2 Morte (Parte 2)

— Então... — Ele lia mais um pouco. — Basicamente aquela "teoria" que existe na sua realidade, vocês chamam de "realidades paralelas", ela não é só uma teoria, existe de verdade, é um pouco diferente, mas é mais fácil de explicar assim, cada uma dessas realidade é gerenciada por um deus pequeno e vários deus ajudantes.

— Um deus pequeno? — Isso me chamou bastante atenção, pelo que entendi um deus "pequeno" tem o poder de gerenciar todo um universo.

— Sim, o que esperava? Que um deus todo poderoso, daquele que podem fazer simplesmente tudo que quiserem iriam querer ficar cuidando de alguns pequenos planetas sem graça? Eles têm problemas muito maiores para lidarem. — Ele respondia colocando o celular na mesa.

Querendo ou não todas essas informações que estou recebendo foram um grande choque para mim, a possibilidade de que exista algo como "Deus" havia sido abandonada por mim a muito tempo graças as todas as coisas que presenciei e vivi.

— E os deuses, eles... tipo... ajudam as pessoas ou coisa parecida? Algo como as religiões falam? — Pergunto.

Não é como se eu tivesse querendo me fazer de vítima ou coisa parecida, talvez eu não tenha a oportunidade de saber sobre essas coisas nunca mais.

— Eu sei exatamente o que você está pensando, provavelmente algo do tipo "porque não ajudamos pessoas que claramente não mereciam os problemas que elas têm", isso na verdade é uma resposta simples que você já deve até mesmo saber, levando em conta tudo aquilo que já viveu. — Ele fala com um pequeno sorriso sem graça no rosto. — Vocês humanos têm o poder de fazer tudo aquilo que desejarem, vocês que criaram suas próprias sociedades sem a interferência de ninguém, infelizmente elas são corruptas e tendem a beneficiar poucos, mas isso não é culpa de vocês mesmos?

Assim como ele havia falado eu já sabia muito bem a resposta, talvez nós humanos apenas criamos ideias de que um Deus preparou um plano para a vida de cada um apenas para ter alguém em quem jogar a culpa, mas na verdade no fim a culpa é apenas nossa.

Mesmo dizendo que não estava me fazendo de vítima sei que no fundo estava perguntando sobre mim mesmo, ao pensar nisso acabo soltando um suspiro.

Não posso me abater por algo como isso, assim como antes não irei dizer coisas que façam as pessoas sentirem pena de mim, isso já foi decidido a muito tempo.

— Eu entendi tudo claramente, obrigado pela explicação e desculpa por ser inconveniente. — Falo fazendo uma pequena reverência.

— Tudo bem, na verdade não pude deixar de notar que você está mais calmo do que deveria, claro que você chorou no começo e tudo mais, mas se recuperou bem rápido — ele diz com uma cara de estranheza.

Na verdade, nem eu sei explicar o que é isso, pensei que ele estava causando esse sentimento em mim, no entanto parece não ser o caso já que ele está falando isso...

— Não sei bem explicar o porquê, talvez eu apenas não sinta que isso é real ainda? As coisas estão bem estranhas. — Tento dar uma explicação lógica.

Essa sensação que senti antes, me pergunto o que pode ser...

— Sem problemas, sem problemas. — Ele solta uma risada enquanto fala.

Agora voltando ao assunto principal.

— Eu tenho mais algumas perguntas, se importa? — Peço sua permissão antes de tudo.

— Prossiga, sou todo ouvidos — ele responde se encostando na cadeira.

Pelo jeito ele sentiu que a conversa seria um pouco longa, peço perdão por isso.

— Eu gostaria de saber o porquê de eu estar aqui, todas as pessoas que morrem vêm parar nesse lugar? Aqui seria a passagem para a pós vida? — Essa era a primeira pergunta que eu deveria ter feito.

— Ah, é verdade! Eu estava quase me esquecendo da coisa mais importante. A resposta para sua pergunta é não! São apenas alguns poucos escolhido que vêm parar aqui. — Ele se inclina na cadeira ficando com metade do seu corpo em cima da mesa, dessa forma ele fica mais perto de mim. — Eu tenho uma proposta para você!

Uma proposta?

— O que seria essa proposta? — Me pergunto o que ele iria desejar de um morto como eu, mas não custa nada pelo menos ouvir o que ele tem a dizer, já que ele não disse algo como "eu tenho uma missão para você" acho que provavelmente poderei recusar.

— Fufufu, é algo bem simples, eu quero que você se torne um reencarnado em outro mundo. — Ao falar isso ele começa a aplaudir, dá alguns pulos e grita "Viva, viva!".

— Hã? — Como acabei me surpreendendo respondi igual a um idiota.

