1 Capítulo 1

No começo, éramos nove. Partimos ainda pequenos, quase jovens demais para lembrar. Quase. Dizem-me que o chão tremeu, que os céus se encheram de luz e explosões. Vivíamos aquelas duas semanas no ano em que as duas luas pairam em lados opostos do horizonte. Era um tempo de celebração, e no início as explosões foram confundidas com fogos de artifício. Mas não eram. Fazia calor, e uma brisa suave soprava da água. Sempre me falam sobre o clima: fazia calor. Havia uma brisa suave. Nunca entendi porque isso importava. O que lembro com mais clareza é como minha avó estava naquele dia. Agitada, triste. Havia lágrimas em seus olhos. Meu avô se mantinha bem atrás do ombro dela. Lembro como os óculos dele refletiam a claridade do céu. Havia abraços. E palavras ditas por eles. Não lembro quais foram. E nada me atormenta mais do que isso. Levei um ano para chegar aqui. Eu tinha cinco anos quando chegamos. A ideia era nos assimilarmos à cultura local antes de retornar a Lorien, quando fosse novamente possível haver vida por lá. Tivemos de nos separar e seguir caminhos distintos. Por quanto tempo, ninguém sabia. Ainda não sabemos. Nenhum deles sabe onde estou, e eu não sei onde eles estão ou que aparência têm agora. É assim que nos protegemos, com o encantamento lançado quando partimos, um feitiço que garante que só podemos ser mortos na ordem de nossos números, desde que nos mantenhamos separados. Se nos juntarmos, o encantamento se desfaz. Quando um de nós é encontrado e morto, uma cicatriz circular contorna o tornozelo direito daqueles que ainda sobrevivem. E no tornozelo esquerdo temos uma cicatriz idêntica ao amuleto que usamos, um desenho que se formou quando fomos protegidos pelo encantamento lórico. As cicatrizes circulares são outra parte do feitiço. Um sistema de alerta para sabermos onde estamos em relação uns aos outros e quando seremos o próximo na lista dos perseguidores. A primeira cicatriz surgiu quando eu tinha nove anos. Eu dormia, e acordei com a sensação do desenho queimando a pele. Morávamos no Arizona, em uma pequena cidade na fronteira com o México. Acordei gritando no meio da noite, em agonia, aterrorizado ao ver a cicatriz se desenhando. Foi o primeiro sinal de que os mogadorianos finalmente nos haviam encontrado na Terra, o primeiro sinal de que corríamos perigo. Até a cicatriz aparecer, eu quase me convencera de que minhas lembranças não eram realidade, de que o que Henri me dissera estava errado. Queria ser uma criança normal levando uma vida normal, mas então eu soube, sem margem para dúvida ou discussão, que eu não era. Nós nos mudamos para Minnesota no dia seguinte. A segunda cicatriz apareceu quando eu tinha doze anos. Estava na escola, no Colorado, participando de um concurso de soletração. Assim que a dor começou, eu soube o que estava acontecendo e o que havia acontecido com o Número Dois. A dor era lancinante, mas dessa vez suportável. Eu teria continuado no palco, mas o calor incendiou minha meia. O professor que conduzia a disputa me socorreu com um extintor de incêndio e me levou para o hospital. O médico no pronto-socorro encontrou a primeira cicatriz e chamou a polícia. Quando Henri chegou, os policiais ameaçaram prendê-lo por maus tratos. Mas, como ele não estava nem perto de mim quando a segunda cicatriz apareceu, acabou sendo liberado. Entramos no carro e partimos, dessa vez para o Maine. Abandonamos tudo o que tínhamos, exceto a Arca Lórica que Henri leva conosco em todas as mudanças. Até agora, vinte e uma.

Aqui está o texto corrigido:

"A terceira cicatriz surgiu há uma hora. Eu estava sentado em um barco. Os donos são os pais do garoto mais popular da escola, que dava uma festa sem que eles soubessem. Eu nunca havia sido convidado para festa alguma nessa escola. Como sabia que podíamos partir a qualquer momento, eu preferia ficar na minha. Mas tudo esteve calmo nos últimos dois anos. Henri não via nos jornais nada que pudesse levar os mogadorianos até um de nós ou que nos alertasse da presença deles. Então, fiz alguns amigos. E um deles me apresentou ao garoto que dava a festa. Todo mundo se encontrou no píer. Havia três coolers, música e garotas que eu admirava de longe, mas com quem nunca havia falado, embora quisesse. Zarpamos e seguimos uns oitocentos metros Golfo do México adentro. Eu estava sentado na beira do barco com os pés na água, conversando com uma menina bonita, morena e de olhos azuis, chamada Tara. Foi quando senti que estava acontecendo. A água começou a ferver em volta da minha perna, que brilhava onde a cicatriz estava se formando. O terceiro símbolo de Lorien, o terceiro aviso. Tara começou a gritar e as pessoas se aglomeraram ao redor. Eu sabia que não tinha jeito de explicar aquilo. Sabia que precisávamos partir imediatamente.

Agora o risco era maior. Eles haviam encontrado o Número Três, e, onde quer que estivesse, ele ou ela já estava morto. Eu acalmei Tara, beijei seu rosto, disse que tinha sido legal conhecê-la e que esperava que ela tivesse uma vida longa e feliz. Depois, mergulhei do barco e comecei a nadar, sempre submerso, exceto por um aída à tona para respirar mais ou menos na metade do caminho, na maior velocidade possível até chegar à praia. Corri pela trilha paralela à estrada, sempre entre as árvores, na mesma velocidade dos carros. Quando cheguei em casa, Henri estava à frente dos escâneres e monitores que usava para pesquisar as notícias do mundo todo e a atividade policial em nossa região. Ele soube em que eu disse uma única palavra, mas levantou minha calça encharcada para ver as cicatrizes.

No início éramos um grupo de nove.

Três se foram, morreram.

Agora restam seis.

Eles estão nos caçando e não vão parar enquanto não matarem todos.

Eu sou o Número Quatro.

Sei que sou o próximo."

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