela moça enrolada na cortina e nem sequer a deixou falar, partiu logo para os insultos.

Develine nem sabia o nome daquela mulher, pois mesmo isso ela ignorou.

"Eu realmente fui uma baita de uma cadela", suspirou desanimada, relembrando o quão baixa era o seu eu do passado.

Apesar de ter mudado ao longo dos anos, os erros daquela garotinha vil e mimada foram cometidos por ela. Mesmo que estivessem no passado, foi ela quem os fez e estava disposta a assumir as consequências e tentar se redimir.

Enquanto pensava, seus olhos se cruzaram com os da jovem empregada e a mesma estremeceu. Era nítido o medo que ela sentia, o temor de ser expulsa.

Enquanto ainda era um demônio mirim, Develine descobriu, através das fofocas recorrentes entre algumas empregadas, que aquela moça teve de ir morar na rua após ir embora da mansão.

"Se eu quero começar com o pé direito, essa é a oportunidade ideal." Abriu um largo sorriso.

— Está um dia tão bonito lá fora, que eu deveria era te agradecer por me mostrar isso em primeira mão — disse, brincando para descontrair e fazendo questão de demonstrar que estava tudo bem.

Apesar de a intenção de Develine ser boa, a jovem empregada encarou de outra forma. Ela encarou como uma provocação, como o sarcasmo de uma diabinha. Na visão dela, as palavras da garotinha foram um deboche.

— Me-me desculpa, eu juro que darei o meu melhor daqui em diante e isso nunca vai se repetir. — A moça se jogou no chão, ajoelhando enquanto profusamente pedia perdão. — E-eu sei que não é desculpa, mas eu preciso desse emprego!

Develine ficou surpresa com a reação exagerada: — Me-me desculpa moça, eu estou sendo sincera — tentou consertar, percebendo o quão dubiamente sua frase poderia ser interpretada.

— Q-que isso, quem deve me desculpar sou eu. Pelo nome da família Gardnif, eu imploro seu perdão! — ela insistiu.

Aquele sobrenome quase fez o cérebro de Develine vazar pelo nariz. Memórias de uma moça equipada com uma enorme espada enquanto dividia demônios, inundaram sua mente.

Com os olhos arregalados e lábios tremendo, ela se voltou para a moça de aparência simpática que jazia diante dela: — V-você não seria Tânia Gardnif, seria? — perguntou assustada.

— S-sim! — a moça respondeu imediatamente, erigindo sua coluna e se colocando em posição de sentido, como se fosse um soldado.

Develine lutou ferozmente contra o instinto de surtar. Enquanto a heroína fortalecia e protegia seus aliados com seus poderes divinos, Tânia agia como a principal atacante física, dividindo em dois qualquer pessoa que ousasse se aproximar dos seus camaradas.

"C-como assim?" Develine encarou a mulher, sem conseguir disfarçar a surpresa. Ela ficou incrédula com a descoberta.

A batalha que travou antes de morrer passou diante dos seus olhos em um instante. Aquela moça foi justamente a pessoa que mais lhe causou danos. A responsável por dividir sua carapaça e permitir que a heroína fincasse a espada sagrada em seu peito.

"V-você me parece tão diferente da Tânia que eu conheci" sorriu desconcertada diante da imagem persistente do seu corpo sendo cortado por uma mulher de olhar feroz e sanguinário. "Se bem que se eu observar com cuidado…" Analisou-a novamente, de cima a baixo, tentando unir às duas imagens distintas que tinha daquela pessoa.

Prestando bem atenção e ignorando alguns detalhes, ela começou a ver as semelhanças.

"Faltam as cicatrizes, a musculatura avantajada e o olho direito machucado, mas fora isso…"

Develine percebeu que as demais características estavam lá.

Eram os mesmos olhos castanhos, pele alva, cabelos ondulados e longos; apesar de naquele momento suas madeixas estarem presas em um coque devido a sua função de empregada. Porém, o ponto mais importante era seu porte atlético e postura afiada advinda da família de militares em que nasceu.

"Eu realmente estou conhecendo Tânia Gardnif? A presa Marrom, essa Tânia Gardnif?" Ficou imensamente impressionada com a descoberta. E ao se dar conta da oportunidade única, abriu um largo sorrisinho malicioso: "Isso é o que eu chamo de sorte, meus amigos."

Diante do olhar de caráter escuso que recebeu de repente, os ombros da jovem empregada penderam e um pensamento surgiu em sua mente. "É isso, me ferrei" Ela queria chorar.

Tudo que ela tinha que fazer era pegar um item no quarto de Develine. Ao chegar, viu um filete de luz escapando pela fresta da cortina grossa, um que em pouco tempo alcançaria os olhos da menina. Com medo de que a criança demoníaca acordasse de mau-humor, decidiu fechar bem, mas ao puxar o pano, estourou a corrediça.

— Tânia, me confirme uma coisa. Eu ouvi dizer que você sabe usar espadas, é verdade? — Develine tentou usar todo o seu charme inerentemente fofo de sétima princesa e epitome da beleza para questioná-la; inclusive, fazendo beicinho.

A moça engoliu em seco, considerando rapidamente todas as respostas as quais tinham mais chance de salvar seu pescoço de ser abocanhado pela capirotinha.

Apesar de achar a garotinha diante dela inegavelmente brilhante e adorável, as histórias que ouviu sobre Develine sempre a pintavam como o capeta encarnado. Como ninguém falou bem da sétima princesa, Tânia decidiu confiar nos boatos por puro instinto de sobrevivência.

— S-sim, aprendi algumas coisas com meus irmãos — sem conseguir pensar em outra linha, disse a verdade. "Será que ela não gosta de mulheres c-como eu?" Temeu a possibilidade, colocando seus braços bem definidos para trás enquanto tentava parecer menor.

Considerando a imagem de pessoa fútil que pintavam sobre aquela menina, acreditava que fosse possível a mesma cismar com ela por causa de algo tão bobo quanto a sua definição e porte físico.

— Vo-você poderia me ensinar a usar uma? — percebendo o desconforto da moça, Develine não desistiu e destilou doses cavalares do seu charme adorável, inclusive, gaguejando de propósito no começo da frase, fingindo estar envergonhada.

A mente de Tânia ficou em branco: — A senhorita quer aprender a usar uma espada? — questionou, descrente em seus próprios ouvidos e tentando reconfirmar para ter certeza de que estava mentalmente estável.

— Sim! — o monstrinho abriu um sorriso caloroso —, tenho certeza de que treinando com uma mulher linda, forte e incrível como você, poderei me tornar uma pessoa melhor — completou, expressando sua felicidade.

O rosto de Tânia corou.

"Ela não me odeia?!" Ficou em choque.

Segundo o que Tânia ouviu de todas as pessoas que trabalharam para Develine e sua família, aquela jovem detestava a tudo e a todos.

— S-suponho, que posso — respondeu, envergonhada com a quantidade de elogios que recebeu em uma mesma frase.

— EEEEBA! — Develine pulou em pé e saltando da sua cama avançou sobre Tânia, dando-lhe um forte abraço apertado.

Sem saber como reagir, sem ter ideia do que seria considerado adequado naquela situação, a moça fez o mais simples. Tânia apenas devolveu o gesto, mantendo a pequena em seu colo e acariciando suas costas.

"Acredito que eu ainda tenha o meu emprego?" Tânia sorriu confusa diante do inesperado desenrolar de eventos.

avataravatar
Next chapter