O Extra Deseja Ser O Vilão

Das memórias de um ser esquecido.

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Um auxiliar de biblioteca, alguém que escolheu essa profissão pois amava ler, alguém que perdeu a oportunidade de se tornar bibliotecário por ter bebido demais na noite anterior.

Esse era o tipo de pessoa que Noah era.

As pessoas o chamariam de louco.

Todo o dinheiro que consegue acaba indo para mais e mais livros. Uma casa apertada com apenas um quarto e banheiro, não tinha espaço para uma cozinha ou uma sala, os livros tomaram conta de tudo.

Sim, um viciado em leitura para ser mais preciso. Um que não se importava com gênero ou tamanho, se era bom ou se era ruim, ele leria. Se tivesse palavras formando uma história, ele veria.

Seu gênero favorito era tragédia, gostava de ver os personagens tendo dificuldade em seus mundos. Odiava os finais em que todos viviam felizes.

"O fato da maioria das histórias terminarem com um feliz para sempre, após os personagens terem caminhado sobre rosas me deixava doente, era tão irrealista."

Ele dizia.

Realmente, não havia graça quando tudo dava certo para os protagonistas, era errado, porque nada dava tão certo assim para alguém. E ele sabia melhor do que qualquer um.

Mas não entraremos em detalhes sobre isso por agora, por que não vamos para o ponto principal?

Para ser honesto, eu poderia ter começado isso com algo como "é uma bela manhã e Noah está trabalhando".

Mas não era bela. Nunca era.

Noah estava acabado, se embriagou a noite. Era um hábito terrível que para ele parecia impossível de mudar. A bebida era como um calmante que lhe servia bem em seus momentos de fraqueza.

Na noite anterior havia se encontrado com sua madrasta, uma boa pessoa. Ela não era o problema, mas sim seu pai, o medo de Noah em relação a ele era indescritível, com razão. Ele era um dos piores homens da terra.

Sua colega de trabalho, decidiu ajuda-lo e em troca Noah leria uma novel de romance que havia acabado de ser concluída.

Era a oportunidade perfeita para Noah, ele precisava descansar, e principalmente, ler.

Um romance clichê de quinta categoria, era o novo padrão das novels atuais, mas ainda haviam muitas dessas que eram realmente únicas e agradáveis.

Essa não era uma dessas.

Era de uma autora desconhecida, não se achava nada além de sua conta na plataforma em que postou a história, sem redes sociais, sem nada mais além de uma história podre.

Havia comentários xingando a autora, alguns dando dicas de escritura e até mesmo alguns defendendo e gostando da história. Provavelmente pessoas com problemas mentais.

Esses comentários deixaram Noah com receio, quase o fazendo não ler. Mesmo que leia de tudo, ele ainda tinha limites, limites que ele não passaria apenas para ficar livre do trabalho por uma semana.

Ou era isso que ele queria acreditar.

Noah leu, odiou, se irritou, se decepcionou e se arrependeu.

Ele não sabia o que as pessoas que comentaram bem sobre aquela novel tinha na cabeça, aquilo era grotesco e repugnante até mesmo para ele.

"Entre Cinco Poemas" Noah a apelidou de pior webnovel do universo. Claro, ele não havia lido todas as webnovels do mundo, então aquele título era inválido.

Mesmo não querendo admitir, era difícil não comentar sobre o quão bem a autora escrevia, era uma escrita leve e objetiva.

A plataforma em que havia postado não era nada incrível, era um lugar simples em que qualquer pessoa poderia escrever o que fosse, por isso era difícil encontrar alguém que realmente soubesse escrever. A maioria eram crianças ou pessoas sem o mínimo do conhecimento básico para escrever. Para Noah aquele era um lugar realmente acolhedor.

Noah era conhecido por lá. O nome de usuário "LeitorOnipresente" fazia jus ao seu significado, ele estava em qualquer lugar. O louco da leitura, o super leitor, o salvador do tempo e psicopata. Apelidos dados a Noah pelos demais usuários da plataforma.

Havia uma regra secreta entre alguns usuários: "Se o louco não comentou, não leia. Se o louco disse que é ruim, é ruim. Se o louco disse que é bom, é bom." Muitos aguardavam a esperada de Noah nas novas novels e muitos esperavam suas palavras. Alguns o pediam conselhos nos sussurros, alguns escreviam apenas pare ele, alguns queriam aprender com ele e outros queriam faze-lo desaparecer.

Claro, Noah nem sempre agradava a todos, é impossível todos terem o mesmo gosto para leitura. Mas Noah não analisava só a história, ele analisava cada pedaço da novel, desde o tempo de lançamento dos capítulos até a forma que os personagens agem dentro da história.

Ele havia trabalhado como editor em uma editora bem famosa há alguns anos, mas largou para trabalhar na biblioteca, hoje em dia ele ainda recebe alguns pedidos de ajuda de escritores novatos. Ele aceitaria, se gostasse do que lesse.

Para ele a leitura era mais do que aparentava. Para ele, era como um abraço, um abraço quente e acolhedor que te faz esquecer momentaneamente todos os seus problemas.

É por isso que ele não conseguia aceitar aquela webnovel.

A autora marcou a obra com os seguintes gêneros: 「Romance」, 「Harém」 e 「Fantasia」.

Estava errado. Tinha tudo, menos romance. Os leitores desavisados iriam entrar em choque ao descobrir sobre o que realmente era aquela webnovel.

