1 O Dever de um Rei (Parte 1)

Em um certo quarto escuro no interior de uma mansão.

— Arff... Arff... Arff... — arfa um jovem que acabara de acordar.

— O mesmo sonho de novo? — pergunta a jovem que dormia ao lado, mas que fora acordada pelo levantar súbito dele.

— Sim... Eu vejo um penhasco, um pessegueiro e uma mulher sentada na beira... Eu tento perguntar algo, mas não há resposta, eu tento me aproximar, mas a cada passo que dou para frente sinto que vou dois para trás. Eu não sei quem é essa pessoa, mas sinto uma dor muito forte quando a vejo... — com a mão segurando fortemente em sua camisa na área sobre o coração, acrescentou. — É como se meu coração estivesse sendo esmagado.

— Seja o que for ou quem for, nós vamos descobrir — deslizando sua delicada mão pelo rosto preocupado do jovem, enfatizou — juntos.

— Me desculpe por lhe acordar... — ele disse.

— Está tudo bem. Na saúde e na doença, não é?

— Sim... Você tem razão.

Então, os dois amantes deitaram e voltaram a dormir. Quem era a pessoa que assombrava os sonhos do rapaz e qual era a conexão entre eles, ninguém desejava saber isso mais do que ele mesmo.

Essas visões vêm me assombrando desde aquele dia. Ainda não sei a razão disso, mas vou descobrir.

————

Em um passado não muito distante.

A alvorada estava para começar, todos ainda dormiam, todos, com exceção de um.

Em um certo palácio, um homem em alvas vestes cuja cabeça era adornada por uma coroa dourada caminhava lentamente por uma ponte subterrânea enquanto deslizava sua mão por sobre a enfeitada balaustrada e devaneava ao observar o fluir vagaroso da catadupa de lava que cercava a ponte por ambos os lados.

O som da lava escaldante escorrendo pelas paredes acalmava o coração do homem, para ele, era como o acalento sereno de sua mãe jamais encontrada. O devaneio do homem seguir-se-ia calmamente, se não fosse pelos passos apressados vindouros que acabaram por o tirar de seu vaguear.

Ao se virar, o homem percebe a chegada de um outro, que semelhantemente trajava roupas elegantes. Assim que daquele conseguiu se aproximar, de joelhos o homem se apressou a ficar.

— Meu rei, uma notícia eu venho lhe dar — disse o homem que acabara de chegar.

— É algo urgente para você correr para me encontrar? — indagou o homem que fora chamado de rei ao passo que fazia um sinal para o outro tornar a de pé ficar.

— Temo que sim, infelizmente. Aparentemente, a resistência do povo para contra à fome perdurar chegara ao limiar. Sussurros carregados pelo ar estão a se espalhar, uma ideia de revolução parece estar a se suscitar entre as massas.

— Revolução? Então a situação já chegou a esse ponto...? *Suspiro* Nós estamos fazendo leite sair de pedra há muitos anos, temo que a culpa disto tudo seja minha depois de tudo.

— Não, meu rei, todos sabemos o quanto o senhor por nós veio a sangrar.

— Sim, mas sangue não enche barriga, Toradorff.

O homem ao qual o rei chamara por Toradorff não soubera o que falar, então apenas caminhou, sem mais nada adicionar.

— Vamos para fora, eu quero averiguar a situação com os meus próprios olhos.

— Sim, vossa majestade.

Após alguns momentos, a paisagem detrás das enormes portas do palácio, as quais possuíam mais de cem metros de altura, viera a se revelar. Revelado, então fora que, na verdade, o castelo encontrava-se no interior de um agigantado vulcão.

Todo o solo à frente do palácio era árido e cinzento, excusado dizer que em tal terreno não existia vegetação. Ademais, gases escaldantes ascendiam de frestas no chão ocasionalmente, estas as quais eram conectadas às veias de lava subterrâneas.

Se apenas o terreno em torno do vulcão fosse desta forma, seco, sem vida, o povo não sofreria tanto quanto estava sofrendo. Todas as terras sob a regência do rei há pouco apresentado eram assim, secas e sem vidas. Não era culpa dele no entanto, o bioma da região era assim, pois era um continente vulcânico, além disso, nele jazia milhares de vulcões.

Neste continente árido, quase dois bilhões de pessoas para sobreviver estavam a lutar sem parar.

Caminhando vulcão a baixo, o rei e seu companheiro, Toradorff, viram como estava a situação real da cidade, do reino como um todo. A cidade em torno do vulcão no qual jazia o palácio era conhecida como Deméria, uma cidade rica na qual a maior parte dos habitantes eram os nobres do reino e seus muitos descendentes, no entanto, até mesmo tal cidade estava em um estado lastimável.

As casas dos nobres ainda possuíam um brilho, um que fora construído com o sangue dos menos favorecidos. Os pobres eram explorados pelos ricos e nobres, e estes por sua vez eram explorados pelos mercadores de outros continentes, que vendiam as matérias-primas e alimentos a preços centenas de vezes maiores do que seria dentro do próprio continente.

