14 Capítulo 13 - Novos Horizontes

Descansando em um quarto luxuoso, com um livro cobrindo seu rosto, uma jovenzinha abriu seus olhos. Sentada ao lado da sua cama e com a cabeça recostada sobre o colchão, sinal de que havia esperado por muito tempo, havia uma jovem adormecida. Uma moça que naquele momento do passado ainda ocupava o cargo de empregada.

Desde o dia em que ela desmaiou, Tânia continuava a acompanhá-la onde quer que fosse. Sempre zelando pelo seu bem-estar.

~Princesa? Você acordou...~ Sorriu quando viu a garotinha despertada que a encarava com seus olhinhos brilhantes. ~Me desculpe, eu acabei cochilando, disse envergonhada~ esfregando seus olhos.

Develine adormeceu enquanto lia um livro que pegou na biblioteca pessoal da sua mãe. Ela poderia ter simplesmente saído, mas ela esperou ao seu lado. Após arrumar o quarto da pequenina e colocar tudo no lugar, acabou sentando ao lado da cama da mesma e adormecendo também. Tânia nunca foi uma empregada muito adequada, suas habilidades eram outras.

Após uma troca de sorrisos, aquelas duas conversaram... uma longa e prazerosa conversa que, eventualmente, culminou em...

~Qual é o seu sonho, Tânia?~ A garotinha perguntou curiosa.

A imagem de Tânia como uma guerreira sem igual era muito forte em seu imaginário; e querendo ela ao seu lado, fez aquela pergunta quando se sentiu confortável.

Conhecendo melhor a situação da sua ex-empregada, que foi impedida de se tornar uma Gardnif de pleno direito, um membro da sua própria família, ela queria saber como ajudá-la. Mesmo que fosse difícil, ela sentiu que "Seria legal ajudar uma amiga", ficou alegre diante da perspectiva de ter formado uma amizade.

Percebendo a confusão de Tânia, Develine continuou. ~Digo, se você obteve a sincronia, quer dizer que treinou mais que todos os outros, certo? Mais que seus irmãos. Mas o que você quer fazer com isso? O que espera obter?~ Ficou curiosa.

Tânia vacilou, piscando algumas vezes e esfregando novamente seus olhos. Ela estava surpresa. A garotinha havia prestado atenção em sua história, e mais, havia guardado ela em sua mente. Parecia bobo e pequeno, contudo, isso a fez feliz. Um gesto simples, porém, significativo.

Nos últimos dias Develine tinha descoberto que, às vezes, ou melhor, muitas vezes, as mudanças começam no âmbito do micro. Pequenas ações que desencadeiam uma série de mudanças.

~Na família Gardnif existe uma tradição. Quando alguém desperta a sincronia, ele recebe o tomo da Esgrima Gardnif, um livro que contém todas as técnicas criadas pelos meus ancestrais. Do primeiro Gardnif até o meu pai. As artes criadas por todos aqueles que obtiveram a sincronia estão descritas nele, incluindo as suas habilidades finais~ ela parou por um instante e olhando para Develine, sorriu confiante. ~Eu quero ser um deles! Eu quero criar a minha própria história, colocar meu nome no livro, incluir as minhas próprias anotações e criar a minha própria técnica final. Eu quero seguir o caminho dos meus ancestrais.~

~Mesmo sendo relegada por eles?~ Develine ficou curiosa.

~Eu não me importo com isso.~ Tânia continuou radiante. ~Sou eu quem decido o meu caminho. Eles podem me negar o quanto quiserem, eu vou realizar o meu sonho mesmo assim~ respondeu com firmeza.

A garotinha ficou estática por alguns segundos. ~Você é incrível~ concluiu. ~Tudo em que eu consigo pensar, é em fugir da dor~ murmurou.

~Como assim?! Tânia disparou~ genuinamente incrédula. ~A senhorita é incrível~ disse com seriedade. ~É inteligente, resoluta, carismática...~ abaixou sua cabeça, suspirando em seguida. ~Eu só sei lutar~ completou, parecendo um pouco desapontada consigo mesma.

Percebendo isso, Develine ficou chocada: ~Ei, não faça pouco caso de si. Eu queria pelo menos poder lutar~ disparou, se esforçando para parecer irritada, como se estivesse repreendendo a empegada, porém, falhou miseravelmente. Com suas bochechas infladas Develine ficou tão fofa quanto um hamster.

Tânia caiu na gargalhada. ~Me desculpe senhorita~ respondeu.

Develine bufou, Tânia a encarou, às duas se entreolharam em silêncio e sem conseguirem segurar, se perderam em calorosas gargalhadas.

As doces memórias recentes aqueceram o coração da pequenina. Diante do resultado inacreditável, quer dizer... inacreditável apenas para meia dúzia de cavaleiros boquiabertos; Develine sorriu.

