16 Capítulo 15 - Cartas para quem te quer

"Eu sei que sabedoria é poder!" Develine afirmou para si mesma. Convicta de que era um ditado verdadeiro. "Mas isso..." Encarou os diversos trabalhadores braçais e os caminhões de materiais de construção. "Já é demais"

Bastava ela dizer apenas uma palavra e tudo se transformava em confusão.

"Provavelmente é isso que significa ser uma mãe coruja", suspirou.

~Mamãe, eu queria uns livros para ler.~ Se recordou da frase que disse alguns dias atrás. ~De preferência, livros de história, magia, artes marciais, alquimia, física e mecânica.~

Foi uma resolução que Develine alcançou sozinha. Ela sabia que sua mãe acharia uma saída, e que ela seria curada da sua condição, porém, não queria esperar esse momento chegar para que começasse a aprender.

Em contrapartida, sua mãe mal pensou. Com algumas ligações (feitas através de um dispositivo mágico de comunicação), os engenheiros e trabalhadores chegaram o mais rápido possível.

Ashiria decidiu construir uma biblioteca dedicada para a pequenina.

— Mãaaaae! Você não precisa ir tão longe — Develine ficou preocupada. — Pegar uns livros no seu escritório já estaria de bom tamanho para mim.

Ashiria olhou para baixo, encontrando a garotinha que puxava a barra da saia do seu vestido vermelho.

Agachando na frente dela: — Minha pequenina, e onde você iria lê-los? — a questionou.

— B-bem, no meu quarto? — apontou. — Poderia ser em qualquer lugar, até a sombra de uma árvore serviria — afirmou.

— Minha filha, você precisa de um espaço dedicado para sua aprendizagem — Ashiria sorriu. — A infância é um momento delicado da vida de uma pessoa, e eu, como sua mãe, devo lhe dar todo o suporte necessária para você crescer saudável — ela acariciou com ternura o rosto da garotinha.

Develine ficou boquiaberta.

"Mas é necessária uma biblioteca pessoal?" Ela ficou pasma. "Bem, o meu eu anterior sem dúvidas adoraria isso, mas passei um bom tempo da minha vida na Legião; vivendo como uma qualquer. Em retrospecto, isso me parece exagerado", suspirou. "Apesar de ser ótimo receber um presente de verdade uma vez na vida", sorriu, com seus olhinhos teimando em brilhar.

Mesmo sendo uma princesa imperial, mesmo com acesso a muitas coisas que a plebe mal poderia sonhar, não era como se Develine fosse bem tratada. Os presentes dados pelo seu pai e os dados por Ashiria tinham significados completamente diferentes.

Enquanto os do seu pai eram análogos a subornos e chantagem emocional, os dados pela sua nova mãe eram dados de coração.

"Apesar de ainda ser um exagero ganhar uma biblioteca", Develine pensou.

Enfim, ela só queria ler uns livros e se preparar para o futuro.

"Pelo menos o dinheiro da mamãe não vem do povo igual acontece com a riqueza dos nobres", afirmou. "Pera, mas de alguma forma todo o dinheiro vem do povo, certo?" Levou sua mão direita até o queixo. "Será que as riquezas encontradas nas Masmorras e Calabouços de alguma forma também são do povo?" Develine começou a divagar. "As incursões são pagas com os impostos. Acho...", franziu o cenho, pensativa.

Com sua mente alcançando picos longínquos...

— Princesa! Princesa!

... ela nem estava ouvindo Tânia chamar.

*Arf * Suspirou.

"Será que ainda dá tempo de pedir livros de economia e política para a mamãe?", dissipando seus pensamentos, ela se voltou para o mundo real e enfim percebeu que estava sendo perturbada.

— Princesa! — a guarda-costas berrou em seus ouvidos.

— O que foi, Tânia?! — a pequena princesa resmungou, inflando suas bochechas levemente rosadas por causa do sol, tentando demonstrar sua irritação quanto aquela barulheira.