O |deus estagiário| se senta em sua cadeira novamente e fica com o nariz empinado enquanto dava um giro com a cadeira, ele é uma pessoa um tanto quanto estranha... na verdade um deus. Me pergunto se os outros também são assim.

— Você me ouviu muito bem, quero que reencarne em um mundo diferente do seu, esse é um mundo que está à beira de um colapso, então estamos precisando de algo como heróis por lá, dá uma olhada. — Ele aponta para tv quando termina de falar.

Consigo ver monstros e pessoas usando magia para batalhar contra eles, a imagem troca e um homem está tentando fugir de um grupo de orcs, mas acaba sendo pego e espancado até a morte, agora um bando do que pareciam ser ghouls estavam devorando duas garotas que a segundos atrás tentaram lutar desesperadamente por sua sobrevivência.

Aquele deus fica olhando para mim com uma cara de entusiasmo enquanto tudo isso passa na tv, porém não consigo sentir a mesma coisa que ele, esse mundo é extremamente perigoso! Como eu vou ficar feliz com algo assim?

Realmente espero que os outros deuses não sejam iguais a ele, caso contrário estaremos todos perdidos.

— Antes de decidir, me lembro muito bem de você me dizer que os deuses não interferem na sociedade, isso não é um tipo de interferência? — Falo olhando-o nos olhos, não sei se está funcionando muito bem, mas minha intenção era mostrar minha insatisfação.

— Nós não interferimos diretamente, existem mundos que iriam ser completamente destruídos se não déssemos um empurrãozinho, então mandamos algo como "presentes" para esses mundos e vários outros também, sempre algo que tente evoluir aquele mundo, pessoas que contribuem com avanço tecnológico por exemplo, seu mundo original já teve vários desses, alguns que deram certo e outros nem tanto... — Assim que ele termina de falar essa última parte ele coloca imediatamente a mão na boca tampando-a, provavelmente percebeu a merda que tinha falado.

— Como assim "alguns não deram certo"? O que você quer dizer com isso? Vilões? Vocês mandam vilões para outros mundos? — Acabo ficando um pouco irritado e levanto um pouco o tom da minha voz, nem ao menos pensei que estou gritando com um deus.

Ao invés dele se sentir irritado por um humano estar falando dessa forma com ele o deus apenas se encolhe na cadeira.

— Nós?! — Ele tenta parecer ofendido, mas não estava funcionando de forma alguma, um péssimo guardador de segredos e um péssimo ator. — No-nós nunca mandaríamos algo como terroristas ou ditadores para o seu mundo. — Depois de falar ele tenta dar uma risada forçada.

Ele soava bastante enquanto tentava disfarçar de alguma forma, realmente alguém que não consegue mentir, o que ele falou agora é ainda pior do que tinha falado antes, eles literalmente mandaram terroristas e ditadores para o nosso mundo! Cadê aquela conversa sobre a nossa sociedade ser ruim por nossa causa?

— Bom... Deixando essas coisas irrelevantes para lá — ele diz dando um fraco assobio.

Ele simplesmente mudou de assunto! Ah... Quer saber? Eu simplesmente desisto, esse homem é um completo idiota, devolva minha primeira impressão sobre você!

— Você irá aceitar ou não a minha proposta? — Seu rosto fica um pouco mais sério ao falar, antes ele estava passando um ar de ser despreocupado, mas agora era totalmente diferente.

— Eu... bem... — Não sei bem como responder, eu que já passei por inúmeras coisas ruins durante toda minha vida, além disso pelo que me foi falado vou acabar indo para um local perigoso, assim como antes..., Mas...

Fecho meus olhos, em minha mente vem a voz de uma pessoa que falou comigo a muito tempo — Não importa por qual dificuldade esteja passando, lembre-se que viver ainda é a melhor opção! Aceitar a morte é simplesmente desistir das possibilidades que o futuro pode vir a trazer.

Fecho os olhos por um momento, era como se eu conseguisse escutar a voz da pessoa em minha mente, uma mulher, sua voz me causava uma sensação de tristeza e felicidade ao mesmo tempo, o rosto dela surge por um pequeno instante em minha mente, mas logo em seguida desaparece.

Ao lembrar disso abro um sorriso inconscientemente, minha mente embaralha bastante as coisas e já não consigo lembrar seu rosto, mas assim como essa pessoa me disse, não posso desistir da vida, embora eu já esteja morto.

Solto uma pequena risada e o deus me olha com um olhar de curiosidade.

Essa é minha segunda chance, poderei fazer as coisas certas, minha chance de um recomeço.

— Eu aceito — respondo abrindo os olhos.

Ele me olha e abre um grande sorriso.

— Entendo. — Ele se levanta. — Então vamos criar seu personagem!

— Que?

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