— Me-me desculpe, senhorita — sem perder tempo, Curoni se desculpou e prontamente se ajoelhou diante de Develine. Com sua cabeça baixa. — A guarda imperial demonstrou extremo desrespeito diante da senhorita e da sua digníssima guarda-costas. Como representante dos mesmos, posso garantir que uma punição adequada será aplicada. — Curoni levantou sua cabeça com um olhar resoluto em sua face. — Incluindo em mim mesmo, que fui um dos mais desrespeitosos.

— Faça como quiser, senhor cavaleiro — ela suspirou. — Não é como se isso fosse mudar o que já passou, mas fico feliz que tenha a decência de tentar reparar seus erros. Contudo, como eu já disse antes, os abusos que sofri são de conhecimento do meu pai — completou.

Develine havia desistido do seu pai, de receber qualquer reconhecimento ou pedido de desculpas por parte do mesmo. Ela só queria viver em paz.

Curoni se encolheu, relembrando a história que ouviu a garotinha contar antes da batalha. — Com a abusos, vossa excelência quer dizer... — hesitou.

Develine demorou alguns instantes para entender o mal-entendido, e quando enfim entendeu, irrompeu: — Não, não, calma! Esse tipo de coisa nunca aconteceu comigo. Meu pai teria matado o Eliseu caso o filho dele tivesse feito algo assim. Como uma filha destinada a casar, eu tenho que me manter pura, assim como mandam os costumes do império — explicou, revirando os olhos na parte final. — Quando digo abusos, me refiro a agressões sem sentido — deixou mais claro. — Ele de fato me chutou, e disso, com certeza meu pai sabe. Desde que mantenham o meu rosto intacto e eu permaneça "apta" para me casar, ele não se importa com as ações dos meus irmãos — finalizou, ficando um pouco mais irritada a cada palavra.

Eram memórias dolorosas.

Diante do amargor de Develine, Curoni abaixou sua cabeça em sinal de respeito. — Me perdoe por relembra-la de momentos ruins, princesa — se desculpou novamente.

— Não se preocupe demais — foi tudo o que ela respondeu.

Era claro que a mesma estava desconfortável com aquele assunto. Com ciência disso, Curoni pigarreou *hum, hum*, tentando desviar. — Devo admitir que a informação sobre o peso daquela espada foi chocante — suspirou.

Develine encarou o cavaleiro e se voltando para Tânia, que avançava calmamente para verificar o estado de Eliseu, ela sorriu. A visão da espada desengonçada presa na cintura da moça era consideravelmente engraçada.

— Então eu devo admitir você está certo em um ponto — disse. — Com métodos comuns, é de fato impossível manusear uma arma como aquela — afirmou.

Curoni concordou tacitamente, ficando levemente feliz, mas sem se deixar levar por isso. Ele havia cometido erros demais até aquele ponto.

— No entanto, o que faz você e o seu grupo duvidar da Tânia são os seus pensamentos arcaicos. Vocês a ignoraram desde o começo, senhor cavaleiro — respondeu, se virando para o homem e encarando-o nos olhos, com seriedade. — Existe uma infinidade de magias e centenas de artes marciais misteriosas ao redor do mundo. As possibilidades são infinitas, mas, mesmo assim, vocês escolheram subestimá-la — apontou o fato.

O jovem cavaleiro careca levantou uma de suas sobrancelhas.

— Não me olhe assim, não posso lhe contar o segredo — respondeu com um clássico sorriso social. — Ou você sai por aí ensinando os segredos da esgrima da sua família para qualquer um? — o provocou.

— A senhorita está certa, este cavaleiro tem sido muito rude — respondeu com calma, abaixando novamente sua cabeça em sinal de respeito.

Develine achou engraçado. Curoni era um homem muito alto, com por volta de um e noventa de altura, e tê-lo se curvando toda hora diante de uma garotinha raquítica de dez anos era uma visão no mínimo curiosa.

— Como eu sou uma pessoa boa, vou te dar uma dica — ela levantou seu dedo indicar e piscou, brincando com o rapaz. — Vocês provavelmente nem pesquisaram sobre ela. — Apontou para Tânia —, vocês apenas vieram assim que eu escolhi uma "forasteira" para ser a minha guarda-costas. — Ela observou a feição do homenzarrão azedar, confirmando a veracidade da sua suposição. — Mas aquela jovem, senhor Curoni, é Tânia Gardnif — completou, encarando o cavaleiro a tempo de ver sua expressão mudar. — Penso que você reconhece esse sobrenome — concluiu.

Os olhos do rapaz careca e bigodudo se fixaram naquela jovem e memórias distantes vieram à tona. Memórias tão vividas que a poeira solta do campo de treinamento da academia para cavaleiros imperiais até incomodou novamente o seu nariz.