O continente ao qual Deméria fazia parte era chamado de Continente do Sul, o qual estava sob a regência de um único rei.

Enquanto andava, o rei pôde ver a verdade que não queria aceitar, de seu povo a vida estava a deixar. Se Deméria estava caindo, as outras cidades no entorno provavelmente já haviam sucumbido.

Nas áreas mais externas de Deméria haviam várias barracas, nelas moravam pessoas que perderam tudo apenas para conseguir um pouco de comida para suas famílias. Enquanto passava por lá, o rei fora acertado por uma pedra em sua testa. O corpo do rei era muito forte, então a pedra apenas deixou-lhe uma marca empoeirada, no entanto, quando avistara quem a pedra lançara, uma dor viera a lhe assaltar, uma dor que superava a dor física, uma dor que atingia a alma.

Em frente aos dois homens com basicamente dois metros de altura, havia um garotinho de pele cinzenta e orelhas alongadas. Vestindo roupas humildes, coitado, vários rasgos e remendos nelas se faziam presentes. Porém, o mais chocante não era o fato de o garoto vestir roupas naquele estado, ou sequer o fato de ele ser um elfo-negro, mas o fato de ele estar tremendo. Engano daqueles que porventura pensaram que o jovem teria medo do rei, a fome era forte demais para ele conseguir sentir qualquer medo. Os ossos do rapaz eram claramente visíveis, parecia até que ele não possuía carne em seu corpo.

Logo após o menino a pedra jogar, uma mulher para fora da barraca viera a se arrastar, então, com todas as suas forças, que não eram muitas, ao menino ela veio a abraçar, como uma mãe, ela o queria proteger do castigo que viria a chegar. Da mesma forma que o rapaz, a mulher também tremia e trajava apenas trapos.

Ao caminhar por Deméria, o rei presenciara muitas coisas, muita dor e sofrimento, mas esta fora a gota d'água. O corpo dele não aguentou tanta dor e, portanto, sem forças veio a ficar. O rei de joelhos no chão acabou por ficar.

A fome obscurecia os pensamentos e poluía o coração, mas nem mesmo a fome impediu que a mãe e o filho ficassem chocados ao verem o rei caído no chão. O rei podia não compartilhar sangue com todos, mas ele era o pai de todo o seu povo, pelo menos para ele era assim. Ver o jovem e a mulher em tal estado foi como ver seu próprio filho, uma dor arrasadora.

O rei então retirou sua belíssima capa branca adornada com detalhes em ouro, que agora estava manchada nas extremidades pelo pó cinzento

que cobria a vastidão do chão, e envolveu a mãe e o filho, então se levantou e olhou seriamente para seu companheiro.

— Eu vou resolver isso, Toradorff, tudo isso — após dizer, ele seguiu andando de volta para o palácio.

— O que você pretende fazer, meu rei?

— Vou visitar uma velha amiga.

— Velha amiga...? — de repente, ele pareceu entender sobre quem o rei estava a se referir e ficou chocado. — Você não está falando da dama dos raios, está?!

— Ela mesma.

— Não podemos, não temos condições de mover um exército agora, nosso povo morreria antes mesmo de chegarmos ao Continente Central (no qual residia a tal dama dos raios).

— Eu sei, é por isso que eu vou sozinho.

— O quê?! Não!! É suicídio. Você não pode fazer isso, temos que reunir os Sete Generais pelo menos.

— Há quantos anos nos conhecemos, Toradorff? — disse o rei enquanto olhava para o céu e parecia pensar em um passado distante.

— Hm? Desde que eu era criança, meu rei, o senhor foi quem me adotou.

— Sim, e você foi um bom filho para mim, mas além disso, você foi e ainda é... o meu melhor amigo. Toradorff, eu quero lhe pedir uma coisa, mas não como rei, ou como pai, mas como amigo.

Toradorff sentiu seu coração bater descontroladamente, ele temia as palavras que seu rei estava para pronunciar.

— Tudo bem...

Então, o rei se virou, olhou diretamente para os olhos de Toradorff, colocou a mão no ombro dele e disse:

— Você me deixaria ser egoísta uma última vez?

Parecia até que alguém havia jogado spray de pimenta em seus olhos, pois ele não aguentou encarar a face que o rei estava a lhe mostrar e silenciosamente suas lágrimas veio a derramar.

— Cuide do nosso povo, meu bom amigo — então, sem mais delongas, o rei se virou, e, então, o corpo dele cresceu a grandes alturas e se transformou em um enorme dragão branco. Sim, ele era capaz disso.

No Continente do Sul não era possível chorar, pois as lágrimas evaporavam antes que um viesse a piscar, mas agora, Toradorff estava a chorar, de seus olhos dois fios rubros estavam a vazar. A dor que sentia fora forte ao ponto de fazer seus olhos derramarem sangue.

Quando nasceu, ele não teve seus pais consigo, não sabia quem era ou qual era o seu propósito, mas o rei o acolheu, deu-lhe um teto, comida e amor, para ele, Begin (o rei) era seu mundo.

— Pai...

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