6 Caída ao Esquecimento

Ícaro.

Foi a primeira pessoa que ela viu. Os olhos bem abertos, brilhantes e preocupados.

Seu coração se apertou contra seu peito, era tão doloroso vê-lo ali, sem ela. Sem? O que ele fazia ali?

O vento assoprou forte, as folhas secas ainda restantes do outono voaram sobre sua cabeça, seus olhos fitaram agora o céu nublado. Ícaro havia se afastado um pouco, e Eloá a olhava preocupada.

Estava mesmo ela preocupada?

Agnes não conseguia pensar naquilo, nem mesmo naquela possibilidade.

Tudo estava tão instável. Tudo era sempre tão instável e bagunçado. O rosto de Lucca passou suavemente em sua memória. Tão suave que quase ela mesma não teria notado.

A garota sentou no banco em que a puseram. Seus olhos piscaram algumas vezes, era dor para todo lado, ela por um caso havia caído?

— O que houve? — perguntou depois de passar sua mão por sua cabeça que latejava.

— Você caiu de repente, então te arrastei até esse banco e chamei o Ícaro. — mordeu o lábio inferior.

Agnes apenas assentiu. Ela apenas se lembrava de ter passado mal, mas nem mesmo ela sabia o que de fato havia acontecido com ela.

— Precisa de alguma coisa? — Ícaro perguntou, seus belos olhos brilhavam, e seu coração galopava em dor.

— Ah, não. Estou bem. Minha pressão deve ter caído. — Sorriu de lado.

Ele assentiu.

— Se precisar de mim, é só me chamar, você sabe.

Não, ela não sabia. Seu corpo inteiro poderia gritar que precisava dele, mas de seus lábios só iriam sair palavras contrárias ao que ela e seu coração queriam.

— Eu estou bem Ícaro.

Eloá ficou quieta por um tempo, apenas observava e pensava em alguma coisa, até que finalmente criou coragem para dizer.

— Espero que não se importe, mas eu estava pensando em ir com ele.

Ele parou onde estava, seus olhos passaram por Agnes e pararam em Eloá, e em seguida voltaram para Agnes. Ela deu de ombros, um sorriso forçado e um consentimento que não queria ter dado, e provavelmente Ícaro percebeu, já que seus olhos perderam o brilho naquele mesmo segundo.

— Não se incomode comigo Eloá, pode ir. Eu ia ligar para a Ellen depois que conversássemos.

A menina sorriu em agradecimento, e minutos depois os dois haviam sumido.

Ela ficaria ali, com a brisa fresca sob seu encalço e o frio que aquecia seu coração derretido e abobado.

Frio esquentar? Sim, fazia sentido quando se pensava que poderia adormecer sua pele e não sentir mais nada. Eram tantos pensamentos, que nem mesmo ela se entendia. E se ela não entendia a si mesma, quem entenderia?

Ela iria ficar ali, ficaria até não sentir a ponta de seu nariz. E quando não pudesse sentir mais nada, ela ligaria para Ellen e imploraria por socorro, e enquanto tudo isso acontecesse, ela não iria derramar uma lágrima se quer.

***

O coração estava em conflito. Era tão ruim não saber o que queria.

— Você não deveria se sentir assim. — Ellen cruzou os braços, tinha muito a dizer, mas priorizava os sentimentos de sua amiga.

Agnes sorriu, um sorriso tão triste, um daqueles que faziam lágrimas escorrer de seus olhos, mas ela os segurava com firmeza e certa determinação, tão admirável.

— Eu sei o que você está pensando. A culpa é minha. — Balançou os ombros, era real. — Eu o joguei para Eloá, eu o fiz desistir de mim. — Seus olhos encheram de lágrimas. — E por que tudo isso? — Soltou uma risada alta embaraçada pelo choro que estava tão presente em sua garganta trancada, quanto em seus olhos marejados.

Uma por uma desceram por sua face. Lágrimas tão claras quanto seus sentimentos destruídos.

— Eu queria tanto ser feliz Ellen. Eu queria tanto poder escolher o que eu quero para mim, eu queria tanto poder ter as minhas próprias escolhas.

As lágrimas rolaram uma após a outra, era um rio sem fim, algo tão parecido com uma fonte natural, pois as lágrimas não paravam de jorrar, quem dera fosse infinito, mas não era, tudo tão momentâneo.

