13 Capítulo 12 - Eclipse

Para aqueles que estavam esperando o final da luta para ler, o momento é agora. O aviso que dei no início do capítulo anterior vale aqui também. Como é uma sequência, usei o mesmo estilo e artifícios narrativos. Memórias conversas e afins. Realmente espero que gostem. Eu me diverti bastante escrevendo esse também! Apesar de gostar mais do anterior.

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~Sincronia~ foi a resposta que Tânia deu quando questionada sobre como era possível ela manusear aquela arma com tanta facilidade.

~É uma Técnica marcial? Uma magia?~ Develine ficou curiosa.

Tânia suspirou.

~Tá mais pra uma maldição.~ A guerreira ficou em silêncio, parecendo se recordar de memórias dolorosas.

Fora apenas alguns milésimos de segundo. Breves instantes que sua mente fez o favor de traduzir como uma eternidade. O golpe veio, sua espada falhou e a dor fustigante foi tudo que lhe restou.

Eliseu ainda estava atordoado com o acontecimento. Quando seus olhos enfim conseguiram compreender a realidade em que estava inserido, percebeu que fora lançado a dez metros de distância.

Aquele foi um golpe forte; anormalmente forte.

— Du-duzentos quilos?! — Curoni disparou e Develine sorriu, se divertindo com a face distorcida do cavaleiro que até então esteve subestimando sua guarda-costas.

Com dificuldades em acreditar na resposta que a jovem princesa lhe deu, o cavaleiro foi incapaz de esconder seu ceticismo. E percebendo a resistência que o homem tinha em aceitar suas palavras, Develine suspirou.

— Pra que tanta surpresa? — o provocou com um sorriso faceiro. — Se o que ouvi na casa de meu pai é verdade, então o capitão deve ser capaz de fazer um supino com o triplo desse peso — completou.

— Senhorita, existe uma grande diferença entre erguer duzentos quilos e manusear duzentos quilos — apontou o fato e encarou novamente a brava guerreira ainda em posso da enorme arma que usou. — Ainda mais uma espada — disse, analisando Tânia de cima a baixo e continuando firme em sua descrença.

— Sim, sim, eu sei... — suspirou diante da maneira com que o cavaleiro a tratou. — A força de alavanca, a mudança do centro de gravidade, enfim — Develine respondeu. — Tenho confiança de que sou minimamente instruída, senhor Curoni. O senhor é quem vêm duvidando das minhas capacidades — lançou um sorriso fino e um olhar afiado em direção ao homem poucos passos ao seu lado.

Develine sabia exatamente sobre o que o cavaleiro estava falando. Ao empunhar uma espada tão longa, devido à soma do centro de gravidade dos dois corpos, sendo Tânia uma mulher de peso normal, o centro de gravidade sempre ficaria na espada. Em uma situação normal, isso faria com que ela fosse catapultada para frente assim que desferisse um golpe, eliminando a possibilidade de manuseá-la com eficácia.

Era esse efeito que impossibilitava uma pessoa normal de empunhar uma espada como aquela, mesmo sendo muito forte, já que nesse caso a força aplicada pouco importava. Era uma questão de física.

Ao ouvir a princesa cuspir aqueles conceitos, Curoni engoliu em seco. — M-me perdoe, senhorita! — disse, percebendo sua grosseria e se curvando em sinal de respeito.

Mas, apesar da sua calma externa, a mente do cavaleiro ficou a mil.

"Como?", se questionou diante do inesperado. Estava descrente no que acabou de ouvir. "Será que o pai dela falou algo sobre isso?" Continuou buscando explicações para se sentir confortável, negando as capacidades da garotinha.

Diante do choque aparente do homem, Develine quase gargalhou. "Se eu não posso usar artes marciais ou magia, tudo que me resta é o meu conhecimento, bebê", debochou, se divertindo às custas do rapaz. "E não se sinta mal, eu também fiquei chocada quando Tânia me contou sobre peso da espada" Develine sorriu, se deliciando com a confusão do cavaleiro e guardando aquela informação para si mesma.

Enquanto Curoni ficava perdido e a garotinha se divertia com ele, uma voz irrompeu de repente.

— Técnica marcial?! — Eliseu disparou, ainda duvidando do que viu, ouviu e sentiu.

Ele ainda estava confuso com a situação; por vezes até questionando sua sanidade. Ele não conseguia acreditar que havia recebido um golpe direto, um que foi capaz de superar suas defesas e enviá-lo para longe.

— Talvez ele leve a sério agora — um cavaleiro qualquer disparou e os demais concordaram, iniciando um burburinho.

Mesmo Develine, crente em sua companheira, amargou um tiquinho. Ela sabia que estender aquela luta era uma péssima ideia. Independente do elemento surpresa, em termos de força bruta e energia marcial, Eliseu era superior a Tânia. Ou seja, ele ter forças para se levantar não era uma boa situação, porém, ela confiou no olhar de Tânia.

