1 Infância

Quando menino, passei a maior parte de minha infância no sítio de vovó. Todo fim de ano saíamos de Feira para vê-la no interior do estado. Morava nos arredores de Bonfim, no topo duma colina. Lembro de meu avô tentando me ensinar a atirar. Não tem jeito pra coisa, melhor deixar com os estudos. Adorava ir à feira, me encher com acarajé e suco de acerola. Aninha ia com vovó comprar as verduras; Seu Horácio comprava fumo ou qualquer coisa que vinha em mente. Já eu ia direto nas barracas de brinquedos. Meus favoritos eram os soldadinhos. Precisava de um general novo para meu mini exército (o último foi roído pelo meu cachorro). Quando encontrei, vovô estava com um galo debaixo do braço, tinha um pano amarrado na crista. Imaginei que seria a janta. Disse que não. Este aqui não vai pra panela. Voltamos para casa. O bicho era bravo. Dava carreira em qualquer um que encostasse no poleiro (nunca correra atrás de minha irmã, mas também, ela sempre dava casca de melancia pra ele). Olhe que safado, com mulher não briga, já comigo desce a bicada.

Dona Helena queria colocar um nome nele, algo bem bonito. Sugeriram Romeu e assim ficou. Logo a ave virou o xodó. Certa vez, ele quase matou o gato da vizinha, botou o bichano pra correr. Apenas Dona Helena triscava no poleiro; Seu Horácio tentou, Romeu voou na cabeça, quase ranca um taco da orelha. Pensou em mata-lo, assá-lo no fogão. Ficou com dó. Um dia, minha vó começou reclamar, disse que alguém tem de consertar a cerca. Tá aparecendo muito teiú. A resposta é a mesma: Romeu mata. E onça? Que onça? Nem tem. Dias depois, ouviram-se gritos de Aninha. Estava no quintal. Corremos para ajudar; Seu Horácio com a espingarda, vó com o facão. Os berros continuavam. Aninha estava com o vestido sujo de terra, chorava. Meu avô mirou a espingarda e atirou. Acertou bem na cabeça. Misericórdia, o cachorro morrera com Romeu estraçalhado na boca.

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