A jovem guarda-costas quase teve um ataque de fofura.

— A princesa é a melhor! — afirmou, emocionada com o rosto angelical daquela criança.

Diante da jovem mulher com bochechas ruborizadas, Develine revirou os olhos.

"Eu definitivamente não esperava que Tânia Gardnif, aquela Tânia Gardnif" se recordou da guerreira poderosa que a matou "fosse uma siscon¹..."

~Eu juro que vou te proteger como se fosse minha irmãzinha, senhorita.~ As palavras de Tânia ainda reverberam em sua mente, porém, nos últimos dias, elas tomaram um sentido diferente.

"Quem imaginaria?", Develine sorriu desconcertada, derrotada pela inesperada personalidade da sua querida defensora pessoal. "Apesar de ser bom em alguns aspectos", ficou feliz ao se lembrar da atenção e carinho que a moça lhe dava, algo que recebeu muito pouco.

Fazia pouco mais de uma semana que Tânia derrotou Eliseu, e assim como prometido, o homem se retirou. Apesar de bufando como um touro e afirmando trapaça, pedindo revanche, Curoni o ""convenceu educadamente"" a ir embora, e mesmo sem fazer parte da aposta, o cavaleiro careca partiu junto.

~Eu preciso repensar meus atos~ foi o que ele disse antes de sair.

Depois do incidente nenhuma outra pessoa ousou desafiar o status da poderosa guerreira de cabelos castanhos. Passando boa parte do tempo, juntas, gradualmente Tânia foi mostrando suas intenções.

— Seu nariz está sangrando? — Develine questionou boquiaberta.

Realmente era como se ela tivesse ganhado uma irmã mais velha, mas uma que estava em estado avançado de birutagem.

— Me desculpa, princesa! — Tânia se curvou, limpando o traço de sangue que já escorria através dos seus lábios. — É que a senhorita é tão fofa que é difícil resistir, mil perdões! — Se curvou profusamente.

"Eu espero muito que isso seja sorte!" Develine ficou com medo do futuro, e tentando espantar as ideias malucos que vieram com aquele pensamento, decidiu mudar de assunto. — Posso saber o motivo da gritaria em meu ouvido? — questionou Tânia, que desviou o olhar por um instante.

— Marlly tem cartas para a senhorita — respondeu apontando para a moça ao seu lado.

A babá estava ofegante. — M-me desculpe princesa. Quando fui pegar o caderninho que me pediu em seu quarto, encontrei o rapaz da correspondência — respondeu entre respiradas fugazes.

Develine franziu o cenho. "Na minha outra vida eu recebi cartas enquanto estava na casa da minha tia?" Ficou confusa com o evento inesperado. "Isso é novo!" Achou curioso. — E são de quem? — questionou a babá.

— Uma é do Eduard — Marlly irrompeu alegre, pegando o envelope azul selado e o entregando para a criança.

Develine mal pensou.

Ela pegou a carta e a rasgou em vários pedaços.

— Princesa! — Marlly disparou assustada, se jogando no chão para recolher os fragmentos. — Mas você gostava tanto do Eduard — disse, achando estranho e ficando chocada na mesma medida.

— Mudei de ideia — a pequena irrompeu.

— Talvez ele estivesse pedindo perdão, princesa — Marlly insistiu, se lembrando do quanto a pequena ficava alegre ao falar do noivo.

— Não me importo — ela disse com um olhar frio. "Eu não vou mais ser pano de chão pra esse imbecil", prometeu ao se lembrar das diversas traições que o garoto loiro de olhos verdes cometeu e ela perdoou devido ao acordo com o pai. "Eu nem amava de verdade esse idiota", bufou.

A relação de Develine com Eduard era puramente comercial. Ou melhor, para o pai de Develine e para o pai de Eduard, era, porém, ela confundiu as coisas.

