webnovel

As Duas e o Sujeito Fantasioso III

Na manhã seguinte, enquanto o sol nascia e o mar recuava, Sunless e Nephis foram os primeiros a acordar.

O silêncio reinava, quebrado apenas pelo som distante da água desaparecendo no horizonte.

Após acenderem uma fogueira, começaram a preparar um café da manhã simples, mais por necessidade do que por uma intenção social.

Cássia ainda dormia.

Ariandel estava reclinado a uma curta distância, com os olhos fechados. Ele parecia em paz, como se estivesse em um estado de meditação.

Nephis o observava de relance, mas não demonstrava curiosidade. Para ela, Ariandel era apenas mais um enigma a ser mantido sob vigilância discreta.

Sunless, ao contrário, preferia se concentrar na conversa. Ele olhou para Nephis enquanto ela sugeria:

"A melhor opção seria nos movermos para o leste, longe da concentração de carcaceiros a oeste. Norte e sul são possibilidades, mas não oferecem vantagens claras."

"Faz sentido", concordou Sunless, cruzando os braços.

"Nós exploramos um pouco para o leste ontem, mas não o suficiente para garantir que alcançaríamos um ponto seguro antes do pôr do sol. Precisamos mapear o caminho antes de nos comprometermos."

Ele suspirou. E perguntou, quase retoricamente:

"Alguma ideia de onde estamos?"

Nephis balançou a cabeça.

"Não. Esse lugar não corresponde a nenhuma descrição que eu conheça. Mas, seja onde for, o que importa é que continuemos nos movendo. Encontraremos uma Cidadela e conquistaremos seu Portal, ou morreremos tentando."

Sunless sorriu amargamente. A conversa era direta, mas longe de ser reconfortante.

Nesse momento, o som repentino de uma respiração ofegante chamou a atenção deles. Cássia sentou-se bruscamente, o rosto pálido, exibindo uma mistura de nervosismo e excitação.

Ariandel abriu os olhos. Sua expressão manteve a habitual tranquilidade, mas o olhar ainda emitia sua atenção aguçada enquanto se levantava.

Ele se aproximou com passos silenciosos e, quando falou, seu tom era firme, mas ainda agradável:

"Você está bem, Cássia? O que houve?"

A garota cega virou o rosto na direção da voz. Suas mãos tremiam levemente, mas sua resposta veio carregada de animação:

"Uma visão! Eu tive uma visão!" exclamou, quase rindo.

Ariandel se ajoelhou próximo a ela.

"Visão..."

Ele sorriu ligeiramente.

"Pode nos contar o que viu?"

Ela respirou fundo antes de começar:

"Eu vi uma cidade em ruínas, feita de pedras gastas pelo tempo. Parecia desolada, com vários monstros vagando por suas ruas estreitas, mas no centro havia um castelo... cheio de pessoas! Havia Despertos lá, vivendo em segurança, com comida e proteção. E... eu estava sendo guiada."

Sua voz se suavizou ao falar e ao apontar para o oeste:

"Mas não tenho certeza de como chegar até lá." 

Ela ponderou, então se lembrou de algo a mais:

"Tinha uma névoa ao meu redor. Estava em constante movimento... parecia seguir meus passos. Era quase como se fosse... parte de mim."

Ariandel franziu o cenho levemente, mas manteve o tom comedido.

"Essa névoa parecia ameaçadora?"

Cássia piscou.

"Não. Era reconfortante, na verdade... como se me protegesse."

Ela hesitou antes de continuar:

"Também vi Sunny comigo... Era ele quem estava me guiando."

Sunless arqueou uma sobrancelha, surpreso por ser mencionado. Ele se virou para Nephis, que permanecia em silêncio, ponderando sobre a revelação.

Ariandel sorriu.

"Obrigado por compartilhar, Cássia."

Ele se levantou.

"Pode ser importante. Vamos discutir isso juntos."

O olhar de Cássia seguiu vagamente a direção de sua voz. Ela relaxou um pouco, reconfortada pela tranquilidade dele. Ariandel voltou-se para onde Nephis e Sunless estavam.

"O que acham?" perguntou ele, cruzando os braços. "Considerando a visão dela, deveríamos priorizar explorar essa direção?"

Sunless soltou uma risada curta, sem humor.

