1 Prólogo: A Noite dos Acontecimentos

O que leva as pessoas a mudarem os seus rumos? O que acontece para vidas serem completamente "viradas de cabeça para baixo"? Você concordaria comigo se eu afirmasse que qualquer acontecimento fútil, imbecil ou sem sentido, teria uma chance de transformar a história de alguém?

Se um acontecimento qualquer pode mudar a história de alguém, o que um momento indiscutivelmente impactante pode sequer causar? 

É aterrorizante o fato de que acontecimentos repentinos podem simplesmente mudar o seu jeito de enxergar o mundo.

E quando você menos espera, quando você estiver no seu momento mais vulnerável, o impacto vai ser muito mais forte que antes previsto.

Às vezes, tais impactos podem causar eventos traumáticos e cicatrizes que nunca mais vão se curar.

No final do dia, a vida de todas as pessoas desse planeta é como se fosse uma bomba relógio, só não sabemos o horário certo em que ela vai explodir. Enquanto muitos se recuperam com a explosão de uma bomba, muitos outros vão ter essa explosão como um acontecimento que vai mudar a vida delas, para o melhor, ou para o pior.

Isso me lembra bastante o paradoxo do gato de Schrödinger. Nunca saberemos se a nossa escolha foi a certa ou errada, até abrirmos 'a caixa', ou até as consequências chegarem, pelo menos.

Será que vale a pena fazer escolhas ambiciosas, mesmo sabendo que a sua chance de falhar também é relevante? Será que vale a pena arriscar, sabendo que pode mudar o seu futuro? Nosso rumo já está definido, ou nós temos o poder de fugir da linha reta? Nossas escolhas conseguem mudar mais o nosso futuro do que eventos importantes? Eu falho em ter certeza da resposta exata de todas essas perguntas.

Dia 1 de Abril de 2024, falta exatamente uma semana para começar as aulas. Depois de arrumar meus materiais, vou precisar verificar se consegui passar na escola que fiz os exames de entrada.

Estou no meu quarto faz um tempo, sozinho em casa enquanto meus pais trabalham fora.

Não tenho muita coisa de interessante para fazer, essas férias foram extremamente entediantes. Não foi possível manter contato com meus colegas da minha antiga escola ou o senhor Nagumo.

A vida passa a ficar muito monótona quando uma pessoa introvertida e sem hobbies como eu fica de férias da escola, que justamente era o que me mantinha entretido.

Seria interessante procurar algo agradável para praticar, mesmo que só falte mais uma semana para o ensino médio começar. Bom, talvez eu possa fazer isso quando for me inscrever em um clube extracurricular.

"Falta apenas uma semana para começar as aulas.", eu disse, enquanto encarava o teto, em cima da minha cama.

Continuei pensando sobre o início das aulas, considerando que eu não tinha outras opções para tentar ficar entretido.

Enquanto estava distraído, as luzes do meu quarto se apagaram abruptamente. Não conseguia enxergar nada, exceto o que estava fora da janela. Uma luz bem forte e clara, mas que do lugar que eu estava observando, era irreconhecível.

Usando a lanterna do meu celular, eu troquei de roupa com muita rapidez. Decidi sair de casa a caminho daquela luz forte, eu precisava saber o motivo para aquilo tudo estar acontecendo.

Enquanto corria em direção da luz, percebi que diversas casas e apartamentos estavam sem energia. Seria possível a ocorrência de um blackout na vizinhança justamente por causa dessa tal iluminação no centro de Yokohama.

Por volta de uns 10 minutos correndo, cheguei no local onde havia comoção. Eu encaro a cena por alguns segundos, provavelmente em desespero.

"Isso… isso realmente está acontecendo? Não pode ser, não faz sentido algum."

Como que isso ocorreu? Algo não se encaixa, foi tão repentino. Não tem como ser verdade.

Eu ouço pessoas gritando ao meu redor, todas elas estão vendo o terror comigo. Alguns procuram por ajuda, outros tomam a iniciativa e vão direto ao perigo para serem os heróis do dia. Nunca fui tão apto para realizar tarefas benevolentes em que se arriscar é o mínimo a se fazer.

Se as luzes do bairro foram apagadas, tenho certeza que o que eu estou vendo agora… danificou os cabos que propagam eletricidade para a vizinhança.

