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Prólogo: O Segundo Nascimento

A garota olhou para baixo e viu o mundo aos seus pés. O vento batia em seus cabelos negros e no longo vestido sujo de lama: o minuano era sua única companhia naquele amanhecer frio e amarelado, em que o sol parecia dizer que não apareceria enquanto ela não morresse. Ela deu um passo e mais um passo, até que finalmente se viu na borda do prédio. Não havia volta, não havia perdão. A jovem mordeu o lábio inferior fortemente e sentiu o sangue escorrer para dentro da boca. Ao fazer isso, era como se estivesse punindo a si mesma pelo ocorrido, porém o castigo não tinha sido suficiente a ponto de permitir que se sentisse absolvida. Na verdade, o peso que descia da garganta aos pulmões parecia crescer a cada instante, quase a afogando em um oceano de melancolia.

Os olhos cansados e inchados afirmavam que não existiam mais lágrimas a serem derramadas. Ela abaixou a cabeça, inspirando o ar frio daquela altura perigosa e sentindo a âncora presa a seu coração. Só precisava de mais um passo e sua dor e culpa dissipariam: seria livre. No entanto, sua respiração acelerada e suas mãos trêmulas suando frio pediam que recuasse – mas a menina estava certa de que não havia volta, de que não existia para onde retornar. Aflita, o remorso remoendo as suas entranhas, ela continuou a se questionar sobre os acontecimentos da noite anterior, ainda incapaz de acreditar em tudo aquilo ouvira no telefone. Lena levou as mãos ao rosto, escondendo a expressão sofrida e a chateação que a carregavam à morte e a faziam ansiar por sua liberdade.

Recebera uma ligação telefônica da polícia, a qual lhe contara que sua mãe estava morta. Esta que a havia criado como filha de sangue mesmo e a qual a havia permitido que crescesse feliz, com noção do que era o amor de verdade. Era difícil acreditar que esta grande mulher não mais existia, que Lena nunca mais a veria, a abraçaria, sentiria seu cheiro maternal, nem receberia nenhum de seus afetos. Contudo, esta era a verdade nua e crua e a jovem menina não mais tinha coragem para continuar. Sozinha naquele mundo tenebroso, ela sentia como se a cidade quisesse engoli-la e parti-la em pedaços, exatamente como havia acontecido com a sua querida mãe.

O choque da revivência dos acontecimentos da noite passada fez com que sua cabeça latejasse, provocando o escurecimento da sua visão. Na ponta daquele edifício, ela pensou que seu corpo a ajudava a acabar o que começara. Respirando fundo, cerrou os olhos e os punhos e se inclinou para frente, aguardando a vinda da morte.

Foi quando o sol apareceu de trás do horizonte. A luz repentina fez com que abrisse os olhos, somente para conseguir ver que um pássaro preto se aproximava rapidamente de seu rosto. Sem tempo para desviar da ave, os dois colidiram e ela caiu para trás, batendo a cabeça no concreto duro. A menina só conseguiu distinguir que se tratava de uma andorinha antes de desmaiar.

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Lena abriu os olhos com dificuldade. Sentia um gosto metálico na boca, uma ânsia na garganta e seu corpo inteiro parecia prestes a se desmontar. Sem ainda entender o que acontecia completamente e nem quanto tempo havia passado, pôde perceber que ainda estava no topo daquele prédio. Atordoada, procurou à sua volta a andorinha que havia se chocado contra ela, mas não a encontrou. No lugar, viu uma poça de sangue no chão e desesperou-se. Se o pássaro não estava mais lá, provavelmente tinha partido sem ferimentos, o que significava que era ela a fonte de sangue. Passou a observar freneticamente o cenário a sua volta, desesperada com a quantidade de vermelho.

Logo avistou uma pilha enorme de roupas enlameadas ao seu lado. Confusa, percebeu que aquela era a peça que deveria estar vestindo. Todavia, esse vestido parecia enorme, o que fez Lena questionar se sua cabeça não havia sido lesada. Tentou alcançar aquilo que parecia ser uma montanha de roupas com as mãos, apenas para perceber que no lugar dos braços, existia uma plumagem negra. Perturbada, não conseguia acreditar no que via: tornara-se um pássaro?!

Bom dia, boa tarde e boa noite!

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[créditos à arte da capa: Laphet (@laphet306 no twitter)]

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