"Ela ainda nem mostrou tudo o que têm" encarou sua guarda-costas e sorriu.

~A Sincronia é uma habilidade que acompanha a minha família há anos. É o poder que fez a família Gardnif ser reconhecida~ a guerreira correspondeu o olhar questionador da garotinha.

~Ainda não sei como isso torna possível empunhar uma espada tão longa e pesada.~ Develine encarou a arma exagerada.

~Infelizmente eu sou incapaz de te explicar todos os detalhes, princesa. Mas de forma simples, e como o nome diz, essa habilidade me permite sincronizar com a minha arma.~ Tânia brandiu sua espada calmamente por alguns instantes, encarando sua lâmina. ~É difícil explicar, mas é como se nos tornássemos um.~

~Um?~ Develine disse, pensando sobre aquela frase. Levando sua mão até o queixo e se perdendo em pensamentos, se repetiu: ~Um...~

— Sua... — com raiva em seus olhos, Eliseu berrou, pronto para xingar, contudo, foi interrompido pelo olhar feroz que corria em sua direção.

A luta ainda estava em movimento e Tânia avançou assim quem constatou que o cavaleiro permaneceu consciente. Bem como a pequena Develine, ela também compreendia os perigos de estender aquela batalha.

Eliseu tinha muita experiência e o peso da espada que ela carregava deixou de ser um elemento surpresa assim que o atacou pela primeira vez. Então, tudo que lhe restou foi a sua esgrima, ou melhor...

"Eu queria ter acabado com você em um único golpe" Tânia suspirou, desanimada com o resultado. Entretanto, aceitou ser natural. "O nível de cultivo dele é maior que o meu. É difícil de superar essa diferença com tão pouco." Como guerreira, ela sabia disso, mas permaneceu inabalada. "Tudo que eu preciso fazer é colocar mais força nos próximos golpes", se muniu de um olhar perigoso.

Saltando no ar, a sombra de Tânia foi projetada sobre Eliseu. Como uma águia, ela tinha seus olhos focados em sua presa e, afiado suas garras, preparando sua espada, ela desceu.

Diante dos olhos ferozes da sua inimiga, Eliseu engoliu em seco. Um novo golpe estava vindo.

~Um...Um...Um...~ *Arf* Develine suspirou. ~Talvez eu entenda se você puder me ensinar~ disse, sem pensar muito e já desistindo de entender aquela estranha habilidade.

~Me desculpe, senhorita. Infelizmente eu não posso ensinar ela pra você~ Tânia prontamente respondeu, negando o pedido da pequenina.

Percebendo o que fez, Develine se prontificou: ~Me desculpe, eu não queria ser inconveniente~ se curvou levemente. "Caramba, Develine! O que deu em você? Você sabe que guerreiros guardam suas técnicas marciais com suas próprias vidas"

~Não precisa se curvar, senhorita.~ Tânia ficou em pânico. ~Se eu pudesse, até te ensinava, mas não é o caso. A questão é que a Sincronia não é uma técnica de luta ou algum tipo magia. É uma habilidade ligada à minha linhagem~ respondeu. E abaixando sua cabeça, desanimada, continuou: ~Tanto que a usamos para decidir quem será o próximo líder da família~ completou com um certo desgosto em seu tom.

~Espera!~ Develine percebeu rapidamente. ~Eu estou falando com a herdeira dos Gardnif?~ Ficou surpresa com a informação que desconhecia.

Apesar de saber muito sobre aquela mulher, principalmente as informações recolhidas pela legião, aquela moça sempre foi um dos membros mais misteriosos do partido do herói. As informações sobre ela eram estranhamente restritas. Develine só descobriu que ela era uma Gardnif em meio a fatídica luta contra a heroína.

Ao ouvir aquela pergunta, Tânia ficou inquieta, um tanto quanto pesarosa. ~Só os homens podem se tornar herdeiros na minha família~ ela respondeu.

Develine ficou em silêncio, entendendo o que a moça queria dizer e emitindo um sorriso amargo. Ela conhecia melhor do que ninguém as leis do império. Ou melhor, as tradições do império. Dalfoy também nunca a considerou para nada além de um casamento arranjado.

~Como fui proibida de assumir a posição e me recusei a abandonar a espada para me casar, fui destituída dos meus direitos como Gardnif e virei uma andarilha sem rumo... afastada da família.~ Tânia suspirou. ~Mas estou feliz por encontrar a bondade da senhorita Develine~ ela sorriu, recuperando um pouco do seu bom humor.

Se lembrando do momento que tiveram juntas, Develine sorriu.

