3 Planos Irreversíveis

Seu coração pareceu se aquietar aos poucos, a água quente lavava suas costas e umedecia a raiz de seu cabelo. Um coque alto para que não molhasse todo o cabelo, mas não adiantaria muita coisa já que a parte superior estava sendo umedecida pelas gotículas que pairavam o ar.

Agnes se agachou no box, seus pés brincaram com a água rasa que enchia aos poucos os espaços não preenchidos pela água. Seu corpo frio se aquecia com aquele calor. Seus olhos se fecharam e as vozes voltaram a ser ouvidas, aquelas lembranças traumáticas sempre eram repassadas em sua mente. Porém, antes mesmo de se lembrar daquelas coisas, ela se lembrou do que havia acontecido horas atrás.

Kate a olhava em choque, os olhos arregalados, a boca entreaberta, e as sobrancelhas arqueadas. Não havia mais o que dizer.

— Quero ir embora. — disse Agnes, seus olhos começaram a lacrimejar, e antes que se desse por vencida ela apenas olhou para Ellen e lhe deu um pequeno sorriso, um daqueles que pudesse convencer qualquer pessoa. — Você pode me levar?

Ellen rapidamente pegou suas coisas em cima da bancada escura e sorriu para Kate rapidamente, olhou para Agnes e moveu os lábios em resposta. "Vamos".

— Até mais Kate. — Seus lábios se apertaram em uma linha fina, e deu as costas para a garota de cabelos avermelhados.

Ela não disse nada, apenas acenou.

Agnes suspirou alto.

Suas mãos coçaram a sua nuca, e com a mão direita ela esfregou seus braços e pernas, uma agonia sem sentido passou por seu corpo.

As lágrimas que tanto segurou começaram a escorrer e se misturar com a água fervente. Sim, ali era o seu lugar favorito, onde as lágrimas nunca seriam encontradas e poderiam ser facilmente derrubadas, a única coisa que a denunciava eram as marcas vermelhas que arrodeava seus olhos e marcava a ponta de seu nariz.

Ela se odiava.

— Agnes! Venha para cá! — Uma voz masculina não tão familiar a chamou.

Quem era aquele que nem mesmo ela se lembrava?

Ah, sim. O que diziam sobre ela era real.

Agnes não prestava, sempre foi clara sobre isso, então porque insistiam em tentar algo com ela?

Suspirando ela lavou seu rosto mais uma vez, assoou o nariz e esfregou os olhos já vermelhos.

Secando-se pôs um sorriso no rosto, mesmo ela sabendo que estava acabada de dentro para fora.

— Estou indo. — Pôs um roupão sobre si e a toalha foi enrolada em torno de seu pescoço.

Entrando no quarto, Ícaro sorria, sentado em uma cadeira de madeira estofada, ele ainda conseguia sorrir, pra ele era tão simples e fácil, mas ainda duvidoso.

— Como você está? — Ele perguntou, aquele sorriso bobo permanecia, a fazia se sentir tão bem, mesmo que se sentisse bem, parecia errado.

— Eu estou bem. — Forçou um sorriso, como sempre fazia desde há um ano atrás, nada parecia real. — E você?

Ele se pôs de pé, caminhou galantemente até ela, segurou sob suas palmas o seu rosto e a olhou no fundo dos olhos, aquele belo sorriso fazia com que seu estômago se revirasse em alegria, mesmo ela sentindo que era errado e desnecessário sentir aquelas emoções.

Princesa de gelo. Coração congelado. Inverno liberado das portas de seu coração. Sim, ela era tudo aquilo, se não fosse pior.

Vadia sem nome.

Ela se odiava a cada segundo.

Ícaro acariciou sua têmpora com o polegar, seu nariz tocou o dela e seus lábios triscaram rapidamente e tão suavemente que seus olhos se fecharam. A respiração nunca havia se tornado tão desnecessária quanto naquela situação. Seu fôlego havia sido preso, e ela apenas esperava por um beijo lento e sedutor, e ela sabia muito bem que ele o faria, ele sempre dava um jeito de agrada-la. Ele era incrível, mas não era nada.