"Ela apontou para o oeste. Sabe o que isso significa? Um mar de carcaceiros."

"Naturalmente", justificou Ariandel, comedido, "mas ter uma direção para seguir, por mais perigosa que seja, é mais seguro do que andar incerto por essa zona desconhecida. Se essa direção leva a alguma estrutura que pode conduzir a um Portal, precisamos considerar essa possibilidade."

Nephis, que ficara em silêncio, acenou.

"Vamos."

"Iremos para o oeste", afirmou assim, sem hesitar.

***

O mar ainda não se retirara totalmente, mas o grupo já se reunira para o café da manhã e para organizar os planos da jornada.

O cenário ao redor, com suas imponentes ilhas de corais, era silencioso, mas tenso, como se o próprio lugar aguardasse o que viria a seguir.

Sunless aproveitou o momento para tentar entender melhor as pessoas ao seu redor.

Foi então que ele fez uma descoberta que o deixou perplexo. Algo que, em sua mente, não se encaixava com as primeiras impressões que tivera:

Nephis sempre parecera uma figura intocável. Serena e confiante em sua postura, sua presença silenciosa fazia as pessoas ao seu redor sentirem uma estranha pressão.

Sunless tinha a sensação de que ela sabia mais do que falava, que suas palavras eram sempre armadilhas de intencionalidade enigmática.

Mas suas interações… essas nunca faziam sentido.

Nephis não era a pessoa calculista e distante que ele pensava. Ao contrário, ela era… desconcertantemente desajeitada.

Sempre tropeçando nas palavras, falhando em expressar seus pensamentos, e, quando o fazia, a forma como seu tom soava era completamente fora de sintonia com a intenção por trás.

Seu rosto, habitualmente impassível, escondia uma confusão evidente sobre como se comportar com os outros.

Era como se, embora tivesse o coração firme, a arte da comunicação fosse um território desconhecido para ela.

Tudo isso fez Sunless repensar sua visão sobre a garota.

A "princesa de gelo" que ele imaginava agora parecia ser apenas uma introvertida com dificuldades para se conectar, mas ainda assim capaz de tudo o que já havia alcançado. Ainda tão mortal quanto parecia.

Enquanto refletia, Nephis o olhou com seus olhos gélidos. Depois de uma longa pausa, ela simplesmente perguntou:

"… O que?"

Ele piscou, forçando seus pensamentos de volta à realidade.

"Nada. Só queria saber quando vamos partir."

Ela o observou por um momento, como se ponderasse suas palavras.

Finalmente, respondeu com sua voz baixa e direta:

"Em breve."

Sunless tentou se recompor, disfarçando sua surpresa com um sorriso.

"Ah, tudo bem, então."

***

Logo, os Dorminhocos do grupo de desajustados estavam prontos.

O campo de visão se expandia para o oeste, onde uma jornada perigosa os aguardava.

Nephis caminhava à frente, seu braço com a espada pronto para atacar a qualquer momento. Seus impressionantes olhos cinzentos refletiam a luz pálida da manhã.

Ariandel seguia um pouco mais atrás, observando a dinâmica do grupo com uma atenção curiosa. Seu foco estava principalmente em Cássia, a quem guiava pela mão com uma eficiência quase inexplicável.

Cássia, por sua vez, mantinha uma postura corajosa, mas uma ansiedade sutil se escondia por trás de seu sorriso. Ela confiava mais em Ariandel do que nos outros, e isso era evidente.

À medida que o caminho se desenrolava diante deles, Sunless começava a perceber que suas próprias impressões sobre Ariandel estavam se moldando.

Ele se mostrava uma presença carismática no grupo, mas sua "perfeição" não parecia tão insidiosa quanto a do Velho ou a de Caster. A sensação de que Ariandel sabia mais do que os outros, mas sem arrogância, fazia Sunless sentir uma confiança crescente nas decisões que ele tomava.

Com o grupo avançando para o oeste, o labirinto de corais se estendia à frente, com alguns corais projetando-se da lama negra como facas afiadas de lâminas vermelhas.

A tensão no ar era palpável; algo estava diferente ali hoje.

A sombra de Sunless avançava à frente, explorando os perigos do caminho. Logo, ao virarem uma esquina do labirinto, o som do movimento de monstros imponentes ecoou para ela. carcaceiros estavam próximos.