~Eu juro que vou protegê-la como se a fosse a minha irmãzinha~ As palavras de jovem guarda-costas ainda ecoavam em sua mente, pois era exatamente o que a moça estava fazendo.

Bem diante dela, Tânia pediu um duelo em prol de vingá-la. Develine estava grata. "Eu nem sei como devo começar a lhe pagar", suspirou, sentindo a felicidade em seu peito marejar os seus olhos.

~Eu posso não ser extremamente qualificada, mas sou o suficiente para ensinar uma lição a um bando de lixos como vocês~ as falas recentes ainda aqueciam seu coraçãozinho.

"Obrigada" diante das fortes memórias e dos acontecimentos recentes, foi tudo o que a garotinha conseguiu dizer. "Eu não merecia", abaixou sua cabeça com um sorriso bobo tomando conta do seu rosto.

O olhar de Tânia era feroz. Como uma leoa protegendo seu filhote, ela atacou. Saltando no ar ela preparou sua arma e desceu como um cometa.

"Esgrima Gardnif, capítulo 1, versículo 2, Queda" Ela girou verticalmente no ar, ganhando impulso e golpeando com o máximo de força que podia.

Eliseu mal teve tempo de se defender apropriadamente. Se aproveitando que era um golpe vertical reto, ele reuniu sua energia marcial, levantou sua espada e apoiando-a em suas mãos, bloqueou.

O impacto foi tremendo. Poeira levantou, terra voou e os braços de Eliseu vibraram. O som do metal se chocando contra metal percorreu centenas de metros, mas desta vez, o cavaleiro de cabelos negros resistiu e imediatamente um sorriso surgiu em seu rosto.

Como um profissional ele rapidamente criou um ângulo e a lâmina de Tânia resvalou sobre a dele, desviando-a para o chão. Afirmando o aperto no cabo da sua arma, uma espada media bem adornada, Eliseu contra atacou.

Tânia só teve tempo de levantar o seu braço direito, seu braço dominante.

O sorriso na face de Eliseu era torto. Curoni gelou e os demais cavaleiros arrepiaram. Parecia certo, Tânia perderia um braço e, considerando a maneira que ela luta, também perderia sua capacidade de usar uma espada. Mesmo que ficasse viva, era uma derrota significativa.

— Talvez isso te ensine uma lição, pirralha! — Eliseu quase gargalhou, mas sua raiva, a que brotou em seu âmago devido a ter levado o golpe anterior, falou mais alto.

~Bem, já que você não pode me ensinar isso, ao menos poderia me contar mais sobre a habilidade. Por exemplo, o que você sente quando a usa?~ Develine questionou, curiosa com o funcionamento daquilo.

Tânia pensou por alguns instantes. ~É-é como se eu sentisse a arma.~ Tânia hesitou, escolhendo suas próximas linhas com cuidado. ~É difícil expressar em palavras, mas como já disse, eu me torno uma com ela.~ Empunhou sua espada novamente. ~Não é como se ela virasse uma simples extensão do meu corpo, assim como alguns guerreiros volta e meia dizem. É bem mais profundo que isso. Parece estranho, mas eu passo a entendê-la.~ Acariciou sua lâmina prateada. ~A arma vira parte de mim.~ Desferiu um golpe no ar.

O som característico de metal se chocando contra metal veio e o sorriso de Eliseu desapareceu. Diante dele, sua lâmina imbuída com energia marcial estava resvalando sobre o braço daquela garota, e o pior, sem qualquer sinal de que cortaria sua pele.

O sorriso de Tânia alargou. Além da sua esgrima, a única coisa que ela tinha era a sua habilidade natural. Ou melhor, a habilidade que trabalhou mais que todos os outros para obter. Uma que desde tempos imemoráveis, com seus primeiros registros datando da fundação do império, só se manifestava nos guerreiros mais diligentes e merecedores.

~Os Gardnifs escolhidos são submetidos a um intenso treinamento, e aquele que a despertar, herda a posição de governante da família~ Tânia explicou.

~Treinamento?~ Develine perguntou por espasmo. Considerando que aquela era uma habilidade tão importante, e que não podia ser ensinada, ficou surpresa com a escolha de palavras.

~Sim! Segundo o meu pai, a Sincronia é uma habilidade que representa a vontade de ferro dos Gardnifs. É por isso ela só pode ser obtida com esforço.~ Tânia fez uma pausa breve e encarou os calos em sua mão esquerda. ~Muito esforço~ sorriu.

Enquanto seus irmãos treinavam apenas pela manhã, ela treinou todas as horas possíveis e com apenas um foco em sua mente. Ela queria ser a melhor. Ela queria aquele poder. Ela queria ser digna, se provar digna.

~Pai, eu posso ser grande como os nossos antepassados?~ Uma garotinha de cabelos castanhos perguntou enquanto encarava as pinturas que retratavam a face austera dos seus poderosos antepassados.