Querendo se mostrar útil para Dalfoy, o seu pai biológico, ela trabalhou duro em gostar do seu prometido. Ela acreditava que se realizasse um bom trabalho, o seu pai finalmente lhe daria alguma atenção. Ledo engano. Com muito esforço empregado eventualmente ela conseguiu confundir seus sentimentos a tal ponto que o garoto passou de interesse amoroso para obsessão.

De uma forma distorcida, Eduard se tornou a razão do viver de Develine.

"Eu percebi isso tarde demais", pensou irritada, massageando sua glabela no intuito de acalmar seus ânimos.

— Era uma mensagem tão bonitinha — catando os pedaços de papel e juntando alguns, a babá conseguiu ler trechos esparsos.

— Marlly, está tudo bem. Eu realmente prefiro esquecer esse idiota — ela se abaixou e pegou as mãos carinhosas da moça, ajudando-a a se levantar. — Ele só quer me impedir de romper o noivado — disse. "Provavelmente é por isso que recebi uma carta dessa vez"

Ela entendeu rapidamente a questão. A partir do momento que Develine disse que não queria se casar com Eduard, Ashiria interveio.

"As cartas da mamãe provavelmente chegaram ao Duque e ao meu pai", Develine sorriu.

Mesmo existindo comunicação mágica, assuntos importantes eram tratados com comunicados oficiais elaborados em papel.

"Apesar de a mamãe provavelmente ter ligado para xingar o meu pai", riu ao imaginar a cena.

Ouvindo aquilo, Marlly encarou a garotinha com seus olhos arregalados, e percebendo o olhar resoluto da pequena, percebeu que foi sério.

— A senhorita pretende... — ficou chocada por alguns instantes.

— Mais do que pretendendo — ela sorriu. — Minha mãe já está cuidando disso — respondeu orgulhosa.

A babá abaixou a cabeça, voltando a catar os pedaços rasgados.

— Mas a senhorita gostava tanto dele — respondeu. — Talvez se perdoá-lo ele nunca mais faça isso — disse com seus olhinhos entristecidos.

Ela sabia que Marlly queria o seu bem, porém, ela conhecia o futuro. Sabendo que Develine estava obcecada, Eduard continuou a traí-la sem qualquer pudor.

— Essa carta é daquele cara que fez mal a senhorita? — Tânia questionou com um olhar sério.

— Sim! — Develine respondeu.

— Que maldito desgraçado! — Tânia irrompeu com raiva.

— Olha a boca perto da minha filha! — Ashiria, que fiscalizava a área onde seria construída a biblioteca pessoa de Develine junto ao mestre de obras, gritou de longe.

— M-me desculpe, Lady Ashiria! — Tânia rapidamente se curvou.

— Meu pai sempre dizia que os homens são assim mesmo, às vezes eles precisam se aliviar para o casamento ficar saudável — Marlly respondeu entre suspiros entristecidos.

Develine encarou a moça por alguns instantes, amargando diante da resposta. Ela conhecia muito bem a história da babá. Após ser largada no altar pelo noivo que fugiu com uma empregada, a mesma foi repreendida pela família e eventualmente se tornou empregada da casa imperial.

~Você deveria tê-lo deixado em paz, minha querida. Às vezes acontece. Agora nossa família está arruinada.~ Foi o que o pai dela ousou dizer como "consolo".

— O meu também dizia algo parecido — levando sua mão queixo, pensativa, Tânia entrou na conversa. — Às vezes um homem precisa de um espaço longe da família — enquanto falava, empostou a voz, imitando seu velho.

Develine acabou rindo, se recordando das imitações afetadas que ela fazia para debochar do seu próprio pai.

— É, eu aposto que ele diz. Mas e o que a sua mãe diz? — ela perguntou para Tânia.

— Segundo ela, são todos uns canalhas — a guarda-costas respondeu.

— Suponho que isso está mais perto da realidade — Develine concordou balançando sua cabeça com uma expressão de "É aceitável" em seu rosto.