Para Noah isso é um dos maiores pontos negativos. Marcar os gêneros certos era essencial, servia para trazer as pessoas que gostam desses elementos para a obra, e alertar as pessoas que não gostam de tal gênero para que não se decepcionem depois.

No começo, realmente dava para se dizer que seria uma história de romance clichê, mas a partir do primeiro contato com os protagonistas masculinos, a história virou de ponta cabeça.

O maior problema dessa webnovel era os personagens, pareciam ter sido feitos especificamente para serem podre.

No total eram cinco protagonistas masculinos, Noah apelidou o duque, o mestre da guilda dos mercenários, o mestre da torre magica e o homem lobo de os "quatro cavaleiros do apocalipse", quanto ao príncipe, ele o chamava de "fruta podre".

Um pouco extremo? Não, nem um pouco, permita-me explicar o motivo disso:

O príncipe era um alcoólatra com péssimos hábitos, o duque era um psicopata que tentava matar qualquer um que ousasse chegar perto da protagonista, o líder da guilda dos mercenários era um ladrão viciado em apostas, o mestre da torre mágica era um louco que conduzia experimentos com humanos, e por último, o homem lobo que era um pervertido com tendências masoquistas.

Dito isso creio que dá para imaginar as atrocidades que acontecem na historia Sequestros a cada dez capítulos, assassinatos para todo o lado, tortura psicológica e sexual, esses tipos de coisas bizarras que fariam alguém acabar preso por uns bons e longos anos na cadeia.

Noah não era fã de dark romance, mas isso não significava que aguentava pouca coisa, mas era a primeira vez lendo algo tão podre. Noah se sentiu enjoado muitas vezes durante a leitura.

Ele não podia acreditar que tinha gente que realmente gostava daquilo. Quanto mais ele lia, mais da sanidade dele era levada embora pela autora. Noah nunca mais disse que lia qualquer coisa a alguém depois desse dia.

Mesmo com tudo isso a curiosidade de Noah só crescia a cada página, ele queria saber.

que tipo de final vai ter? as coisas vão melhorar? Os personagens... eles vão se arrepender de tudo o que fizeram?

Noah tinha esperanças, mas elas foram esmagadas.

Um dos secundários que acabou se apaixonando pela protagonista vira um vilão por não ter conseguido ficar com ela. Ele era patético, seus planos eram tão óbvios e ruins que ele se perguntava se a protagonista talvez fosse cega, já que não notava nunca. Se por um acaso ele fosse real, Noah já o havia puxado pelo colarinho e dado uns bons tapas para fazê-lo entrar em juízo.

Ele só foi usado pela autora para fortalecer o amor da protagonista com o príncipe, depois da tentativa do vilão fracassar, o príncipe tranca a protagonista no palácio, e então, começa o romance mais forçado da história. Era frustrante para Noah ver que mesmo sendo mantida em cativeiro em uma masmorra e ficando sem comer por dias, ainda faz com que a protagonista se apaixone pelo príncipe.

Quanto ao vilão... bem, ele só se ferrou.

Ele era tão estupido que ele conseguiu ser pego depois de fracassar na primeira tentativa. Ele foi executado enquanto o príncipe e a protagonista juravam amor eterno, em uma masmorra. Talvez não tivesse lugar melhor na hora.

"Infelizmente já não se fazem vilões bons como antigamente."

Foi o que Noah pensou ao ler essa parte.

No final a protagonista se torna a primeira rainha santa e lidera o primeiro império santo da história. É difícil pensar que isso teve um final feliz e tosco para algo como isso. Mas Noah não se importou.

"Tanto faz."

Ele pensou enquanto olhava a mensagem no celular. Era de um sussurro na plataforma.

18:43: 「 Vi seu comentário. Entendo muito bem como se sente, mas não há nada que eu possa fazer, eu não criei isso, não tenho poder para alterar nada. 」

18:44: 「Você parece incomodado, por que não vem aqui e reescreve esse mundo? 」

A princípio Noah achou que a autora estava chateada pelo comentário, mas após algumas mensagens percebeu que não era esse o caso.

19:02: 「Ao contrário de mim, você sim é capaz de tornar essa história boa de verdade. 」

19:03: 「Já disse, eu sou péssimo para escrever. 」

19:03: 「Não é necessário escrever nada, vamos, apenas aceite, caso contrário estarei demitida!」

19:05: 「Para de drama, você nem trabalha com isso, como que isso afetaria o ser trabalho?」

19:06: 「Ah garoto... Afeta de muitas formas.」

Noah ignorou por um bom tempo as mensagens da autora, mas depois de muitas horas decidiu ver se ela havia falado algo de bom . Nenhuma mensagem chamava a atenção, a maioria delas era ela implorando para Noah repensar e aceitar, Noah apenas ignorou, porém, a última mensagem o deixou com uma pulga atrás da orelha.

5:56:「Tomarei seu silencio como um não. Que pena, não queria ter que te forçar a fazer isso.」

Noah não entendeu o que ela quis dizer com "forçar". Decidiu não pensar muito e se deitar, sua cabeça estava pesada desde um tempo atrás, uma dor forte e latejante vinha surgindo aos poucos.

— Talvez seja a falta de sono...

Noah considerou deitar, mas antes de sequer fechar os olhos por si próprio, ele desmaiou.