Com uma feição levemente amarga, sabendo o destino daquela criança, o homem sorriu: ~Se você treinar o suficiente, então é possível~ ele disse, respondendo sem muita vontade.

Apesar de as mulheres da família Gardnif poderem praticar esgrima, as mesmas só recebiam um treinamento básico. Ao longo dos anos apenas os primogênitos do sexo masculino desenvolveram a misteriosa habilidade que colocou a família Gardnif na posição de líderes dos cavaleiros do imperador. Sem muito incentivo para treinar as garotas além de ter um corpo saudável, eventualmente se tornou uma tradição que apenas os homens herdassem a posição de líder.

Porém, Tânia foi uma exceção. Com a ajuda do seu irmão do meio, que logo percebeu o seu talento, ela recebeu um treinamento apropriado. E se esforçando mais do que qualquer um, ela superou seus limites.

Aproveitando a abertura de Eliseu, Tânia largou sua espada. O espaço era curto demais para poder brandir aquela lâmina exagerada com a eficiência necessária. Logo, só lhe restou um único aparato, seus próprios punhos. Com as feições do cavaleiro ainda em choque, ela firmou sua perna esquerda e socou com tudo que tinha.

~Ah!~ Develine sentiu sua mente mente bem oxigenada expandir, ela estava tendo uma epifania. Depois da explicação apaixonada da mulher, ela começou a ter uma ideia aproximada. ~Eu acredito que entendi, é parecido com uma fusão, certo? Você vira a espada. Ou melhor, ela é considerada parte do seu corpo~ disparou animada. ~É claro! Por isso o centro de gravidade não te afeta. Você...~ ela se volta para Tânia, com seus olhinhos brilhando de empolgação. ~Você ganha as características da arma, estou certa? É isso que "se tornar um" quer dizer.~

A jovem guarda-costas, ainda um pouco assustada com a felicidade pulsante da pequenina, aceitou as palavras, e sorrindo, balançou sua cabeça positivamente.

~Então, isso quer dizer que...~ obtendo sua resposta, a mente de Develine começa a trabalhar ainda mais intensamente, se perdendo nas possibilidades.

~Sim!~ Tânia entendeu onde a garotinha queria chegar e deixando sua espada de lado, se aproximou da árvore onde estavam treinando. ~A senhorita está certa~ desferiu um chute vertical em um galho mais baixo. ~O meu corpo se torna a própria arma~ a galha caiu no chão, trespassada em um talho único, um corte perfeito. Foi como se aquele ataque tivesse sido realizado com uma lâmina extremamente afiada.

"Esgrima Gardnif, capítulo 1, versículo 4, Eclipse" o braço de Tânia se moveu, performando um soco com as suas mãos nuas, um que transcendia as capacidades de um braço comum.

Recuando distância o suficiente para golpear, as palavras do seu irmão do meio automaticamente vieram a mente da bem trajada guarda-costas.

~Se Horizonte consiste em realizar um ataque vasto.~ O adolescente de cabelos castanhos e olhar carinhoso se colocou em posição de desferir um golpe. ~Eclipse é concentrar tudo em um único ponto, é como perfurar o próprio céu.~ Ele executou um poderoso golpe de estocada com a sua arma. ~É o poder de atravessar qualquer barreira~ ele sorriu para a sua irmãzinha.

Carne, sangue, ossos e os demais compostos de um corpo, não eram mais limites dignos para as proficiências de Tânia. Sem nenhum grilhão a prendendo, ela estava livre. Naquele instante ela era a sua própria arma. A melhor arma possível e, com um golpe preciso e sem igual, ela atingiu o peito de Eliseu.

Foi como ser atingido por um tiro de um pequeno canhão. A energia marcial do guerreiro vacilou, sua pele chacoalhou com o impacto e seus ossos ameaçaram ceder. Por um instante, pelo pouco tempo que sua mente teve alguma organização, o cavaleiro sentiu que realmente deveria ter vestido seu peitoral de metal. Mesmo isso ele julgou desnecessário de usar. Ele a subestimou demais, e só agora, enquanto sua consciência esvaia, foi que ele compreendeu esse fato.

Seu corpo voou, o impacto tremendo atingiu o chão e mesmo Tânia foi lançada para trás devido ao recuo gerado pelo conflito de energias. Em linha reta, aparando a grama alta e perfurando alguns arbustos no meio do caminho, o corpo de Eliseu se chocou contra uma árvore imponente.

Era a árvore da qual Develine caiu.

Vendo isso, a garotinha de cabelos brancos sorriu enquanto o cavaleiro desvanecia. Após se chocar com tudo contra o tronco firme daquela estranha árvore monumental que ornava o jardim da sua mãe, Eliseu tombou desmaiado.

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