2 CAPÍTULO UM

Meus olhos perdiam-se no vazio. Afinal era a palavra que restava para descrever a minha vida...

O vazio das horas que se iam, sem nexo, cada segundo de contagem regressiva para a morte.

Depois de uma ultrassonografia um médico me informara que provavelmente eu estaria com câncer de mama.

Em 2016 eu queria o alívio das dores que percorriam minha cabeça, o peso do fracasso nos ombros tinha que passar.

Queria morrer. Por muitas vezes havia tentado isso, aos olhos do mundo. Mas não, apenas eu queria chamar a atenção. Durante toda uma vida, o uso de psicotrópicos e antidepressivos aliviara o peso dos traumas, das dores, da mentira, da irresponsabilidade.

Mas ali eu sabia onde estava o que iria me levar para o outro lado. Uma corda sintética e um local marcado na minha velha área de serviço. Um salto, o pescoço que se partiria.

E as dores passariam. Já frequentei todas as religiões, seitas e doutrinas. Eu não deveria cometer o suicídio.

Diziam que eu levaria o sofrimento para o outro lado e repetiria o momento final por toda a eternidade.

E o que me importava a eternidade? Eu já sentira a presença da morte por muitas vezes. E senti paz.

Era essa paz que eu queria e quando eu tivesse a certeza que ninguém veria, eu , paciente histriônico, buscando atenção, iria para o último ato da tragédia.

Mas antes, queria relembrar o que vivi. Talvez eu procurasse nesses momentos de lembranças, algo que ainda me fizesse ter motivos para viver.

–Tão paradoxo!– diria o meu analista...

A angústia me corroía o cérebro. Ser vivo, eu imaginava que ela tinha tentáculos, que pressionavam e impediam o raciocínio.

Durante toda a vida eu havia sido responsável por uma inteligência que joguei fora.

Considerando-me a frente do meu tempo, brincara de amores e de coleções de homens.

Deitei-me como bicho, no mato... Por amor...

Amores que duravam um noite, uma hora...

Eu era a namorada que os homens tinham na escuridão da noite... Não podia ser mostrada, pois era feia... E segundo diziam, gostosa.

Essa mesma escuridão me levou para a estrada... A longa rodovia BR 116.

Sem emprego, sem pensão alimentícia e com três filhos menores para criar, essa foi a versão plausível para mascarar um desejo... Descobrir quanto vale um ser humano.

Meses atrás, eu havia recebido uma proposta de um ser que pretendia ser garoto de programa.

Essa pessoa teve um importante papel na minha queda.

Fora a minha primeira passagem por um CAPS AD.

Hoje, em 2021, estou de volta a um CAPS AD, embora não tenha vícios...Mas as crises de Personalidade Borderline a cada dia se amiúdam mais. No presente, no dia 22 de dezembro de 2021 fará quatro anos que um dos meus filhos se suicidou,, ingerindo as medicações das quais eu fazia desmame, para agradar ao meu querido psicanalista, pelo qual eu estava sofrendo uma transferência absurda, sem saber de que se tratava...

No passado, com a coragem e a determinação de saber o que queria me dirigi a uma pessoa que sabia como funcionava o esquema. E fui.

Eu nunca havia aceitado sequer um presente de um homem... E agora eu deveria saber quanto pedir por mim, por quanto eu deveria me vender, sendo que em noventa por cento dos casos, era pedido um desconto.

E a partir dali, cem quilômetros de estrada me aguardariam todas as noites, dependendo de caronas de desconhecidos que eu quase nunca revi pelos meus caminhos.

Um vestido inadequado... Saindo de um casamento, separada há poucos meses, só possuía roupas decentes.

Decentes, as roupas... Pois a conduta era muito pior do que a das prostitutas que conheci nos dias de trabalho.

Sempre discordei da trilogia "Nunca matei, nunca roubei, nunca me prostitui...".

Conheci sofrimento e responsabilidades de mulheres que nunca tiraram um centavo a mais da carteira de seus clientes. E que nunca poderiam ser comparadas a um ladrão ou assassino.

Ladras? Havia sim, como em toda profissão. Essas roubavam por safadeza, não por serem prostitutas. Seriam simplesmente ladras em qualquer lugar.

A separação fora por uma vida dupla... Vivi durante cinco anos com dois homens. Por ser safada?

Não sei... Justifiquei por muito tempo que foi por ser bondosa... Faz-me rir... Eu pensava que o meu marido não sobreviveria sem mim.

Vivi com um santo? Não. Fui surrada, traída... Das traições eu não gostava... Das surras, sim.

E passei a ter orgasmos apenas se apanhasse... Se tivesse tapa na cara, puxão de cabelo e violência. As dores me levavam às nuvens.

E aprendi a ganir como uma cadela. Hoje eu não tenho vida sexual. Mas se eu fosse um homem, teria medo de ir para a cama com uma mulher escandalosa como eu era.

Palavrões também teriam que ser constantes.

Com essa escola sexual, seria fácil, eu pensava...

De vestido comprido e mochila de regueira, com toalha, sabonete, gel, preservativos e um aparato de coisas que me disseram necessárias, fui para a estrada.

Na carona de ida, não tive coragem de dizer qual era o intuito da viagem. E me senti perdida.

Não consegui clientes. Mas na volta, nem lembro rosto, cor, de onde vinha, nem para onde ia... Meu primeiro programa...

O preço... Trinta reais, sem anal, pois tenho traumas, vindos de uma primeira vez, sodomizada com os braços torcidos para trás, sendo rasgada e passando dias e noites de dores lancinantes, pois em casa, eu tinha que dizer que era virgem.

O desconto, é claro, foi pedido. Sempre eram trinta reais que se transformavam em vinte. Esse era e talvez ainda seja, o preço de um ser humano na estrada. Não foi muito sacrifício...

Com bons professores e rasgados elogios no oral, a tarefa foi cumprida rapidamente. E recebi os primeiros vinte... O meu primeiro preço... O mesmo preço que o pretenso garoto de programa me pedira meses antes.

Fui para casa, dormir por algumas horas. Depois que o dia amanhecesse e o cansaço da noite sem dormir pudesse ser mascarado, havia a segunda parte... Os cabarés de quinta categoria me esperavam.

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