— Então não podemos confiar em homem nenhum? — Tânia a questionou, curiosa quanto ao pensamento da criança diante dela.

— Poder você pode, não é como seu pudesse excluir todos os bons pais, irmãos, amigos e amantes — olhou com o canto de olho para Ashiria, lembrando das poucas vezes que viu o casalzão que ela o seu tio formava. A relação que eles tinham sempre foi uma inspiração para Develine, que junto a relação dos seus avós, era uma das poucas que a fazia acreditar no amor. — Mas tenha certeza de ser cuidadosa, pois também não podemos nos esquecer de todas as ações ruins — lembrou de Eduard, do seu próprio pai e do caso de Marlly. — Então tenha isso em mente, mantenha um pé atrás e julgue cada caso com um teor saudável de apreensão. Ninguém é confiável até que se prove o contrário — respondeu.

— Pri-princesa...!? — Marlly encarou a garotinha com seus olhos estatelados.

— O-o que foi? — ficou confusa até se dar conta do que fez e, forçando um sorriso, fingiu estar tudo normal. Faltou apenas assoviar. "Droga!" praguejou, lutando internamente para manter a compostura. "Até parece que uma garotinha de dez anos diz coisas como essas, sua idiota", se martirizou.

A babá e a empregada se entreolharam.

— A princesa é tão inteligente — Tânia disparou, pegando a garotinha no colo.

— Aquela queda mudou tanto a princesa, que as vezes acho que a senhorita viajou no tempo — Marlly emitiu um riso desconcertado.

Develine quase engasgou com a sua própria saliva. — Q-que nada, até parece Marlly, sou a mesma de sempre — sorriu enquanto um suor frio escorria pelas suas costas. "Que maldito palpite é esse?" Ficou assustada com o chute da babá.

Vasculhando algo para mudar de assunto, logo se atentou haver mais uma carta, de envelope verde, nas mãos da mulher conhecida por ter um carinhoso olhar sereno.

— Essa outra também é pra mim? — questionou curiosa, lutando para parecer natural.

— Ah, me desculpe princesa, já tinha até me esquecido. É sim! — Marlly respondeu ao se dar conta de que esqueceu da segunda carta.

— É de quem? — perguntou, pedindo para Tânia colocá-la no chão e logo pegando um copo de água que estava sobre uma mesa próxima.

Era um dia quente apesar de ser inverno. A sorte era que o trecho onde estava, as terras de Ashiria, tinham um clima bem mais ameno; algo próximo do tropical. Tanto que, mesmo no inverno o calor costumava ser acentuado... além de nunca nevar.

— Do príncipe Liam — ela respondeu, reconferindo o remetente.

— Quê? — o coração de Develine quase alcançou sua boca, fazendo-a largar o copo e cuspir a água que estava bebendo.

"Primeiro a Tânia, agora o Liam?", sua mente foi a mil.

A imagem de um garoto gordinho de sorriso largo, voz doce, cabelos negros encaracolados e olhar carinhoso, vieram a sua mente.

— A senhorita está doente? — Tânia ficou preocupada ao perceber que o rosto da pequenina ficou vermelho de repente.

Sem esperar um segundo sequer, Develine rapidamente pegou o envelope das mãos da sua cuidadora.

— É uma carta muito cheirosa — a babá sorriu.

— Eu sei que é, ele é todo cheiroso — ela disse sem pensar e, se entreolhando, um sorriso surgiu no rosto das suas duas acompanhantes e cuidadoras.

Percebendo o que disse em voz alta, Develine ficou ainda mais vermelha.

— Não me entendam errado! — disparou.

— Nós nunca faríamos isso, princesa — Tânia disse em um tom provocativo e Marlly a acompanhou com um sorriso dúbio.

"Droga, Liam! Não é possível que você ainda me cause tanto problema", esbravejou internamente, deixando memórias distantes fluírem novamente.

avataravatar
Next chapter