— Mas em minhas fracas mãos, eu não tenho poder nenhum. — Sua cabeça inclinou para baixo, as mãos bem abertas logo abaixo de seus olhos, as linhas finas e compridas de suas mãos contavam sua história, antes mesmo de ela poder escolher. — Estou sob o domínio deles.

Ellen segurou suas mãos, seus olhos foram tomados, o foco havia se tornado outro: Ellen.

Sua amiga chorava com ela, mas sorria, pois compreendia perfeitamente o que ela sentia.

— Se não fôssemos amigas, seríamos irmãs. — Fungou ao rir. — Somos maldosamente parecidas e desgraçadas. — Riu novamente. — Mas, a diferença é em como vamos lidar com o que temos. — Aumentou o aperto em suas mãos. — Não deixe que eles sempre decidam por você Agnes.

Agnes mordeu o lábio inferior com força, tentava ao máximo segurar suas lágrimas, mas era impossível, seu coração doía tanto, era quase como se estivesse sendo apedrejada por seus próprios tolos sentimentos.

Ela odiava sentir.

Dor, medo, insegurança, covardia... era tudo tão ligado à ela.

— Eu não deveria ter jogado ele para Eloá, não é?

Ellen sorriu, os olhos suavizaram sua expressão facial, era tão sereno o seu rosto, o tudo que ela mostrava era a sua compaixão, Ellen a amava tanto, eram como irmãs. Sempre foram assim.

— Eu fui idiota.

Ellen ampliou o sorriso, seus olhos expressavam sensibilidade.

— Você fez o que tinha que fazer. Ele esperaria se fosse necessário, mas ele te ouviu, talvez cansado de não saber se você o amava. Eu não sei, mas algo é real. Você não poderia ficar com ele. Mesmo que o amasse com a própria vida. E você sabe disso.

Agnes fechou os olhos e as últimas gotas salgadas desceram deles. O rosto melecado e grudento, com a costa da mão direita ela secou seu rosto, e tirou a sensação estranha que ficava na bochecha.

— Não quero nunca magoar a minha mãe. E enquanto eu estiver debaixo de seu teto, não tenho escolha nenhuma a não ser seguir o que ela diz.

Ellen apertou mais uma vez suas mãos contra as de Agnes, ela sentia tanto por ela, era tão complicado, mas tão simples. Quando se queria agradar a família, seus sentimentos pessoais ficavam para baixo, desprezados e ignorados.

A garota de cabelos loiros e de olhos claros se perguntou, será que se ela fosse mais velha, ela teria aproveitado a chance que tivera com Ícaro?

Uma pergunta que não poderia ser feita em voz alta, porque sabia que sua querida amiga se lamentaria, pois era certo que o valor que Agnes dava a sua família, era muito maior que o valor que ela dava a si mesma.

***

Eloá contava sobre o último encontro que tivera com Ícaro, ela sorria tão alegremente, que naquele momento Agnes não se sentiu culpada. Seus sentimentos pareciam se apagar aos poucos, mas ela ainda sentia algo. Saudade.

Ah, aquele sentimento era horroroso, tão feio e malfeito, tão devastador e cruel. Era como o tempo, bruto e inconsequente. Poderoso e odioso. Queria ela que o tempo fosse mais amável e a notasse depressa, e retribuísse sua demora apagando seus sentimentos pelo, agora, atual namorado de sua amiga.

Pecadora era ela, que em pensamentos traía sua amiga com aquele rapaz de cabelos escuros e desajeitou, o garoto de olhos escuros e lábios claros.

Vadia.

Ela se xingava com frequência, ela precisava de férias.

Feriado.

— O que fará no feriado? — Eloá perguntou. Um sorriso bonito nos lábios avermelhados, os olhos brilhantes e tão cheios de vida a cumprimentaram. Que golpe baixo.

— Irei visitar um amigo. — Sorriu, um sorriso que cobria seus olhos, mas não cobria nem a metade de seu coração partido e despedaçado. — Faz um tempo que não o vejo. — Bagunçou seus cabelos.

A menina sorriu em resposta, Agnes não sabia se ela estava feliz por ela, ou por algo que iria dizer.