Agnes olhou em seus olhos, os olhos do rapaz estremeciam diante de si, ele a amava tanto, e ela tão pouco podia correspondê-lo.

— Eu estou muito bem. — Ele riu baixo.

Suas testas se tocaram e mais uma vez os narizes se esfregaram docemente.

— Você sempre está bem. — Brincou, ela olhou para si e desvencilhou dos braços dele. — Vou me trocar, vá para a sala.

Ele a beijou nos lábios, e a deixou sozinha no quarto.

***

— Então você foi ver a Kate? — Ele enrugou a testa, confuso e preocupado.

Ela assentiu devagar, enrolada em seus braços parecendo um pequeno pacote nas mãos daquele rapaz. O queixo de Ícaro estava sob sua cabeça e suas mãos abraçava todo o corpo de Agnes.

— E vocês não rolaram no chão e brigaram?

Ela riu.

— Não. Somos amigas, mesmo que ela tenha dito tantas coisas sobre mim e sobre Ellen. — suspirou.

— Acho que entendi. — Espremeu os olhos.

Ela se recostou em seu corpo, aconchegando ainda mais para perto do rapaz que lhe fornecia calor.

— Você não precisa entender, não é necessário. — disse com a voz baixa, seus olhos focaram na televisão ligada, um programa era passado e o volume médio a distraía do que era importante.

Ele aumentou seu aperto entorno dela e suspirou, cansado.

— A cada dia que passa, mais estranha você fica. — Seu nariz deslizou por seu pescoço e sua respiração ainda fria tocou sua pele.

Ela deu de ombros.

— Achei que você não me conhecia.

Ele beijou seu ombro direito e o mordiscou.

— Eu sei tudo sobre você. Pelo menos tudo o que me contou.

Os dedos de Agnes apertaram suas palmas, ele fazia com que todas as coisas que passavam em sua mente fossem erradas. Queria ela ser diferente, mas no seu estado atual, ela não poderia aceitá-lo, mas como dispensa-lo?

Um sino interno soou quando a ideia pareceu certa, mas tão errada.

— Ícaro. Ouvi de alguém que Eloá estava indo para o centro, na semana que vem.

Ele riu baixo e assentiu.

— Sim, ela havia dito para o Ciro.

Agnes mordeu o canto de sua boca, a pele que protegia seus lábios se partiu lentamente.

— Você deveria ir encontrar ela, acho que faz um tempo que não se veem. Certo?

Ele pensou por um tempo e concordou.

— É verdade. Acha que é uma boa ideia?

Ela quis suspirar, mas contra sua própria vontade e desejo, ela fez isso apenas por ela.

— Claro que é. Somos todos amigos, ela deve sentir a sua falta.

Ele concordou mais uma vez.

— Vou falar com ela, e então organizar algumas coisas. Tenho que ir ao centro de qualquer maneira.

Seu coração pesou.

— É uma ótima ideia.

— Você vai vir?

Agnes sorriu, soltou uma risada baixa e forçada.

— Não. Tenho trabalho da faculdade para fazer.

Ele pensou por um instante, e concordou, ele sempre concordava, poucas vezes ele debatia alguma decisão tomada por Agnes, ele era tudo o que ela queria, mas era nada.

Nada.

"Você não ama a ninguém. Apenas a si mesma", sua mente voltou a lembrar das falhas que cometera.

Se ela nunca tivesse dito que "talvez" o amasse, tantas coisas seriam evitadas, e provavelmente ela não seria tão desprezível.

Agnes se virou para Ícaro, estando de frente para ele, suas mãos seguraram seu rosto, seus olhos se encontraram, e rapidamente um meio sorriso se formou nos lábios do rapaz de olhos castanhos e cabelos nódulos escuros.

Seus lábios se tocaram, tão levemente quanto o ar e tão docemente quanto um marshmallow. Seus dentes rasparam contra os lábios umedecidos de Ícaro e sua língua contornou a boca de tom nude.

Palavras não escapavam, tudo que ela mais sentia era transmitido através dos toques e dos beijos, mas nunca em palavras, pois palavras enganam e traem, estragam e aos poucos são esquecidas.

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