Eu não sei o que eu faço. Eu corro? Eu chamo ajuda? Eu mesmo socorro? Não consigo me mover… meu corpo não quer realizar nenhuma ação. O medo está me consumindo e me impedindo de fazer qualquer coisa, consigo apenas ficar observando o desastre acontecer lentamente. 

Nunca fui o aluno mais atlético da sala, mas quando estou desesperado e sob muita pressão, minhas habilidades cognitivas ficam praticamente inúteis. Se pelo menos… se pelo menos eu pudesse ficar mais calmo.

Quanto mais fico neste lugar, as pessoas, os animais, os carros, tudo fica cada vez mais silencioso. Não consigo escutar mais nada além dos meus monólogos internos, que em um cenário como esse, me dão um sentimento de vazio muito forte. 

Esse lugar foi muito importante para mim, ver ele simplesmente cair aos pedaços… é difícil de pensar que isso poderia acontecer.

Eu gostaria de avisar aos meus pais sobre tudo que está acontecendo, mas eles estão… 

Me lembro de um detalhe muito importante, um que eu não deveria ter esquecido desde que cheguei a esse lugar. Meus pais… eles estavam nesse lugar, quando isso tudo aconteceu.

Não tenho tempo a perder, eu tenho que salvá-los, o mais rápido possível.

Começo a correr o mais rápido possível. As pessoas ao meu redor tentam me parar, me impedindo de procurar meus pais no ápice do perigo.

"Mãe?! Pai?! Vocês estão aí? Eu preciso de vocês!" 

Forço a minha entrada, e consigo escapar dos outros que me impediam. Continuo procurando eles, esperando que eles estejam seguros. Será esse um daqueles momentos que poderia mudar a minha história, como eu havia pensado antes?

Grito para ver se meus pais respondiam ao meu chamado, sem me importar com a minha própria saúde. Minha vida pode estar em risco, mas eu valorizo mais a vida dos meus pais, que fizeram tudo por mim nesses 15 anos desde que fiz parte dessa família.

"Cadê vocês?! Eu preciso de vocês! Mãe, pai!", eu grito e grito, mas eles não responderam, será que eles realmente evacuaram a escola antes de tudo isso acontecer?

Não consigo encontrar eles, vai ficando mais e mais difícil de se movimentar aqui.

Estou ficando fraco, está cada vez mais difícil de respirar neste lugar. Minhas pernas ficam cada vez mais bambas, e minha visão mais embaçada. Mas eu ainda consigo procurar mais um pouco.

Ouvi algo se movendo atrás de mim, chegando em alta velocidade. Me virei para saber quem estava lá, e percebi que era o senhor Nagumo, um grande amigo meu e zelador dessa escola. Eu o acompanho e converso com ele desde que eu era pequeno, mas quanto mais ele envelhece, mais vai ficando difícil de falar com ele.

Ele chega correndo em minha direção e fala: "Você já fez seu trabalho aqui, Ayato. Não posso deixar você ir pro perigo, onde seus pais estão. Saia daqui imediatamente, se não quiser morrer."

Eu respondo com um pouco das últimas forças que me restam: "M… mas só se você prometer que vai sair deste lugar vivo e junto com os meus pais sãos e salvos."

Está tão difícil respirar aqui quanto no topo de uma montanha. Mesmo sabendo que estou lentamente perdendo minha consciência, continuo a ficar de pé enquanto falo com o senhor Nagumo.

"Você pode confiar em mim, seus pais irão ficar bem sobre meus cuidados. Agora saia daqui, esse lugar é perigoso demais para você."

"Muito obrigado. Eu sei que você consegue salvá-los.", eu o respondo. Logo depois, eu corro do jeito mais rápido que consigo com o fôlego restante que tinha, e consigo sair deste lugar. Eu sento e apoio minhas costas em um muro perto, e descanso por alguns minutos sem pensar em algo específico. 

Depois de tudo que aconteceu, eu fiquei observando toda aquela tribulação, e mesmo sabendo que os danos causados eram irreparáveis, ainda tinha esperança de que tudo ia dar certo no final.

Minha cabeça está doendo. Sendo minhas últimas palavras antes de eu subitamente desmaiar, eu digo:

"Senhor Nagumo, eu vou confiar em você, como eu sempre confiei, desde o início."

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