— Ícaro e eu iremos sair. — As palmas de suas mãos se chocaram e um som alto soou, tão irritante. — Ele quer me levar para visitar sua cidade natal. Disse que lá o frio é intenso, tem até mesmo um local para esquiar! — disse empolgada, seus braços se moviam junto de sua empolgação, ela estava radiante.

Inveja.

Agnes era uma cobra. Ela admitia, mas dizia apenas para si mesma.

Vestindo a máscara, ela sorriu. Feliz.

— Que bom Eloá! Fico feliz que tenham dado certo. — Ela se lembrava daquele lugar, certa vez Ícaro a levará lá.

A garota fechou os olhos e gargalhou de felicidade. Era tão errado não querer desejar felicidades a eles? Não, não era. E ela bem diria mais tarde, mas apenas mais tarde.

Ícaro havia aparecido minutos depois para buscá-la, aquele lugar, aquele parque havia uma história. Um de fim e de recomeço, e mais uma vez de fim, e em um futuro não tão distante, talvez ela esperasse encontrar felicidade.

— Agnes! — disse ele feliz, o mesmo brilho nos olhos não se via mais, não para ela, não como ela se via em seus olhos, os mais profundos castanhos que já vira e quisera olhar eternamente, agora, ali, ela apenas se via como alguém qualquer, sem sentimento e sem importância. — Senti sua falta.

Ela riu, desdém escorria por cada gargalhada que ela não queria dar.

— Claro que sentiu. — Ironizou, seus olhos se reviraram, aquela conversa não deveria ter continuidade.

Mas teria, porque ela queria dizer pela última vez.

— Podemos conversar rapidinho? Juro que depois não falo mais nada.

Ele sorriu, se importava tanto com aquela garota, a amava tanto, mas não como ela o amava, eram amores diferentes. Quem diria que amores possuem formas e categorias?

Ela não sabia.

— Eu sinto muito.

Ele enrugou a testa.

— Eu amei você. Eu nunca quis dizer pra você, não sendo real, não com a voz alta. — Seus olhos estremeceram, a situação não ia ficar boa. — Não disse antes porque eu sabia que você gostava de mim, e eu não queria te prender a mim.

Ele abriu a boca, mas nada saía.

— Eu tenho sérios problemas, mas não podia aceitar você, mesmo sendo maravilhoso, sendo incrível, sendo tão atencioso. — suspirou, a saudade cavou seu coração já enterrado em um túmulo de gelo. — Eu realmente amei ser tratada como rainha por você, eu amei tudo o que fez por mim, e mesmo assim, eu não pude fazer nada por você. Me perdoe. Me perdoe por ter que jogá-lo para outra pessoa, mas eu sei que com ela, nada vai faltar.

Ele balançou a cabeça lentamente para os lados, não acreditava em suas palavras, era tudo tão repentino.

— Por que você não me disse Agnes? A gente... — Ele se calou, se calou no exato momento em que diria o que não deveria.

"A gente poderia estar junto". Ela completou em sua cabeça, e negou ainda assim.

— Não Ícaro. Não estaríamos juntos, porque eu não posso estar com você.

Ele mordeu o lábio inferior, ele sabia disso, mas nunca passou por sua cabeça o motivo.

— Por quê?

Agnes sorriu, tão serena, todas as preocupações sumiram no instante em que a curiosidade de Ícaro estava intacta. Ele a confundia tão bem. Tão bem que lhe fazia um mal lascado.

— Quero que fique longe de mim. Não quero falar com você, nem com Eloá. — Respirou fundo. — Quero que fiquem longe do meu alcance. Quero apagar você, quero esquecer que em algum momento eu me apaixonei por você.

Ele fechou as mãos em punhos, iria negar, mas Agnes não deixou que ele falasse, sua boca podia até mesmo estar entreaberta e pronta para discutir, mas ela não o deixaria passar por sua autoridade, mesmo sendo tão nova.

— Não fale, não quero ouvir a sua voz.

Seus olhos se fecharam rapidamente. Ela sentou seu corpo ganhar forças novamente, sentiu por cima da situação, estava no controle de seus sentimentos.

— Me prometa.

Ele olhou em seus olhos, uma expressão tão triste escorreu por sua face tão bela e neutra. Ícaro assentiu, concordou com o que Agnes pedira, e então ela lhe deu as costas e caminhou para longe daquele lugar.

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