~Quem são eles?~ Um jovem cadete adolescente questionou enquanto olhava embasbacado para um homem de cabelos castanhos e presença avassaladora que liderava um grupo igualmente assustador.

~Você realmente quer ser um cavaleiro?!~ Um garoto ruivo, pelo menos dois anos mais novo que os demais, disparou, zombando do seu colega.

~Você realmente nunca ouviu falar deles, Curoni?~ Outro jovem, um loiro e alto, ficou embasbacado com seu companheiro. ~Aquela é a guarda pessoal do imperador e, aquele ali...~ o garoto efetuou um pequeno movimento com a cabeça no intuito de indicar o homem que liderava o grupo de armadura preta. ~É o cavaleiro mais forte do império, Austero Gardnif~ respondeu.

~Dizem que em questão de esgrima, os Gardnif são incomparáveis~ o garoto ruivo retomou a conversa. ~Meu pai disse que eles nasceram para lutar. É como se eles fossem forjados para isso.~ Sorriu empolgado.

~Que exagero, Math!~ O jovem loiro brincou, fazendo pouco-caso da empolgação do seu amigo.

~É sério! Meu pai disse que quando um Gardnif empunha uma espada, ele se torna um com a lâmina. É por isso que eles são assustadores. Meu velho disse que mesmo um galho fino é uma arma mortal nas mãos de um Gardnif~ o garotinho ruivo continuou sua rasgação de seda.

"Gardnif" Curoni encarou aquele homem com atenção. Seu olhar foi absorvido por aquela pessoa, como se ele fosse um buraco negro capaz de sugar toda a sua atenção e admiração.

Quando voltou a si, observando Tânia de longe e relembrava o passado, ele conseguiu perfeitamente sobrepor a figura daqueles dois. Por um mísero instante ele projetou aquele poderoso homem do passado sobre aquela jovem.

A mesma postura, o mesmo olhar, a mesma ferocidade. Curoni teve certeza de que estava vendo um Gardnif.

Percebendo o olhar confuso e ansioso que o cavaleiro fez de repente, Develine continuou:

— Além disso... — Olhou para Tânia por um instante —, se a pessoa empunhando tal arma e usando tal postura fosse o meu tio, o antigo príncipe destinado, Darizio. Você duvidaria dele da mesma forma que duvidou dela? — o questionou.

O grande cavaleiro de ombros largos voltou a si, espantando suas memórias, mas ficando em silêncio. Um silêncio que dizia tudo o que Develine precisava saber.

"Eu não ousaria" O pensamento que teve ficou claro em seu rosto.

Ouvir que uma jovem mulher desconhecida pegou o lugar que originalmente eles estavam disputando para ocupar, foi um baque inquestionável para aqueles orgulhosos cavaleiros.

Mesmo que uma batalha possuísse infinitas variáveis, infinitas possibilidades, eles ignoraram tudo em prol do próprio ego.

— O mundo é grande demais — Curoni suspirou desconcertado.

— Exato! E eu espero que essa seja uma lição valiosa para você — Develine o respondeu com um sorriso tranquilo, se assemelhando brevemente a uma irmã mais velha que zela pelo bem-estar dos mais novos.

Surpreendido. Diante daqueles olhos que pareciam conter mais sabedoria do que se espera de uma criança, Curoni se sentiu impelido a questionar: — Vossa alteza real, me perdoe a grosseria, mas a senhorita realmente tem apenas dez anos?

Develine se divertiu com o questionamento. Sentindo vontade de contar a verdade em tom brincadeira.

— Eu apenas amadureci muito rápido — o respondeu, preferindo evitar o peso da verdade e emitindo um sorriso inocente enquanto fingia ser uma criança pura.

Descobrindo a pouco a situação da princesa, dos abusos e maus-tratos, aquela frase teve um peso diferente para Curoni. Sendo ele uma pessoa que já transitou por zonas de guerra, o mesmo sabia muito bem que o olhar de uma criança nobre era completamente diferente do olhar de uma criança plebeia.

"Se possível, eu realmente gostaria de servi-la" Ele sorriu, guardando sua vontade genuína para si mesmo, pois sabia que, depois do que fez, não tinha mais esse direito.

Despido de toda sua arrogância, tudo o que lhe restou foi respeito e admiração pela jovem de cabelos brancos com pontas e raízes levemente arroxeadas, parada logo ao seu lado.

"A senhorita é incrível!" disse antes de voltar sua atenção para o campo de batalha, se focando em Tânia. "E aquela moça também é incrível" Observou a jovem espadachim dar tapinhas no rosto de Eliseu.

O cavaleiro de cabelos negros havia desmaiado.

Relembrando seus próprios pensamentos pré batalha, onde ainda acreditava na vitória do seu companheiro de casta, Curoni riu: "Com apenas três golpes" disse, sentindo a brisa suava da primavera e olhando para o céu.

Aquela batalha ampliou seus horizontes.

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